• Nenhum resultado encontrado

A nova regulação da relação de trabalho no Brasil

No documento Direito do trabalho em perspectiva : (páginas 152-157)

A DESCARACTERIZAÇÃO DA REGULAÇÃO TUTELAR DO TRABALHADOR

Fins 1 Desregulam entação e re-regulam entação

4.2.2. A nova regulação da relação de trabalho no Brasil

Primeiro: desmantelamento dos mecanismos de proteção ao caráter indeterminado do contrato de trabalho. Nesse sentido, há, inicialmente, o fim da estabilidade decenal do emprego, primeiro com a adoção do regime “optativo” entre esta e o FGTS e depois com o fim do regime da estabilidade a partir da Constituição Federal de 1988. Posteriormente, há a desistência de incorporar ao ordenamento jurídico brasileiro a Convenção n. 158 da OIT, que dispunha sobre o término da

relação de trabalho por iniciativa do empregador327.

Segundo: ampliação das hipóteses legais de constituição de contratos de trabalho com prazo determinado e em tempo parcial (com redução salarial proporcional328), com o advento da Lei 9.601 de 21 de janeiro de 1998 e da Medida Provisória 1.879-12 de 29 de junho de 1999. Com o primeiro diploma legal, a contratação a prazo deixou de caracterizar-se como medida excepcional a ser realizada no plano individual, onde prevalece a lógica tutelar, e passou a constituir- se em uma alternativa não excepcional de contratação no plano coletivo, onde a lógica tutelar, em função das condições sindicais brasileiras, se faz pouco ou menos presente. A contratação por intermédio da nova lei, frise-se, não está condicionada a hipóteses de excepcionalidade da natureza laborai (qualitativa)329, ou mesmo a qualquer medida protetiva de rescisão antecipada preestabelecida. 330

Com relação ao valor jurídico sobrevivência do trabalhador, a proteção à remuneração no contrato de trabalho também não mais se faz de forma imperativa. Inicialmente, pelo fato de a Constituição Federal de 1988 ter relativizado o princípio

327 Sobre os sistem as de proteção contra a despedida arbitrária nos países capitalistas, e o ato de denúncia da Convenção 158 da OIT pelo Brasil, vide SOUZA, Sérgio Alberto de. Direito,

G lobalização e Barbárie. São Paulo: LTr, 1998, p. 47-65.

328 O artigo 1o da Medida Provisória 1.879-12/99 acrescenta o artigo 58-A à CLT, com a seguinte redação: “Art. 58-A. Considera-se trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a vinte e cinco horas semanais. Parágrafo primeiro: O salário a ser pago aos empregados sob o regime de tempo parcial será proporcional à sua jornada, em relação aos empregados que cumprem, nas mesmas funções, tempo integral. Parágrafo 2 ° : Para os atuais empregados, a adoção do regime de tempo parcial será feita mediante opção

manifestada perante a empresa, na forma prevista em instrumento decorrente de negociação coletiva.” 329

“A admissão de trabalhadores, pelo novo regime legal, poderá ser feita mesmo para realização de

atividades permanentes, ligadas à finalidade principal do empreendimento. (...) Não importa a atividade a

ser desenvolvida pelo empregado. Importa apenas o número de empregados na empresa, de que se tira o limite para a celebração de novos contratos por prazo determinado.” MALLET, Estêvão. O Novo Contrato de Trabalho por Prazo Determinado. Revista do TRT da 9a Região, Curitiba, v. 23, n. 01, jan./jun. 1998, p. 129-130. Grifos nossos.

330 Prova disto é a inaplicabilidade da multa pela rescisão antecipada do contrato disposta no artigo 479 da CLT, ou a inaplicabilidade do artigo 451do mesmo diploma legal, determinadas, respectivam ente, pelo artigo 1o , parágrafo 1o, inciso I e parágrafo 2o da Lei 9.601/98.

da irredutibilidade salarial. Posteriormente, pelo fato da institucionalização do “banco de horas” ter flexibilizado o direito ao pagamento ao adicional de 50% sobre as horas de trabalho extraordinariamente prestadas331.

Ainda com relação à remuneração, é preciso lembrar que os novos paradigmas de produção possibilitam índices de produtividade elevadíssimos, que cada vez menos traduzem-se em empregos ou em aumento salarial. A distância que caracteriza o trabalho excedente do trabalho necessário cada vez aumenta mais, refletindo uma quase imperceptível apropriação pelo capitalista daquilo que poderia traduzir-se em ganho pecuniário do trabalhador ou mesmo em distribuição de renda (meta-princípio da progressão social) se o direito à participação nos lucros fosse efetivo no Brasil332. Se entender-se que a quebra no valor sobrevivência não se faz apenas no aspecto quantitativo, mas também qualitativo, a atual estrutura de relação de emprego deforma cada vez mais a existência deste princípio.

A garantia da qualidade de vida do trabalhador também começa a ser relativizada. O direito a uma jornada de trabalho máxima é um exemplo desse processo. O “banco de horas” instituiu um novo regime de jornada. Antes deste, o trabalhador tinha o direito legalmente estabelecido a uma jornada de trabalho de 8

horas. Embora a própria lei estabelecesse artifícios jurídicos que permitissem o aumento da jornada para até dez horas, ou, em casos excepcionais, 1 2 horas, este não se fazia sem um adicional de remuneração de no mínimo 50% sobre o salário do trabalhador, ou a compensação durante o horário normal da semana.

Atualmente, dito adicional não será devido caso haja a compensação durante o prazo de um ano, permitindo ao empregador maior maleabilidade para “jogar” com a limitação de jornada sem a correspondente contraprestação imediata pelo excedente trabalhado. Se antes, portanto, o empregado tinha o direito a uma jornada de no máximo 8 horas, sendo o excedente medida excepcional (ao menos em tese), agora tem direito a uma jornada que, na média anual, não ultrapasse 44 horas semanais, ampliando a base temporal para a fixação do tempo de trabalho.

331 Vide novo parágrafo 3° do artigo 59 da CLT.

Esses fenômenos caracterizam com alguma clareza a lógica do processo de flexibilização do Direito do Trabalho brasileiro. Em nome da necessidade de se preservar prioritariamente o Capital, proporciona-se à empresa maior liberdade de contratar e despedir, sob um discurso de que os mecanismos de proteção do contrato de trabalho acabam por agravar o quadro de desemprego que assola o mundo do trabalho nos dias de hoje. No entanto, esta lógica mascara o fato de que esta espécie de flexibilidade apenas aumenta a rotatividade da mão-de-obra ou flexibiliza a jornada de trabalho e não aumenta o número de postos de trabalho. O quadro a seguir demonstra com alguma clareza a nova lógica de regulação social que se consolida no Brasil, consoante com a lógica do capitalismo desorganizado:

TU TE LA DA ESTRUTURA DO ESTADO MÍNIMO |

I

EXC LU SÃO ! S O C IA L l

ZO N A DE IN C LU S Ã O i ZONA TRANSITÓRIA ENTRE IN S T Á V E L NO M E R C A D O i INCLUSÃO TEMPORÁRIA E D E TR A B A LH O i EXCLUSÃO PERMANENTE DO i MERCADO DE TRABALHO i ZONA DE " EXCLUSÃO | DO 1 M ERCADO | DE 1 TRABALHO | ZO NA DE EXC LU SÃO P ER M A N E N ­ TE Trabalhado-i T ra b a lh a d o - i Trabalhadores com relação de

res i re s c a ra c te riz a i trabalho precária (com contrato de autônomos, i d o s p o r u m i trabalho por prazo determinado, a eventuais e i c o n tra to de i tem po parcial, etc.)

avulsos i tra b a lh o típ ic o i ' Não | trabalhadores 1 tra b a lh a d o ­ res e x c lu íd o s (sem p e rs p e c tiv a de em p re g o ) Regulação • pelo i ||

Direito ■ T u te la d o D ire ito d o T ra b a lh o a p a r tir da n o va Civil ou • ló g ic a fle x íb iliz a n te

por i legislação ■ específica i _ . ---1--- ... . Tutela por outros ramos | do Direito Social 1 T u te la ju r íd ic a p re c á ria o u in e x is te n te (su b o u in fra c la s s e s s o c ia is )

Como se observa a partir do quadro acima, a região que antes representava as pessoas incluídas no mercado de trabalho333 passou a representar uma zona de instabilidade. Em função do próprio processo de desestruturação do Estado social, aqueles que ainda conseguem alguma forma de inserção no mercado de trabalho atingem essa condição por intermédio de um contrato de trabalho que dispensa

Vide quadro na pagina 71

garantias eficazes contra despedidas arbitrárias (portanto, tendem, em sua grande maioria, a se estabelecer na zona de exclusão permanente).

Paralelamente, criou-se uma zona transitória de inclusão temporária (igualmente instável), mas que tem como cerne a rotatividade entre a zona de inclusão instável e a de exclusão permanente. Esta zona é formada por um grande contingente de trabalhadores que apenas consegue ingresso no mercado de trabalho em períodos de pico de produção. No entanto, como são períodos sazonais, estes trabalhadores tendem, em sua grande maioria, a ser excluídos do mercado de trabalho.

Por último, observa-se que o contexto de exclusão do mercado de trabalho vem se traduzindo em um contexto de exclusão social. Há um processo de debilitamento de políticas públicas sustentadas na noção de capital social e, assim, uma grande parcela de pessoas não consegue nenhuma forma de inserção social. Agravando ainda mais esta situação, observa-se que o contingente de pessoas não inseridas no mercado de trabalho tende a crescer (desemprego), uma vez que há um crescente processo de repulsão dos trabalhadores anteriormente inseridos no mercado de trabalho. Este contingente é formado em grande parte pelas chamadas infra ou subclasses sociais, ou seja, pessoas que, embora se voltem para a inclusão no mercado de trabalho, não apenas não o conseguem, como também são desassistidos pelo Estado.

Assim, em última análise, há a degradação da condição cidadã do trabalhador e o incremento de um processo de exclusão social, tudo isso em função da consolidação de práticas que buscam exclusivamente a preservação da lógica da acumulação no capitalismo desorganizado. Esse processo revela uma dissociação entre qualquer planejamento racional jurídico-político de ideais democráticos tal como se podia observar, mesmo que precariamente no caso brasileiro, na construção “organizada” da fase capitalista precedente e na consolidação do Direito do Trabalho tutelar.334

334

A adaptação normativa que esta em curso (...) e um processo ao mesmo tempo planejado e espontâneo;

espontâneo, no sentido de que o Direito em elaboração não parte de modelos ideais, cujas realizações passem a

ser determinadas pela norma. Ou seja, a carga normativa possível de ser implementada pelo Estado não desenha qualquer ‘utopia’, qualquer futuro pensado, não pretende, como em todo o direito iluminista, afirmar na prática

No documento Direito do trabalho em perspectiva : (páginas 152-157)