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O Direito do Trabalho brasileiro como regulação estatal tutelar do Trabalhador

No documento Direito do trabalho em perspectiva : (páginas 41-44)

55 FERREIRA, N Teves Cidadania, p 202 56 FERREIRA, N Teves Idem, p 205.

1.4. O Direito do Trabalho brasileiro como regulação estatal tutelar do Trabalhador

A consolidação da legislação trabalhista no Brasil não se deu da mesma forma que em alguns dos países centrais no cenário capitalista mundial, tais como Inglaterra e França. Nestes, os Direitos Trabalhistas foram conquistados a partir das lutas dos trabalhadores que, organizados, fizeram-se representar no Poder Público por partidos políticos e consolidaram, via legislação estatal, uma regulação protetiva do Trabalho. No Brasil, os Direitos Trabalhistas deram-se predominantemente por concessão estatal, sem a participação ativa dos trabalhadores (ou com pouca participação ativa), em um período em que a luta de classes caracterizava-se como

71 Vide SIQ UEIRA NETO, José Francisco. Direito do Trabalho e Flexibilização no Brasil. São

prejudicial ao processo de transição para a era capitalista, e, portanto, foi incorporada pelo Estado.

No processo histórico de consolidação de direitos dos trabalhadores, seja no nível internacional, seja no nível nacional, é extremamente difícil estabelecer até onde se apresentam os valores humanísticos de proteção da classe trabalhadora e até onde se apresentam os valores individualistas típicos da era capitalista que concebem os Direitos Trabalhistas como concessão burguesa por interesse próprio na estruturação capitalista e no fim da luta de classes. Mesmo no Brasil, onde aparentemente prepondera este segundo elemento, não se pode esvaziar completamente o primeiro. Em que pese ter sido o processo de consolidação dos Direitos Trabalhistas implementado sem participação ativa das massas trabalhadoras, não se pode negar que o mesmo estabeleceu um limite de exploração do operariado, sem dúvidas superior à época em que não haviam se cristalizado tais direitos.

Essa idéia é essencial para se compreender o Direito do Trabalho como uma forma de regulação tutelar do trabalhador. Visa, mesmo que não exclusivamente, estabelecer um patamar máximo de exploração da classe trabalhadora. Sendo um Direito próprio da era capitalista, e que incide diretamente sobre o processo de criação de valor no sistema produtivo capitalista, mais dele não se poderia esperar. A discussão, portanto, no que se refere ao Direito do Trabalho, gira em torno não apenas da exploração da classe trabalhadora, mas também dos limites de exploração aceitos pelos interesses hegemônicos de uma determinada sociedade, assim como pelo contexto sócio-político-econômico em um determinado período histórico. Devido a uma composição específica entre estes dois fatores, o capitalismo organizado restringiu a exploração da classe trabalhadora aos limites de uma regulação tutelar, movimento que se percebe a partir de um grande pacto de classes firmado, como se verá a seguir.

1.4.1. Pacto de classes no capitalismo organizado e regulação tutelar do trabalhador

Como visto, o Direito do Trabalho surgiu no período de desenvolvimento capitalista denominado capitalismo organizado. A partir da concepção de uma sociedade classista e da nova atuação do Estado, acabou-se por fazer vingar um novo ramo do Direito voltado basicamente para um caráter tutelar do trabalhador. Assim, a lógica jurídica de tutela à relação de trabalho deixou de ser a lógica de proteção à liberdade individual do Direito Civil - cega às desigualdades de classe - e passou a ser a da proteção e do bem estar da classe trabalhadora.

Diz-se capitalismo organizado, uma vez que procurou, por intermédio estatal, organizar a composição de classes sociais de forma a conciliar, ao menos minimamente, interesses em princípio antagônicos como os do Capital e os do Trabalho.72 Nesse período, o sistema capitalista sofreu uma reconfiguração, em que o Capital, em constante expansão principalmente em sua face industrial, sentiu a necessidade de agregar novos mercados para satisfazer sua necessidade de acumulação e de concentração, o que implicava, entre outros aspectos, na busca de maior legitimação ao sistema. Por sua vez, com a expansão do capital industrial, houve igualmente a expansão e a organização dos trabalhadores/operários e de suas reivindicações, bem como a sua tradução político-partidária. Com isso, houve o acesso ao poder estatal (meio regulador por excelência na Modernidade e, portanto, tido como veículo emancipatório) de grupos até então marginalizados e, portanto, oprimidos. Esse acesso deu-se via movimento operário73 e, a partir da configuração sócio-político-econômica do período, houve a sedimentação do capitalismo organizado e a reestruturação da regulação social que compôs o conjunto legislativo deste período.

72 Cf. OFFE, Claus. A Democracia Partidária Competitiva e o Welfare State Keynesiano: fatores de estabilidade e desorganização. D ados - R evista de C iê n cia s S o cia is, Rio de Janeiro, v. 26, n. 01, 1983, p. 41-51; e SANTOS, Boaventura de Souza. O E stado e S o ciedad e em P o rtu g a l (1974-1988). Porto: Afrontam ento, 1990, p. 193-212.

73 SINGER define o movimento operário como “(...) conjunto de instituições - sindicatos, cooperativas e partidos - cujos membros provêm predominantemente da classe operária. A força do movimento operário se origina das conquistas obtidas e constitui a base para novas lutas pela previdência social, assistência à saúde, habitação popular, educação pública universal gratuita e assim por diante.” SINGER, Paul. Op. cit., p. 72-73.

Como se pode apreender, portanto, capitalismo organizado é marcado - ao menos no centro do sistema capitalista - pelo reconhecimento social de interesses dos trabalhadores, grupo até então excluído. Em função deste reconhecimento, acabou por se afirmar, neste período, um grande pacto sócio-político-econômico (enquanto metáfora jurídico-política) firmado entre os atores Capital, Trabalho e Estado. A partir deste pacto, cada um destes atores passaria a desempenhar um papel específico no contexto social, tendo em vista o desenvolvimento do sistema. Este desenvolvimento, por sua vez, uma vez atingido, teria seus frutos repartidos entre os atores figurantes no grande pacto, repartição esta que levaria em conta os interesses de cada um, assim como sua posição e atuação no pacto. O quadro a seguir esquematiza as bases deste grande pacto:

No documento Direito do trabalho em perspectiva : (páginas 41-44)