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Crise do fordismo e ascensão dos paradigmas de organização produtiva “flexíveis”

No documento Direito do trabalho em perspectiva : (páginas 92-96)

O COLAPSO DO PACTO DE ORGANIZAÇÃO JURÍDICO SOCIAL

3.1. Crise do fordismo e ascensão dos paradigmas de organização produtiva “flexíveis”

No primeiro capítulo, viu-se que o Direito do Trabalho é o ramo jurídico voltado para a regulação da inserção de um determinado trabalho humano no processo produtivo, em um determinado período capitalista. Com a junção do fator surgimento do trabalho produtivo, livremente prestado, por conta alheia, de forma não eventual e subordinada - próprio da era capitalista - e do fator configuração do capitalismo organizado, surge o Direito do Trabalho com sua lógica tutelar do trabalhador. Lógica esta representada nos seus princípios, em especial o mega-princípio da tutela, e na configuração jurídica do contrato de trabalho, tal como visto no segundo capítulo.

Viu-se, também, que o capitalismo tem uma configuração dinâmica que se revela nos seus diferentes estágios de desenvolvimento. No primeiro desses estágios - o capitalismo liberal - a inserção do trabalho humano no processo produtivo era regulada basicamente por uma adaptação da lógica do Direito Civil burguês às relações inerentes ao mundo do trabalho, que, por sua vez, findou em conseqüências adversas aos trabalhadores. Já no segundo destes estágios - o capitalismo organizado - deu-se o surgimento do Direito do Trabalho.

Atualmente, apresenta-se uma nova configuração do sistema capitalista, ou um novo estágio de desenvolvimento. É o período do capitalismo desorganizado. Com ele, observa-se uma gradativa quebra na lógica tutelar de regulação da inserção do trabalhador no processo de produção, uma vez que este mesmo se reconfigura. Assim, a regulação tutelar parece perder seu suporte, uma vez que não encontra mais na organização produtiva a perspectiva de inserção estável e plena do trabalhador.

Na história do capitalismo, embora haja distintos períodos de desenvolvimento, sempre um elemento constante: a exploração da força de trabalho. Esta, como visto a partir das idéias de Marx, constitui-se em um elemento nuclear na dinâmica produtiva capitalista.

No entanto, embora o elemento exploração seja constante, pode-se visualizar transformações no modo ou paradigma de produção de mercadorias: a estrutura na qual o trabalhador se insere se transforma. Em outras palavras, embora seja constante na dinâmica capitalista a exploração da força de trabalho, a partir de sua inserção no processo produtivo, este processo propriamente dito sofre reformulações, fenômeno em muito explicado em função das configurações cíclicas inerentes ao sistema capitalista.

O capitalismo organizado consolidou o paradigma da organização de produção fordista/taylorista como base estrutural do grande pacto social firmado entre Capital, Trabalho e Estado. Segundo LARANGEIRA, fordismo é “(...) um modelo/tipo de produção, baseado em inovações técnicas e organizacionais que se articulam tendo em vista a produção e o consumo em massa”, que se caracteriza na drástica separação entre o planejamento (concepção) e a execução da produção. Em função disso, baseia-se no trabalho fragmentado e simplificado, com ciclos de operação curtos, o que requer pouco tempo para a formação e treinamento dos trabalhadores. Fundamenta-se na linha de montagem acoplada à esteira rolante, o que evita o deslocamento dos trabalhadores e mantém um fluxo contínuo e progressivo de peças e partes que comporão o produto final, permitindo, assim, a redução da porosidadeu: do tempo de trabalho. “O trabalho, nessas condições, torna-se repetitivo, parcelado e monótono, sendo sua velocidade e ritmo estabelecidos independentemente do trabalhador, que o executa através de uma rígida disciplina. O trabalhador perde suas qualificações, as quais são incorporadas à

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maquina.

Já taylorismo, segundo CATTANI, “(...) é uma estratégia patronal de gestão organização do processo de trabalho e, juntamente com o fordismo, integra a Organização Científica do Trabalho. Conjugado à utilização intensiva da maquinaria, sua ênfase é no

171 Ou seja, dim inuem os lapsos de tem po nos quais os trabalhadores ficam ociosos.

172 LARANGEIRA, Sônia. Fordismo e Pós-fordismo. In CATTANI, Antonio David (org.). Trabalho e

Tecnologia - Dicionário Crítico. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes; Porto Alegre: UFRGS, 1997, p. 89-90.

AN TU N ES observa no paradigma de produção fordista “(...) a forma pela qual a indústria e o processo de trabalho consolidaram-se ao longo deste século, cujos elementos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através de linlia de montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e movimentos pelo cronômetro fordista e produção em série taylorista; pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das funções; pela separação entre elaboração e execução no processo de trabalho; pela existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição/consolidação do operário-massa. do trabalhador coletivo fabril, entre outras dimensões.” ANTUNES, R.. Adeus ao Trabalho?, p.17. Grifado no original. Ressalte-se, apenas o equívoco do autor em atribuir o cronômetro ao fordism o e a linha de m ontagem ao taylorism o; na realidade, o contrário ocorre.

controle e na disciplina fabris, com vista à eliminação da autonomia dos produtores diretos e 1 7? do tempo ocioso como forma de se assegurarem aumentos na produtividade do trabalho.”

Embora fenômenos distintos174, fordismo e tayiorismo marcam conjuntamente o paradigma de estruturação produtiva do início do século XX até os anos 1970, aproximadamente. São estratégias de organização com um fim semelhante - a otimização do processo produtivo, voltado para a produção em massa - e, por isso, são referidos simultaneamente e utilizados, não raro, indistintamente.

A consolidação do paradigma fordista de produção eqüivaleu a um esforço de “criar” um novo tipo de trabalhador e de homem, enfim, um novo tipo de sociedade. A racionalização da produção em seus moldes, baseada na separação entre execução/planejamento/meios de produção, demandou, entre outros aspectos, um novo tipo de controle sobre a produção, uma nova forma de regulamentação sobre a produção e reprodução do sistema. A produção em massa típica do fordismo somente se sustentaria em uma sociedade de consumo de massa, com trabalhadores “integrados” o suficiente para abrirem mão de seus conhecimentos tradicionais, bem como providos suficientemente de condições de consumo e do que consumir.

Assim, juntamente com a consolidação das teses keynesianas e do Estado de Bem Estar, solidificou-se a dinâmica produtiva base do capitalismo organizado: o Capital encontrou condições de desenvolvimento (via produção/acumulação fordista) relativamente estável; o movimento operário abandonou ideais revolucionários para se integrar ao sistema de produção (estruturado em padrões rígidos suficientes, em tese, para abranger esta integração), direcionando suas reivindicações no sentido de adquirir melhorias salariais e de condições de trabalho (reivindicações intra- sistêmicas); e o Estado complementou e gerenciou este pacto social, bancando,

173 CATTANI, Antônio David. Tayiorismo. In CATTANI, Antonio David (org.). Trabalho e

Tecnologia - Dicionário Crítico. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes; Porto Alegre: UFRGS, 1997, p. 247.

174 “É preciso destacar-se que fordismo não se confunde com tayiorismo. Trata-se de processos de trabalho com traços particulares, que podem, no entanto, encontrar-se juntos numa mesma empresa. O Tayiorismo caracteriza-se pela intensificação do trabalho através de sua racionalização científica (estudos dos tempos e movimentos na execução de uma tarefa), tendo como objetivo eliminar os movimentos inúteis através da utilização de instrumentos de trabalho mais adaptados à tarefa. O fordismo é uma estratégia mais abrangente de organização da produção, que envolve extensa mecanização, com ouso de máquinas-ferramentas especializadas, linha de montagem e de esteira rolante e crescente divisão do trabalho.” LARANGEIRA, Sônia. Fordismo e Pós-fordism o. In CATTANI, Antonio David (org.). Trabalho e Tecnologia, p. 91.

muitas vezes, as condições para acumulação do Capital e para a reprodução do Trabalho (capital social). Daí a relação entre o regime/forma de acumulação capitalista e o modo de regulamentação sócio-político-cultural a ela associada. Daí, mais especificamente, o papel do Estado de Bem Estar Social - com toda a sua carga política, psicológica e cultural - preocupado em integrar os trabalhadores no sistema (Estado pactuai ou cooperativo), de modo a garantir sustentação e sobrevivência de ambos (dos trabalhadores e do próprio sistema).

A partir da década de 1970, o fordismo entrou em crise. Foi um período de crise global de acumulação capitalista, evidenciada na saturação do seu paradigma de produção. Com a intensificação da crise, a própria sobrevivência do sistema passou a depender da reestruturação e da intensificação do controle sobre o Trabalho. Assim, iniciou-se um quadro de reestruturação produtiva na tentativa de garantir a reversão do quadro crítico do sistema. Nesse processo, o pacto de integração/cooperação entre Capital, Trabalho e Estado, firmado no capitalismo organizado, foi sendo gradativamente denunciado, resultando na desintegração do Trabalho e, conseqüentemente, de sua regulação tutelar.

Ocorre que a estrutura de produção fordista não foi capaz de eliminar as contradições inerentes ao sistema capitalista. Como grande dificuldade deste processo, que culmina com a sua exaustão, aponta-se a mesma característica que o consagrou estrategicamente no grande pacto de classes: a rigidez. Segundo HARVEY:

“Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa que impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariantes. Havia problemas de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho (...). E toda tentativa de superar esses problemas de rigidez encontrava a força aparentemente invencível do poder profundamente entrincheirado da classe trabalhadora

Assim, tem-se que o núcleo essencial do fordismo manteve-se hegemônico até 1973, baseado na produção em massa. Até este período, os padrões de vida para a população trabalhadora dos países capitalistas centrais mantiveram relativa estabilidade e os lucros empresariais perfizeram-se igualmente estáveis. Porém, após a recessão instalada a partir de 1973, houve o início de uma transição no

175 HARVEY, David. Condição Pós-Moderna - Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudança

interior do processo de produção do capital: começaram a se fortalecer os modelos de produção típicos da acumulação flexível. Dessa forma, aquela composição social identificada no período anterior é completamente desestabilizada, em função da incapacidade dos novos paradigmas flexíveis em sustentá-la, conforme se apreende do quadro explicativo a seguir:

BASE DE PRO DUÇÃO DO CAPITALISMO

No documento Direito do trabalho em perspectiva : (páginas 92-96)