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3.1 O BRINCAR, A LUDICIDADE E A CRIANÇA DA EDUCAÇÃO INFANTIL

3.1.2 O Brincar e a Ludicidade na Educação Infantil

3.1.2.4 O Brincar e a Ludicidade nos Estudos Culturais

Destacamos o brincar e a ludicidade nos estudos culturais no âmbito de realidades específicas, no sentido de que nos possibilita refletir sobre aspectos universais nas significações do brincar, que favorecem as crianças de culturas diferentes apropriarem-se da cultura de seu povo, à medida que transitam entre essas culturas, através de interações livres, comunicando-as e revestindo-as de novos significados, pelo acesso ao mundo como um ambiente que é físico e também simbólico, cultural e político, retraduzindo e expressando nos seus grupos de brinquedo, e, assim, trazendo aspectos de sua realidade.

Os estudos aqui referidos contribuem para compreendermos que limites territoriais e sociais são diferenciadores da cultura das suas crianças por caracterizarem os seus jeitos de

viver a infância, nos usos e, em especial, nas significações da ludicidade e do brincar como fenômenos de cultura e mediadores na apropriação da cultura.

O brincar e a ludicidade são ressignificados na literatura específica, também como uma atividade social e cultural, que se materializa de maneira dialética na vida das crianças. A partir das suas inserções na realidade social, em meio a trocas sociais, as crianças aprendem, criam, transformam e ensinam sobre o mundo e sobre si próprias. Borba (2006a), em seu estudo tematizou culturas da infância nos espaços e tempos do brincar, alinhando-se a autores atuais, como Brougère (2004) e Salgado (2010), dentre outros, para declarar que o brincar é um dos pilares das culturas da infância, que ela conceitua como sendo "[…] formas próprias de representação, interpretação e de ação sobre o mundo"(p.2).

Brougère (2001, 2004), discute a influência da mídia na constituição da cultura lúdica e as mudanças que, ao longo de décadas, observa virem ocorrendo, no tocante a quem se destinavam ontem as mensagens da mídia (os pais das crianças), e nos dias atuais, em que o foco da(s) mídia(s) concentra-se na criança. Ressalta influências da mídia televisiva na construção da cultura lúdica das crianças, que se materializa em brincadeiras e brinquedos, e se constitui de elementos propriamente lúdicos e também da vida social mais ampla.

Particularmente, o autor chama a atenção para a influência que o desenho animado exerce nos modos de brincar das crianças, tanto na compra de brinquedos criados a partir da informação da televisão, como na recriação nos grupos de iguais (BROGÈRE, 2004). Essa discussão foi também tratada em estudos culturais de Barbosa (2011), que encontrou influências da mídia televisiva na cultura lúdica contemporânea no grupo de brinquedo das crianças.

Ou seja, o brincar tem uma função estruturante na construção dessa cultura, por ser "[…] uma atividade social significativa que pertence, antes de tudo, à dimensão humana, constituindo, para as crianças, uma forma de ação social importante e nuclear para a construção das suas relações sociais e das formas coletivas e individuais de interpretarem o mundo" (BORBA, 2006a, p.08). A autora observa hierarquias e relações de poder no próprio grupo de brinquedo, uma vez que reproduzem princípios de classificação dos membros do grupo, que influenciam o acesso às brincadeiras, tais como: bonito, feio, mais ou menos competente, maior, menor, mais velho, mais novo, menino, menina, legal, chato, entre outros. Aqui percebemos que, por meio do brincar, tal como vimos em Salgado (2010), Guerra (2009), Teixeira (2009), Barbosa (2011) e Queiroz (2012), em meio a suas especificidades de interesses, concordam que "[...] a cultura do consumo, a tecnologia e a velocidade com que as informações circulam, redefinindo não apenas as relações entre pessoas, mas também uma

nova cultura lúdica [...]" (JOBIM; SOUZA; SALGADO, 2009, p. 207). Nesse âmbito de estudos, Salgado (2010) e Barbosa (2011) apontam a forte influência da TV no sentido de estimular diretamente o desejo das crianças ao consumo na aquisição de brinquedos e nos modos como se organizam socialmente e produzem culturas lúdicas específicas através de valores, saberes e aprendizagens, os quais traduzem os significados que conferem à vida social.

Dentre outros jogos veiculados na TV, o jogo de cartas Yu-gi-oh é apontado por Jobim e Souza e Salgado (2010) como mobilizador do mercado brasileiro, atingindo índices muitos altos na venda de suas cartas e baralhos, constituindo-se como um elemento de forte influência na formação de identidades das crianças.

As autoras destacam a influência que desenhos animados vêm exercendo nos modos de a criança brincar, expressando atitudes de consumo, uma vez que, para poder jogar, a criança teria que ter cartas necessárias, baralhos, bonecos e todos os artefatos relacionados ao desenho animado e ao jogo, como condição de ser aceita e poder jogar.

As pesquisadoras observam também que no grupo de crianças a valorização de objetos de consumo para colecionar significa poder. Ou seja, a criança “desordeira” e “colecionadora” há tempos atrás, observada por Benjamin (1984), hoje continua “colecionadora”, mas se volta, cada vez mais, a objetos de consumo apontados pela mídia, e, assim, o ter mais e mais objetos é um sinal de poder no grupo de brinquedo e, nesse movimento incessante, as crianças vêm construindo suas identidades inculcadas ao ter, e não ao ser.

Salgado (2010) observa crianças em situação de brinquedo e ressalta que as mesmas aparentam identificar-se com aqueles que suscitam um sentimento de poder. Ressalta ainda que não pretendeu estabelecer generalizações de maneira apressada, para dizer que esse jeito de ser ocorre com todas as crianças, mas quer trazer à reflexão a possibilidade de sobrevivência, em um mesmo contexto histórico e cultural e em um mesmo sujeito, desses modos diversos de ser colecionador.

Acreditamos que pesquisas que atentem para esses elementos constituintes e instituintes da cultura lúdica na contemporaneidade avançam, no sentido de pensar na criança real e nos elementos de mediação que, no mundo atual, exercem, de maneira efetiva no dia-a-dia das crianças, influências que repercutem na constituição de novas formas de brincar e suas repercussões naquilo que representa o ser humano na contemporaneidade.

Desse modo, pensar a infância necessariamente requer buscar o contexto cultural em que ela se constitui, a partir do desvelamento dos elementos simbólicos e da maneira como esses são apropriados pelas crianças na composição e dimensão ética, política e cultural que

subjazem às culturas lúdicas, que não são neutras nem desvinculadas da realidade social. O estudo de Salgado (2010) torna visível o que, quanto e de que maneira "[...] as culturas infantis trazem marcas dos tempos e expressam a sociedade nas suas contradições, nos seus extratos e na sua complexidade [...]" (p.14).

Neste sentido, a brincadeira da criança não se caracteriza exclusivamente pela emergência do prazer, mas se define, principalmente, como território de conflitos, de barganhas e negociações, da forma como observou Salgado (2010) nas brincadeiras como estratégias de aproximação que as crianças desenvolvem para fazer amizades, como meio de se inserir nos grupos e participar das brincadeiras. Porém, avaliou que nem sempre seus pares são parceiros, uma vez que, quando existe na relação poder e interesses, surgem rivalidades e exclusões.

Quanto ao brinquedo na sua feição material e/ou simbólica, é objeto de manipulação e de interação e assume, a partir da ação da criança, novo significado, porque é dotado de uma determinada forma, e usado como expressão ou potencialização de temas que, ligados às possibilidades de apreensão da criança pequena, mobilizam e/ou potencializam o desenvolvimento infantil no que concerne à construção de uma cultura lúdica potencializadora de sistemas simbólicos, que as impulsionam na relação que passam a estabelecer com e no mundo (FREITAS, 2005).

As reflexões aqui compartilhadas no diálogo que estabelecemos com autores na discussão do brincar e da ludicidade nos enriqueceram no olhar para esses fenômenos e nos impulsionam a adentrar mais e mais nesta discussão, que se mostra como um campo complexo e fértil.

Vimos que o brincar e a ludicidade requerem da escola e dos professores que atuam na educação infantil a reflexão compartilhada e a busca pelo aprofundamento contínuo, em uma perspectiva inter e multidisciplinar, que considere a criança, a infância e a sua brincadeira como possibilidade de humanização, distanciando-se de uma racionalidade instrumental e aproximando-se de uma racionalidade sensível, que nos remete a Freire (2005b).

Nessa perspectiva, defendemos que o brincar e a ludicidade, para a professora da educação infantil, inscrevem-se como saberes fundamentais à constituição de sua profissionalidade docente. Nesse sentido, a formação continuada na escola pode se constituir em lócus privilegiado de estudos, construção, reconstrução e explicitação de saberes, "[...] de partilha de pontos de vista e de projetos, de espaço para a resolução de problemas, oferecendo condições para a superação de práticas reprodutivistas e tendo a reflexão permanente como base [...] especialmente, para a mediação entre a teoria e prática" (GOMES, 2009, p.187).

Na perspectiva de aprofundar o nosso olhar sobre a formação continuada de professores da educação infantil, construímos o tópico a seguir, que retrata o nosso percurso de diálogos com autores que atuam nesse campo de estudos.