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3.1 O BRINCAR, A LUDICIDADE E A CRIANÇA DA EDUCAÇÃO INFANTIL

3.1.1 A Institucionalização da Educação Infantil

3.1.1.1 A Legislação Brasileira no Atendimento Escolar da Criança Pequena

Historicamente o lugar atribuído à educação da criança pequena na legislação em nosso País sempre foi secundarizado, em prol da educação para as crianças do ensino fundamental, no sentido de atender sempre a um maior número de estudantes.

A população infantil de 0 (zero) a 6 (seis) é mencionada, pela primeira vez, na legislação brasileira na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de nº 4024/1961, no Capítulo I, artigo 23, que anuncia que a educação pré-primária será ministrada em escolas maternais ou jardins de infância a crianças de até sete anos, mas que, segundo Stemmer (2012), não explicita suficientemente de que maneira poderá ocorrer.

Aqui podemos considerar que a educação da criança é legalmente mencionada no cenário educacional. O artigo 24 ressalta que empresas que tenham mães de crianças com menos de sete anos serão estimuladas a oferecer, por conta própria ou com o auxílio do poder público, instituições de educação pré-primária. Para Saviani (2006), a Lei apenas se refere às empresas, mas não há um caráter prescritivo.

Em 1971, a Lei nº 5692/71 regulamentava o ensino básico em ensinos de 1º e 2º graus. Essa Lei refere-se à educação da criança no §2º do artigo 19, ao anunciar que "Os sistemas de ensino velarão para que as crianças de idade inferior a sete anos recebam conveniente educação em escolas maternais, jardins de infância e instituições equivalentes. (BRASIL, 1971). Assim, essa lei desobrigava o Estado do atendimento à criança pequena, uma vez que velar não quer dizer se responsabilizar pelo atendimento educacional da criança menos favorecida.

A não obrigatoriedade de oferta de escola para a criança pequena pelo Estado concorre para a multiplicação de escolas particulares de baixo custo, assim como locais organizados pela população, clubes de mães, paróquias, associação de bairros, ou escolas privadas para o atendimento das crianças socialmente menos favorecidas sem que houvesse por parte do poder público acompanhamento de qualquer ordem.

No final da década de 1980, século passado, o direito da criança a educação e cuidados em espaços formais desde o nascimento é uma realidade que se inscreve a partir da Constituição Federal de 1988, como uma conquista resultante de um processo longo de lutas, transformações sociais e conquistas. Craidy (2001) afirma que o reconhecimento da educação infantil como 1ª etapa da educação infantil implica uma visão de criança como sujeito de direitos.

Para Kramer (2003) a despeito de a legislação assegurar às crianças o direito à educação de qualidade, a realidade nos estados e municípios do nosso País tem revelado que as crianças de camadas menos favorecidas ainda continuam enfrentando dificuldades, das mais diversas ordens, no sentido da negação aos seus direitos.

Em 1990 é promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei Complementar 8.069/90. Esse documento declara ser a criança um sujeito de direitos e como pessoa em desenvolvimento. Bazílio (2003) avalia que até então não se percebem mudanças significativas no atendimento ao direito do jovem e da criança, com o aumento da pobreza, entre outros, a falta de financiamentos e também a necessidade de se revigorarem os Conselhos Tutelares para a defesa do direito da criança e do adolescente.

Conforme vimos, a partir de 1988, com a Constituição Federal e a LDB nº 9394/1996, a situação legal da educação infantil foi definida e concepções de criança como sujeito de direito declaradas, porém o acesso à escola de educação infantil continuou muito abaixo da demanda, especialmente para as crianças de 0 (zero) a 3 (três anos). Entre outros fatores concorrentes, o financiamento não definido causou problemas de várias ordens no tocante ao atendimento da criança na escola, especialmente das crianças de 0 (zero) a 3 (três) anos.

Para Nunes e Corsino (2012), a proposta de uma educação infantil de qualidade inclui uma série de fatores, que vão "[...] das políticas públicas para a infância, a formação de professores; às condições físicas de equipamentos e materiais diversos" (p.04). A educação infantil como um direito constitucional das crianças desde que nascem implica também direitos à sua proteção com relação à negligência, violência, provisão de suas necessidades básicas físico-emocionais, tais como saúde, higiene, alimentação, afeto, curiosidade, entre outras.

Assim, a institucionalização da infância vai sendo reinventada em sua recente trajetória no Brasil, à medida que concepções de criança, de infância e de currículo vão sendo ressignificadas, em meio a lutas pelo direito à educação, em grande parte através de movimentos sociais. Também a produção acadêmica, especialmente os estudos da sociologia da infância, tem sido relevantes, apontando para uma educação infantil que reconheça a criança e a infância em suas especificidades, como categoria social, que, ao longo de sua história, conforme defendem Nunes e Corsino,

[...] tem em suas condições de existência diretamente vinculadas as transformações da vida cotidianas, da estrutura familiar, da escola e da própria mídia, potente instrumento a conferir-lhe significados. Embora sejam múltiplos os tempos de infância e neles coexistam realidades e representações diversas [...] (2012, p.14-15).

Nesse sentido, não existe na contemporaneidade uma ideia de infância, mas de infâncias, em meio à diversidade de tempos, culturas e lugares. Como assevera Kramer (2006), na busca de entender a complexidade da infância e a dimensão criadora das ações infantis, é mister questionar em que medida estamos assegurando espaço e tempo para as crianças produzirem cultura e qual a natureza das propostas curriculares.

Para Kramer (idem), são necessárias políticas públicas que assegurem aos professores uma formação crítica e reflexiva, que os ajude a compreender os significados de sua prática docente e sua relação com as propostas curriculares, e nesse sentido se inscreve o lugar das crianças e do brincar.

No tocante a documentos oficiais orientadores de currículo, destacamos os Referenciais Curriculares Nacionais para a educação infantil- RCNEI (BRASIL, 1998), produzidos pelo MEC, organizados em três volumes e distribuídos para as escolas de educação infantil do País como orientadores das propostas curriculares na educação infantil. Esses documentos foram acompanhados por outro, voltado para a formação do professor de educação infantil: Os Parâmetros em Ação para a Educação Infantil.

Para Kishimoto (2002), esses referenciais, ainda que tenham apresentado uma proposta de orientação à educação das crianças, não conseguiram provocar mudanças nas escolas, em decorrência de tratar-se de uma iniciativa isolada no tocante a medidas estruturadoras necessárias, uma delas, a questão do financiamento.

Também pode ser destacado o estranhamento dos professores pela forma como esses documentos chegaram às instituições, não suscitando inquietude ou sensação de pertencimento.

Com relação à organização curricular da escola, em 1998 são promulgadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, que contemplam o trabalho nas creches com crianças de 0 (zero) a três 3 (anos) e nas pré-escolas, de 4 (quatro) a 6 (seis) anos, para nortear as propostas curriculares e os projetos pedagógicos. Entretanto, mesmo com uma proposta crítica, não incidiu em mudanças pelas questões estruturais.

Em 2001 foi aprovado o Plano Nacional de Educação, que expressa à distribuição e a cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e suas competências, traduzidas no documento em diretrizes, objetivos e metas para dez anos, no tocante à educação infantil, para assegurar à criança o direito à educação.

Em 2006, o MEC apresenta a Política Nacional de Educação infantil e, através da Coordenação Geral de Educação Infantil (COEDI), também os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil, com a finalidade de serem utilizados pelos "sistemas educacionais, por creches, pré-escolas e centros de educação infantil, que promovam a igualdade de oportunidades educacionais e que levem em conta diferenças, diversidades e desigualdades de nosso imenso território e das muitas culturas nele presentes" (BRASIL, 2006a, p.03).

Podemos dizer que a educação infantil tem sido discutida e têm sido apresentadas proposições orientadoras para a melhoria da qualidade da educação infantil, mas os problemas estruturais, como acesso, espaço físico, número de crianças, mobiliário, brinquedos, entre outros, são questões não resolvidas que continuam a representar desafios aos que lutam pela sua efetiva melhoria. Os avanços ainda estão restritos àquilo que propõem, face às condições de precariedade que as escolas de educação infantil ainda enfrentam (STEMER, 2012).

Também em 2006, com a Lei 11.274/06, a educação infantil passa a ter o corte etário de 0 (zero) a 5 (cinco) anos. Altera os artigos 29, 30, 32 e 87 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece a matrícula obrigatória a partir de seis anos.

A partir de 2007, a Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007, regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da

Educação - FUNDEB, integrando à educação infantil crianças de 0 (zero) a 5 (cinco) anos, porém as condições de atendimento das crianças ainda representam um grande desafio, especialmente no âmbito do 0 ( zero) a 3 (três anos). O Custo Aluno Qualidade Inicial- CAQi tem sido motivo de embates, especialmente no tocante às crianças de 0 (zero) a 3 (três anos, uma vez que se torna um instrumento relevante na avaliação das condições básicas a uma educação de qualidade, socialmente referenciada.

Em 2009 as Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação infantil são reformuladas na Resolução nº 5, de 17/12/2009, que fixa as Diretrizes para a educação infantil, concebendo a criança como sujeito histórico e de direitos, que constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia e produz. Esse documento mantém os mesmos princípios éticos, e estéticos, mas percebemos que ressalta as interações e brincadeiras como eixo nas práticas pedagógicas da educação infantil.

Ainda em 2009 é publicado o documento Indicadores da Qualidade na Educação Infantil, elaborado sob a coordenação conjunta do Ministério da Educação, por meio da Secretaria da Educação Básica, da Ação Educativa, da Fundação ORSA, da UNDIME e do UNICEF, constituindo-se em instrumento de autoavaliação da qualidade das instituições de educação infantil, e que chega às escolas, visando a que essas possam apontar como se encontram com relação a aspectos fundamentais para garantir a qualidade da instituição de educação infantil.

O documento propõe a organização de sete grupos a serem constituídos na escola e comunidade para analisar sete aspectos: planejamento institucional; multiplicidade de linguagens e experiências (formas de a criança conhecer e experimentar o mundo e se expressar); interações (espaço coletivo de convivência e respeito); promoção da saúde; espaços, materiais e mobiliários; formação e condições de trabalho dos professores e demais profissionais; relação de troca e cooperação com as famílias e participação na rede de proteção social.

Esses Indicadores estão na escola, que vem fazendo a avaliação a partir do encaminhamento proposto no documento. Podemos dizer que o documento revela concepções de infância, de criança, que nos remetem às postulações de Malaguzzi (1999). O brincar e a ludicidade são aludidos no decorrer do documento, especialmente, como linguagens.

Em 2013 a Lei nº 12.796/13 prescreve a obrigatoriedade para crianças de 4 (quatro) e 5 (cinco) anos na educação infantil (pré-escola), e as redes municipais de ensino têm até 2016 para se adequarem e acolherem as crianças na faixa etária estabelecida. Nesse sentido, ajusta a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDB/96.

Conforme vimos nos documentos oficiais e legais, a educação infantil tem sido objeto de interesse e, de certa maneira, apresenta avanços, porém nos chamam à reflexão pesquisas recentes de Arce e Jacomeli (2012), Stemmer (2012), Alvarenga (2012), entre outras, que ainda continuam a apontar a situação de descaso por parte do poder público com relação ao direito das crianças e dos professores a uma escola de educação infantil de qualidade socialmente referenciada.

No próximo subtópico serão discutidas pedagogias de infância, que ainda continuam a ser referência em escolas de educação infantil nos dias atuais.

3.1.1.2 Pedagogias da Infância na Educação Infantil em suas Perspectivas

Podemos dizer que, segundo Stemmer (2012), “[...] a escola no sentido geral surge com um caráter educacional inspirado no iluminismo e nos princípios de difusão e universalização da educação" (p. 7). Para Lopes e Pereira (2011) "A infância moderna institucionalizou-se de forma articulada e implicada na institucionalização escolar e nos saberes que a sustentaram, designadamente os da psicologia, da sociologia e da pedagogia". (p.84). Assim o caráter assistencialista se configurou como a proposta de educação para as crianças das camadas populares – uma pedagogia que difundia a adaptação e a submissão, a exemplo da roda dos expostos.

Stemmer (2012) afirma que no final do século XIX e início do século XX as propostas de educação para as crianças passam a ser "[...] consideradas modernas e científicas" (p.11), e é nesse período que se dá a difusão das ideias froebelianas como referência pedagógica na educação das crianças pequenas dos poucos jardins de infância existentes no Brasil. As creches e casas de asilo para crianças continuavam a se nortear, conforme vimos, por uma pedagogia assistencialista.

Ainda segundo Stemmer (2012), em 1886 foi criado o 1º jardim de infância público no Brasil, como um anexo da Escola Normal Caetano dos Campos, em São Paulo, mas não atendia às crianças menos favorecidas, apesar de ser pública.

A esse respeito, refletimos que a ideia de escola de educação infantil para poucos, ainda tão presente na realidade de inúmeros municípios brasileiros, nasce naquele momento e ao longo dos anos se fortalece.