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A lógica tutelar no contrato individual de trabalho

No documento Direito do trabalho em perspectiva : (páginas 83-87)

CARACTERIZAÇÃO TUTELAR DO DIREITO DO TRABALHO

2.2.2. A lógica tutelar no contrato individual de trabalho

A incidência normativa do Direito do Trabalho apenas faz-se a partir do reconhecimento de uma relação de emprego, traduzida juridicamente (em regra) a partir da constatação ou da presunção de um contrato de trabalho. Não é a finalidade deste capítulo uma análise pormenorizada de quais normas incidem em uma determinada relação de emprego a partir do reconhecimento jurídico de um contrato de trabalho. A noção fundamental é que o complexo normativo do Direito do Trabalho que compõe o contrato de trabalho e incide sobre a relação de emprego integra um determinado padrão lógico de proteção ao trabalhador próprio do capitalismo organizado que, como se verá adiante, apresenta sinais de transformação. Esse padrão lógico de proteção, por sua vez, estava sintetizado nos princípios do Direito do Trabalho recém verificados e moldava o meio pelo qual o trabalhador se inseria no mercado de trabalho (via contrato de trabalho). A seguir, abordar-se-á como ocorre esse processo ainda sob ótica do Direito do Trabalho tutelar do trabalhador consolidado no período do capitalismo organizado.157

Constitui-se o contrato de trabalho como o principal meio de formalização jurídica da relação de emprego, ou de formação jurídica do vínculo empregatício resultante desta relação. No entanto, quando se fala em contrato de trabalho, é possível identificar-se dois planos distintos:

157 Ou seja, sem m encionar os aspectos mais recentes já ditados pela lógica desconstrutora do capitalism o desorganizado. Ressalte-se desde já que algumas das características de um contrato de trabalho descritas a seguir ainda fazem-se presentes no contrato de trabalho, embora estejam referidas em tem po pretérito. Sobre esta questão, no entanto, versará outro capítulo.

P LA N O IN DIVIDUAL PLANO COLETIVO

Conteúdo mínimo legal

Conteúdo estipulado pelas partes individualmente

consideradas

Conteúdo estipulado pelas partes coletivam ente consideradas

Lógica tutelar atingida basicam ente

pelo princípio geral da irrenunciabilidade

Lógica tutelar atingida pela com binação do princípio da irrenunciabilidade com o princípio da autonomia de

vontades

Lógica tutelar atingida basicamente pelo princípio da autodeterminação das

vontades coletivas

Direitos indisponíveis

Liberdade para acrescer ao contrato condições mais benéficas aos trabalhadores (nunca, em regra, para reduzir)

Direitos “precários” , disponíveis no plano da negociação coletiva

No plano da contratação individual, há um subplano que limita o conteúdo contratual ao mínimo garantido por lei considerado suficiente para a dignificação do ser que trabalha. Neste subplano, a opção pela consecução da lógica tutelar deu-se principalmente pelo princípio da irrenunciabilidade. Tratam-se de direitos indisponíveis, caracterizando plenamente a lógica tutelar àquele presumidamente hipossuficiente na relação de trabalho (o trabalhador).

Há, ainda no plano individual, um outro subplano que contempla a autonomia individual para que sejam ajustados pelas partes direitos mais benéficos aos trabalhadores. Aqui, a opção política para efetivar a lógica tutelar deu-se através de uma combinação do princípio geral da irrenunciabilidade com o princípio da autonomia da vontade. Assim, há neste subplano liberdade para se acrescerem novos direitos ao trabalhador; mas, em regra, uma vez estipulados estes direitos no plano individual, não podem os mesmos ser derrogados pela autonomia das partes, o que torna este princípio condicionado pela lógica tutelar que marca o Direito do Trabalho.

Já no plano da contratação coletiva, a autonomia da vontade é consagrada de forma mais plena, em função do princípio da autodeterminação da vontade coletiva. Os direitos estabelecidos no plano coletivo podem perfeitamente ser derrogados se assim determinar a negociação coletiva, sem que isto, no entanto, afete os direitos já adquiridos no plano individual. Os direitos, portanto, estipulados neste plano, são

disponibilizados pela vontade das partes, consubstanciando-se em direitos com algum grau de precariedade.

Embora a autonomia de vontade esteja consagrada mais plenamente no plano coletivo, este plano ainda tem como referência a efetivação da lógica tutelar, embora de forma mais dificultada. Apenas o faz de modo diverso do plano coletivo: ao invés da consagração do princípio da irrenunciabilidade, há a consagração do princípio da autodeterminação das vontades coletivas. Em outras palavras, presume-se que os trabalhadores, conjuntamente, adquirem o poder de barganha suficiente para superar a diferença sócio-econômica da relação capital/trabalho e, assim, instituir diretamente benefícios (meta-princípio da progressão social), mesmo que isto possa significar, de imediato, a derrogação de direitos pretéritos. Apenas, ressalte-se pela extrema importância, a efetivação da lógica tutelar no plano coletivo pressupõe um movimento sindical forte, organizado, livre e representativo. Do contrário, há justamente o contrário do idealmente pretendido: desefetivação da lógica tutelar,

desproteção do trabalhador e regressão social.

Como visto no capítulo anterior, o Direito do Trabalho consolidado no Brasil privilegiou a regulação no plano individual. Embora, aparentemente, esta prática consagre de forma mais plena a lógica tutelar que fundamenta o Direito do Trabalho, proporcionando mais proteção ao trabalhador que figura na relação de trabalho, acaba por limitar, por outro lado, a participação dos trabalhadores no processo instituinte de direitos, assim como uma maior politização e conscientização da organização dos trabalhadores enquanto atores sociais. O ideal, portanto, consistiria em uma conjunção harmônica dos dois planos, pois ao mesmo tempo em que garantir-se-ia direitos mínimos, garantir-se-ia e se estimularia a livre atuação do movimento trabalhador.

Em função da opção política brasileira em privilegiar o plano individual, o contrato individual de trabalho standard adquiriu uma grande importância como instituto de formalização jurídica da relação de emprego. Como esta espécie contratual consagra de forma mais plena a lógica tutelar, pode-se dizer que, no Direito do Trabalho brasileiro, privilegiou-se como meio de formalização jurídica da relação de trabalho uma concepção contratual que acaba se configurando não apenas em uma instituição de inserção formal do trabalhador no mercado de

trabalho, mas também uma instituição de inserção material do trabalhador na lógica tutelar que fundamenta o Direito do Trabalho.

Viu-se que os meta-princípios de Direito do Trabalho - os princípios da proteção do trabalhador e da progressão social - sintetizaram um padrão jurídico- normativo que refletia a preocupação estatal de tutelar (preservar) e valorizar o trabalhador. Nesse sentido, um grande número de normas do Direito do Trabalho que formam o conteúdo contrato de trabalho ainda traduzem esse princípio da proteção. Como exemplo, poder-se-ia citar a norma do artigo 468 da CLT, que veda a modificação lesiva ao trabalhador do contrato de trabalho, de modo a preservar com um mínimo de dignidade o trabalhador na relação de emprego158 O mesmo ocorre com a grande maioria das normas justrabalhistas consolidadas a partir da lógica tutelar do trabalhador que incidem e moldam o contrato de trabalho.

Assim, sendo o contrato de trabalho basicamente formado pelas normas de Direito do Trabalho - em que há pequena margem para a negociação entre os particulares no plano individual - é possível identificar-se a lógica própria dos princípios em seu conteúdo. Em outras palavras, o contrato de trabalho, na perspectiva regulatória tutelar do trabalhador característica no capitalismo organizado, é, em regra, voltado a proteger o trabalhador e garantir a sua melhoria ou progressão social, de duração indeterminada, com conteúdo informado predominantemente por normas que estabelecem direitos irrenunciáveis, ditado mais pelo que ocorre de fato pelo que está registrado em documentos, e que veda a modificabilidade lesiva ou a redução da contraprestação salarial159.

Pelo Direito do Trabalho brasileiro consolidado, estabeleceu-se, em regra, como um contrato individual de trabalho, o ato de uma pessoa física prestar serviço de natureza não eventual, subordinada e mediante salário para uma empresa individual ou coletiva que, ao assumir os riscos da atividade econômica, assalaria e

158

“Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho, só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.”

159 Respectivamente, os princípios da proteção, da continuidade, da irrenunciabilidade, da primazia da realidade, e da irredutibilidade salarial.

dirige a prestação pessoal do serviço.160 A partir de então, o Direito do Trabalho incorporou, por intermédio da concepção de contrato de trabalho standard, a racionalização normativa (jurídico-estatal) da relação de trabalho nos moldes da fase capitalista organizada ou pactuai, consagrando como conteúdo contratual da relação, sob a forma de direitos, pelo menos três valores vinculados ao bem estar do trabalhador.161 O quadro a seguir explica esta construção:

ESTRUTURA IMORMATIVO-ESTATAL DE TUTELA DO TRABALHADOR

No documento Direito do trabalho em perspectiva : (páginas 83-87)