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ESTRUTURA IMORMATIVO-ESTATAL DE TUTELA DO TRABALHADOR (racionalização jurídica da lógica tutelar)

No documento Direito do trabalho em perspectiva : (páginas 87-91)

CARACTERIZAÇÃO TUTELAR DO DIREITO DO TRABALHO

ESTRUTURA IMORMATIVO-ESTATAL DE TUTELA DO TRABALHADOR (racionalização jurídica da lógica tutelar)

Contrato de trabalho s ta n d a rd (legal ou m ínim o)

Instituição jurídica básica de inserção form al no m ercado de trabalho e de

inserção material da lógica tutelar consubstanciada nos princípios de Direito do Trabalho, consagrando com o direitos os seguintes valores:

1) inserção e segurança social - aspecto relacionado

à forma de inserção na relação de trabalho, garantindo proteção contra a despedida imotivada, indeterminação como regra de duração do contrato e direito à seguridade social;

2) sobrevivência - aspecto relacionado ao conteúdo

básico da relação de trabalho - necessidade de renda - garantindo um salário ao trabalhador, com patamar mínimo fixado e garantido por lei, em regra irredutível e protegido;

3) qualidade de vida - aspecto relacionado ao limite da

relação de trabalho para um mínimo de qualidade de vida, limitando de uma jornada de trabalho máxima.

160 Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho, em pregador é “ (...) a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal do serviço."(artigo 2o); empregado é “(...) toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário” (artigo 3o); e o contrato de trabalho é “ (...) o acordo tácito ou expresso correspondente à relação de emprego.” (artigo 442). MAGANO define o contrato de trabalho como “(...) negócio jurídico pelo qual uma pessoa física se obriga, mediante remuneração, a prestar serviços não eventuais a outra pessoa ou entidade, sob direção de qualquer das últimas.” MAGANO, Octávio Bueno. Op. cit., p. 18. DÉLIO MARANHÃO define o contrato de trabalho como “(...) negócio jurídico pelo qual uma pessoa física (empregado) se obriga, mediante o pagamento de uma contraprestação (salário), a prestar trabalho não eventual em proveito de outra pessoa, física ou jurídica (empregador), a quem fica juridicamente subordinada SÜSSEKIND, Arnaldo, MARANHÃO, Délio e VIANNA, Segadas. Instituições

de Direito do Trabalho, v. I, p. 231.

161 Segundo W EBER, a ação racional referente a valores move-se pela crença consciente do(s) sujeito(s) que age(m) no dever em observar valor em mente. Caracteriza-se pela orientação conseqüente e planejada a um fim (o valor), independentemente do resultado alcançado. O Estado, ao elaborar meios (norm atização do contrato standard tutelar) para alcançar a realização do valor que consagrava (dignidade do trabalhador), nada mais fez do que racionalizar um tipo de ação com vistas a um valor consagrado como fim a ser alcançado. Vide W EBER, Max. Econom ia e Sociedade, p. 15- 16.

ao prestador a condição jurídica de trabalhador. Reconhece-se, portanto, na relação de emprego, a principal forma de inserção social do trabalhador e, sendo assim, procura o ordenamento jurídico protegê-la, tornando-a, em regra, indeterminada.

Com relação a este aspecto, destacou-se a consagração de direitos como o da indeterminabilidade do contrato de trabalho, salvo exceções legais plenamente justificáveis em função da natureza do trabalho prestado.162 Esse elemento caracterizador do contrato de trabalho consagrou de forma imediata o princípio geral da continuidade da relação de emprego163 e de forma mediata os meta-princípios de Direito do Trabalho, pois visou preservar a relação de emprego enquanto meio de inserção e de segurança do trabalhador na dinâmica da sociedade do trabalho. A principal norma que o princípio da continuidade da relação de emprego refletia era o artigo 492 da CLT, que estabelecia o regime da estabilidade do empregado na relação de emprego após dez anos de serviço em uma mesma empresa.164

O valor possibilidade de sobrevivência diz respeito ao reconhecimento do salário como principal fonte de composição de renda do trabalhador. Visa a garantia de um salário com patamar mínimo fixado e garantido por lei, em regra irredutível e protegido. Destacava-se aqui o fato da regulação inspirada sob a lógica tutelar ter consagrado a idéia de que o pactuado em um contrato de trabalho não poderia ser modificado de forma lesiva ao empregado. O salário, uma vez fixado, não poderia

162 Até o advento da Lei 9.601 de 21 de janeiro de 1998, as exceções à indeterm inabilidade do contrato de trabalho eram as seguintes: (a) serviços cuja natureza ou transitoriedade justificassem a predeterm inação do contrato; (b) serviços prestados em atividades em presariais de caráter transitório; (c) serviços prestados em regime de experiência. Vide artigos 443, parágrafos 1o e 2° ; art. 445 caput e parágrafo único da Consolidação das Leis do Trabalho. Ainda, a Lei 6.019 de 03 de janeiro de 1974, regulamentada pelo Decreto 73.841 de 13 de março de 1974, ampliou estas hipóteses com a instituição do chamado trabalho em regime tem porário, definido como “(...)aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços.” (artigo 2o)

163 RODRIGUEZ, após referir que este princípio “(...) expressa a tendência (...) do Direito do Trabalho de atribuir à relação de emprego a mais ampla duração, sob todos os aspectos” e, ainda, que este princípio “( . ) está estabelecido em favor do trabalhador”, recorre a Manuel Alonso Olea para apresentar a seguinte explicação: “O contrato de trabalho é, por assim dizer, um negócio jurídico de extrema vitalidade, de uma grande dureza e resistência em sua duração. (...) O princípio geral do direito contratual de conservação do negócio jurídico, para que este surta todos os seus efeitos, desejados pelas partes e pelo ordenamento jurídico, atua no contrato [de trabalho] com especial intensidade.” PLÁ RODRIGUEZ, A.. Op. cit., p. 140-141.

164 “Art. 492. O empregado que contar com mais de 10 (dez) anos de serviço na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas.”

ser alterado in pejus ao trabalhador, salvo hipóteses excepcionais165. Ainda, consagrava-se um limite mínimo de fixação de remuneração, que, embora insuficiente e muitas vezes não respeitado na prática, traduzia uma intenção normativa de preservação. Esse elemento consolidou imediatamente os princípios da irredutibilidade salarial e, mediatamente, os meta-princípios juslaboristas, na perspectiva de garantir ao trabalhador a possibilidade de sobrevivência no que se refere à obtenção de recursos financeiros por meios próprios.

Por fim, o valor qualidade de vida diz respeito à limitação temporal de prestação de serviços em uma relação de trabalho, de forma que o trabalhador pudesse, em seu cotidiano, destinar horas livres para exercitar atividades outras de caráter variado (lazer, educação, saúde, família, etc.), não necessariamente relacionadas ao seu ofício profissional. Visava coibir que o trabalhador se consubstanciasse em um escravo da atividade produtiva, tal como ocorrera nos primórdios da Revolução Industrial. Com relação a este aspecto, destaca-se aqui o fato de o Direito do Trabalho brasileiro ter consagrado, como regra, a jornada de trabalho limitada á oito horas diárias166. Possibilitou, ainda, um acréscimo de jornada de no máximo mais duas horas para os casos de trabalho suplementar ("hora extra")167. Nesse caso, o trabalhador deveria receber uma remuneração complementar de, no mínimo, 50 % sobre o valor da hora de trabalho normal168. Aqui observa-se igualmente que a excepcionalidade da norma foi derrogada pela prática, mas ao menos traduzia alguma intencionalidade normativa de limitação. Mais excepcional ainda, era a possibilidade da jornada atingir até doze horas diárias, igualmente com a devida contraprestação salarial (salvo se o horário extraordinário

165 Até o advento da Constituição Federal de 1988, a redução dos salários apenas era permitida em casos excepcionais, como na hipótese do artigo 503 da CLT, a saber: “É lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região.” A definição do que se entende por força m aior consta no artigo 501 do mesmo diploma: “Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual não este concorreu, direta ou indiretamente.”

166 Artigo 58 da CLT: “A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.”

167 Artigo 59 da CLT: “A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho."

168 Parágrafo 1o do artigo 59 da CLT: “Do acordo ou do contrato coletivo deverá constar, obrigatoriamente, a importância da remuneração da hora suplementar, que será, pelo menos, 50% (cinqüenta por cento) superior à da hora normal.”

fosse motivado por força maior, até 1988169), mantendo-se, portanto, como regra, o limite de oito horas170. Ao fixar patamares máximos de prestação diária de trabalho, a norma trabalhista buscou garantir ao trabalhador destinar parte de seu tempo para atividades que lhe completassem, e assim, possibilitar um mínimo de qualidade na sua vida, ampliando o direito de sobrevivência para o direito a uma vivência digna e, assim, igualmente consagrando os meta-princípios juslaboristas.

E assim, consagrou-se no modelo de contrato individual de trabalho brasileiro a lógica tutelar do trabalhador. No entanto, nos últimos anos, pode-se visualizar algumas medidas - legislativas ou não - que descaracterizam este modelo de contrato de trabalho tutelar do trabalhador consagrado no Direito do Trabalho. Embora muitas de suas características ainda se façam presentes, instituto contrato individual de trabalho standard já começa a apresentar deformações na lógica tutelar que, em última análise, refletem uma quebra dessa concepção consagrada pelos princípios do Direito do Trabalho. Sobre este processo desconstituidor da lógica tutelar do contrato individual de trabalho (e no Direito do Trabalho), versarão os próximos capítulos.

169 A Constituição Federal de 1988 assegurou, no seu art. 7°, inciso XVI, remuneração do serviço extraordinário superior em pelo menos 50% à remuneração serviço ordinário, não fazendo qualquer ressalva com relação à força maior, tal como fazia o art. 61 da CLT. Já VALENTIN CARRION sustenta opinião diversa. Vide Com entários à Consolidação das Leis do Trabalho. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 108.

170 Artigo 61 da CLT: “Ocorrendo necessidade imperiosa, poderá a duração do trabalho exceder do limite legal ou convencionado, seja para fazer face a motivo de força maior, seja para atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto.” Parágrafo 2o: “Nos casos de excesso de horário por motivo de força maior, a remuneração da hora excedente não será inferior à da hora normal. Nos demais casos de excesso previsto neste artigo, a remuneração será, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) superior à da hora normal, e o trabalho não poderá exceder de 12 (doze) horas, desde que a lei não fixe expressamente outro limite.”

O COLAPSO DO PACTO DE ORGANIZAÇÃO JURÍDICO-

No documento Direito do trabalho em perspectiva : (páginas 87-91)