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Alcance do pacto de classes no Brasil

No documento Direito do trabalho em perspectiva : (páginas 48-50)

FUNÇÃO NO PACTO ATORES BENEFICIADOS

1.4.2. Alcance do pacto de classes no Brasil

Como se pôde observar, o capitalismo organizado foi marcado pelo reconhecimento de grupos sociais até então excluídos do grande debate instituinte de direitos: os trabalhadores. A partir deste reconhecimento, ocorreu um profunda reformulação da concepção de Estado: se antes este era concebido de forma abstencionista para garantir o status quo, com o acesso de grupos até então marginalizados, tornou-se veículo mediador de interesses divergentes e essencial na organização sócio-político-econômica do capitalismo.81 Para tanto, o Estado “cresceu”, burocratizou-se e incrementou seu mecanismo legiferante, remodelando- se para um paradigma regulatório de compromisso de classes. Assim, houve uma

81 Ao ponto de BOA VENTURA SANTOS afirm ar que “O Estado Providência, sendo forma política de Estado nas sociedades capitalistas avançadas, não é só por isso um Estado capitalista. Aliás, o Estado Providência é a criação política que até hoje promoveu com mais verossimilhança e dramatismo a imagem da exterioridade e da autonomia da política em relação à economia." SANTOS, B. de Souza. O Estado e a

transformação da racionalidade jurídica82 e, com isto, abriu-se a brecha necessária para a sedimentação do Direito do Trabalho.

Desta nova forma de atuação estatal sobressaiu-se modelo de Bem Estar Social em alguns países centrais (principalmente na Europa). A partir da sua consolidação, houve uma completa reformulação da forma de gestão social pelo Estado, seja através de uma completa reestruturação do mercado de trabalho, seja pela sedimentação de novas formas de intervenção na vida social. Tem-se, assim, que o Estado Social é o grande reflexo do pacto de classes implementado no capitalismo organizado.

Posto isto, questiona-se: como se percebe a influência do grande pacto de classes no Brasil se, neste, o Estado de Bem Estar Social não foi implantado ou, se o foi, apresentou-se de forma ineficaz?

A questão sobre a existência de um Estado de Bem Estar no Brasil suscita muitas polêmicas. Segundo DRAIBE, Estado de Bem Estar é

“(...) no âmbito do Estado Capitalista, uma forma particular de regulação social que se expressa pela transformação das relações entre o Estado e a Economia, entre o Estado e a Sociedade, a um dado momento do desenvolvimento econômico. Tais transformações manifestam-se na emergência de sistemas nacionais, públicos ou estatalmente regulados de educação, saúde, integração e substituição de renda, assistência social e habitação que, a par das políticas de salário e emprego, regulam direta ou indiretamente o volume, as taxas e os comportamentos do emprego e do salário da economia, afetando, portanto, o nível de vida da população trabalhadora. Concretamente, trata-se de processos que, uma vez transformada a própria estrutura do Estado, expressam-se na organização e produção de bens e serviços coletivos, na montagem de esquemas de transferências sociais, na interferência pública sobre a estrutura de oportunidades de acesso a bens e serviços públicos e privados e, finalmente, na regulação da produção e distribuição de bens e serviços sociais privados.” 83

A partir desta definição, DRAIBE visualiza a existência de uma estrutura próxima a de bem estar no Estado brasileiro. Conforme a autora, entre os anos 1930 e 1970 houve a sua construção e consolidação no Brasil. Entre 1930 e 1943, houve principalmente a institucionalização de uma legislação trabalhista e previdenciária. Já entre os anos 1945 e 1964, houve a institucionalização de uma legislação relativa à saúde, à educação, à habitação popular e à assistência social e, com isto, a expansão de um sistema típico de proteção social, embora ainda apresentando-se

82 Refiro-m e, m ais especificam ente, ao surgimento de novos ramos jurídicos que com põem o que alguns juristas denom inam direito social, que colocaram em crise a clássica dicotom ia entre direito público e direito privado.

de forma fragmentada e socialmente seletiva. Por fim, entre 1964 e meados de 1970, nota-se a organização de sistemas nacionais públicos nas áreas de bens ou serviços sociais básicos institucionalizados no período anterior.84

Em posição contrária, ARGÜELLO nega a existência de um Estado de Bem Estar Social no Brasil. Segundo a autora, Draibe não leva em conta, na sua análise, “o processo histórico de democracia e de Estado” brasileiro, o que comprometeria a existência de um modelo de Estado como o de Bem Estar Social aqui no Brasil. Conforme argumenta ARGÜELLO,

“Foi com a organização trabalhadora na luta por direitos sociais, por melhores condições materiais de existência, de cidadania, enfim, que emergiu o Welfare State nas democracias capitalistas avançadas. No caso do Brasil, é incongruente afirmar a existência de um modelo de Welfare State, mesmo que residual. Seria otimismo demais ou cegueira, o que, afinal, resulta na mesma. Não temos condições políticas, econômicas, culturais ou sociais suficientes para nos convencer do contrário. Nessas horas, é sempre conveniente recorrer às estatísticas: nossa distribuição de renda é pior do que a de Botsuana, um dos países mais atrasados da África, onde os 20% mais ricos ganham 27,3% vezes mais do que os 20% mais pobres; 0,8% da renda está nas mãos dos 10% mais ricos; Hoje, o setor financeiro já é dono de 15% do PIB brasileiro, fato inexistente em todo o mundo; temos 32 milhões de miseráveis famintos, enquanto 24 milhões de toneladas de grãos são desperdiçadas por ano, cujo prejuízo chega 5,4 bilhões de dólares.”85

Prossegue a autora, afirmando que

“(...) O PRESSUPOSTO DA SOCIAL-DEMOCRACIA É A REALIZAÇÃO DE POLÍTICAS DISTRIBUTIVAS PARA BENEFICIAR OS CIDADÃOS JÁ INTEGRADOS. Há sempre os que continuam marginalizados. Por exemplo, na Alemanha temos os turcos; na Inglaterra, os irlandeses e indianos; na França, os tunisianos e marroquinos. O problema é que, no Brasil, os ‘turcos’, ‘tunisianos’, ‘irlandeses’ constituem aproximadamente metade da população.”86

Apartando-se um pouco desta discussão, o importante a ser ressaltado nesta pesquisa é que a estruturação capitalista no Brasil deu-se de forma retardada e dependente, em um período correspondente, nos países centrais, ao capitalismo organizado. Sendo o processo de implantação do capitalismo no Brasil dependente e subordinado, muitas das instituições capitalistas foram assimiladas (ou até mesmo

No documento Direito do trabalho em perspectiva : (páginas 48-50)