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Traçadas as funções e características atinentes às agências reguladoras, há que se considerar um ponto bastante importante que gera um certo conflito dentro da temática, envolvendo a legitimidade democrática e a independência dos entes reguladores. Importa dizer

120 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a evolução do Direito administrativo

econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 425.

que, dentro dos aspectos que reforçam a autonomia das agências e que as caracterizam como um regime especial em relação as demais autarquias, existe um possível atrito decorrente dessa independência com a legitimação democrática das próprias agências reguladoras.

Trata-se da questão da independência política dos dirigentes, que, como visto anteriormente, possuem mandato a termo fixo, impossibilitando a exoneração ad nutum pelos agentes legitimados de forma democrática por meio das eleições, incluindo o Presidente. Esse impedimento gera uma estabilidade temporária pro gestor enquanto estiver à frente do ente regulador, que gera dúvidas sobre a própria legitimidade democrática das agências.

Sobre o receio diante da legitimação democrática dos entes reguladores, se deve observar inicialmente que ainda que possuam autonomia reforçada diante dos poderes, as agências reguladoras são criadas, disciplinadas e continuam atuando por meio da legitimação dada pelas prerrogativas legislativas dos chefes do Poder Executivo e Legislativo, que são eleitos democraticamente.

Diante do Poder Executivo, nenhuma agência pode ser criada, modificada ou extinta sem sua iniciativa, de caráter privativo; quanto ao Poder Legislativo, cabe sempre a possibilidade de interferir no âmbito dos entes reguladores, cabendo a alteração no regime jurídico ou até extinção destes122. Significa dizer que por mais que a independência política dos gestores possa ser um entrave à legitimidade democrática das agências, há que se considerar que estas se situam sobre o controle dos chefes do Executivo e Legislativo, escolhidos mediante voto popular.

Mas, como forma de suprir esse déficit democrático que ainda possa ser considerado existente, advindo do fato dos gestores serem agentes não eleitos e não submetidos aos mecanismos tradicionais de aferição da responsividade social quanto à sua atuação, e visando alcançar essa legitimação, se passou a fomentar a participação social dentro dos processos regulatórios, sendo uma alternativa a essa questão e também uma maneira de reforçar o grau de autoridade das decisões das agências reguladoras e recuperar o lastro da legitimidade da atuação da administração pública.123

Além da problemática do déficit democrático em decorrência da independência política dos gestores, há que se considerar outro ponto pertinente: dentro do processo decisório das agências, existem três interesses diferentes no mesmo espaço, sendo o interesse do próprio

122 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a evolução do Direito administrativo

econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 466.

123 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo: Direitos fundamentais, democracia e

Estado, o das empresas concessionárias e permissionárias e o interesse dos usuários. A legitimidade democrática também deve estar pautada nessa questão, significando dizer que esta será alcançada quando existir por parte das agências canais de representação para cada um desses interesses124, o que deve ser viabilizada mediante o próprio fomento à participação popular nas atividades das agências, abarcando assim todos os interessados.

Desse modo, existe previsão sobre a possibilidade de participação popular nas atividades das agências. Esses mecanismos não possuem previsão obrigatória sobre as agências reguladoras, ficando à critério de cada uma, dentro da sua margem de autonomia, optar pela existência dessa ferramenta ou não. Na prática, existem algumas agências com a previsão obrigatória destes, e no geral, todas preveem a realização facultativa de tais mecanismos. Dito isto, os mecanismos que possibilitam a participação dos cidadãos nos processos regulatórios e de controle social sobre a atividade administrativa são as consultas públicas, audiências públicas e os conselhos consultivos.

A consulta pública trata do questionamento à opinião pública sobre os assuntos de interesse coletivo, se realizando antes da elaboração das normas jurídicas. Todas as questões formuladas pelo público presente devem ser respondidas e examinadas pelas agências reguladoras com devida consideração. Assim, a adoção ou rejeição das medidas propostas pelos participantes deve ser motivada e pública, ou seja, posta à disposição dos interessados e público em geral. É importante lembrar ainda que na previsão obrigatória da consulta pública por parte da agência, a participação passa a ser condição para a validade do ato normativo, podendo fundamentar pedido de revisão judicial quando não cumprido tal requisito.125

É importante destacar como forma de proteção à consulta pública, evitando que esta seja mera farsa, que não pode a autoridade, sem aviso prévio, promover modificações radicais na norma inicialmente proposta, ao nível desta ficar descaracterizada, visto que tal ação inviabilizaria a participação de forma efetiva dos interessados, que teriam sido ouvidos quanto à proposta original e não sobre o texto final modificado drasticamente.

Com isso, não significa que a autoridade não possa realizar modificações na norma inicialmente sugerida, sendo admitidas as modificações consideradas como decorrência lógica da proposta. Porém, se deve atentar que as modificações de caráter radical também são

124MENDES, Conrado Hübner. Reforma do Estado e Agências Reguladoras: estabelecendo os parâmetros da discussão. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 131.

125 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo: Direitos fundamentais, democracia e

possíveis, mas exigem a realização de nova consulta pública126, como forma de possibilitar a manifestação dos interessados sobre o assunto, frente a nova roupagem dada.

Nas consultas públicas, a opinião pública é consultada por meio de manifestação firmada por peças formais, escritas e juntas ao processo administrativo. Por outro lado, as audiências públicas também são uma modalidade de consulta, mas se consubstanciam através de debates orais, em sessões designadas para tal127. Assim, as audiências públicas viabilizam a participação dos indivíduos ou grupos interessados na questão para exporem suas ideias e sugestões.

Se caracterizam por sessões abertas aos cidadãos individualmente considerados, associações e outros interessados, onde se debatem temas relativos aos processos administrativos decisórios em curso ou projetos de lei propostos pelas agências reguladoras. Contudo, o debate realizado com os interessados não possui caráter vinculante, sendo apenas um espaço para debate, oferecimento de sugestões e esclarecimentos.128

Dessa maneira, tanto a consulta pública como a audiência pública possuem a função de concretizar o princípio da publicidade, além de viabilizar a participação dos interessados, sendo as formas de realização diferentes. Mas, se deve ter em mente que a ambas são impostas a obrigação de publicação prévia da realização destas, por meio do próprio princípio da publicidade, previsto no art. 37, caput da Constituição. Somado a este, se tem o princípio da motivação, também previsto no art. 37, caput da Constituição, que impõe a justificação da recusa das críticas e sugestões formuladas nestes meios.

Há ainda os conselhos consultivos, que são compreendidos como órgãos de participação social institucionalizada, se constituindo pelos representantes de órgãos com interesses em pauta e pessoas da sociedade, possuindo assim uma composição mista. Compõem os conselhos representantes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, do Poder Executivo, das prestadoras de serviços regulados, das entidades que representam os usuários e os que representam a sociedade como um todo. Possuem caráter consultivo e fiscalizador diante da atuação das agências reguladoras, podendo emitir opiniões sobre os projetos, aconselhar na

126 BRUNA, Sérgio Varella. Agências Reguladoras: poder normativo, consulta pública, revisão judicial. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 273.

127 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2001, p. 186.

128 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo: Direitos fundamentais, democracia e

forma destes prestarem os serviços públicos, apreciar relatórios e elaborar propostas para o próprio conselho diretor, podendo se manifestar no processo de elaboração normativo.129

Desse modo, visando atender aos seus propósitos de boa atuação administrativa através da regulação, as agências reguladoras devem buscar a ampliação da democracia em seu meio. Contudo, questiona-se sobre a possibilidade real da superação das deficiências encontradas na atuação dos entes reguladores, bem como do próprio déficit democrático, através da adoção de procedimentos internos que gerem maior participação popular e dos particulares interessados.

Os mecanismos previstos que dão possibilidade de participação social na prática não possuem um nível de participação satisfatório, que levem a compreensão de que são meios que acrescentem e auxiliem na condução das questões das agências reguladoras, tampouco asseguram a efetiva e direta atuação da população no processo regulatório. Este entrave decorre, principalmente por consequência da autonomia das agências, ficando à critério de cada uma, dentro da sua margem de discricionariedade, optar em tratar dos mecanismos de participação popular de forma obrigatória ou apenas como meio facultativo.

Como forma de dar maior garantia e legitimação democrática, nas hipóteses em que os meios de participação da sociedade são opcionais, quando houver requerimento para sua realização por agente econômico ou entidade interessada, a recusa por parte da administração deve ser motivada, frente aos princípios e valores constitucionais que elevam a participação dos interessados nas decisões administrativas, dispostos nos art. 1º, caput e inciso I, art. 5º XXXIII e XXXIV, art. 37, caput e §3º, e art. 175, III, todos referentes à Constituição Federal.130

Outro grande entrave ao fomento da participação popular nos processos decisórios das agências reguladoras e consequentemente uma maior representatividade pela sociedade, atuando através dos mecanismos previstos, decorre das pautas decisórias das agências, as quais envolvem assuntos eminentemente técnicos, o que gera grande dificuldade para a população para participar desses processos.

Importante meio de auxílio quanto a essa questão seria decorrente de um assessoramento técnico à população em geral, que levasse a um exame aprofundado e mais especializado das temáticas levadas ao debate público, por meio dos mecanismos já mencionados, reduzindo

129 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo: Direitos fundamentais, democracia e

constitucionalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 299.

130 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a evolução do Direito administrativo

assim a assimetria informativa entre sociedade e agentes econômicos, principalmente em se tratando de aspectos técnicos atinentes ao setor regulado.131

Outro ponto relevante envolve a própria participação popular através desses mecanismos, onde o discurso de legitimação democrática acaba sofrendo diversas críticas por ser considerado de baixo grau de organização e mobilização da sociedade. Tal situação é comprovada, à título exemplificativo, no âmbito da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), por meio de pesquisa realizada, onde se analisou as consultas públicas dessa agência entre os anos de 1997 a 2001.132

Através dos dados observados, ainda que se verifique o aumento do uso de tais mecanismos de participação, a atuação da sociedade civil frente a essa questão é bastante inferior ao esperado e necessário para que possam ser considerados como formas de legitimação das agências reguladoras. Se analisou ainda que a participação nesta agência em específico se concentra no grupo que atua no ramo de telecomunicações, empresas e organismos ligados a estas, somando 68,69% das contribuições oferecidas133. Significa dizer que dentro da possibilidade de atuação popular, a participação envolve basicamente aqueles que tem interesse direto no assunto a ser debatido nesses espaços.

A participação em peso dos segmentos da sociedade que representam apenas os interesses das empresas de telecomunicações traz a noção de déficit democrático acentuado quanto às agências. A atuação da sociedade em geral diante da administração pública é algo muito recente, sendo considerado em estágio prematuro de desenvolvimento, devendo ser estimulado por meio de conscientização política, organização e participação da sociedade em assuntos de interesse público. Sobre isso, cabe às agências reguladoras incentivar a participação, realizando investimentos na divulgação da importância do seu papel institucional, bem como sobre os mecanismos e a possibilidade de participação social, visando transformar o seu processo deliberativo em um ambiente mais transparente, informado e aberto.134

A legitimação sobre a atuação das agências reguladoras através da participação popular possui relevada importância, principalmente em decorrência da conexão que se pode

131 MIRAGEM, Bruno. A nova Administração Pública e o Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011, p.118.

132 A pesquisa foi realizada por Paulo Todescan Lessa Mattos, em parceria com o Centro Brasileiro de Análise e

Planejamento – CEBRAP, onde os dados coletados são apresentados em: MATTOS, Paulo Todescan Lessa. Agências Reguladoras e democracia: participação pública e legitimidade. In: SALOMÃO FILHO, Calixto (Coord.) Regulação e desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 182-230.

133 MATTOS, Paulo Todescan Lessa. Agências Reguladoras e democracia: participação pública e legitimidade.

In: SALOMÃO FILHO, Calixto (Coord.) Regulação e desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 228- 229.

134 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo: Direitos fundamentais, democracia e

estabelecer entre agência e administrado interessado, de uma maneira imediata e despolitizada. É abrir a possibilidade para a manifestação de posições frente à administração pública, além de contribuir com o controle de legalidade e efetividade dos seus atos.

Somados a isso, se tem ainda uma melhoria na qualidade das decisões administrativas, carregadas de elementos e opiniões que conseguem abarcar a situação em sua realidade. Ao conseguir observar os problemas sobre diferentes perspectivas e possíveis soluções, as decisões acabam sendo mais eficientes e equilibradas. Ademais, se deve frisar que ao dar a opinião pública elevada importância, as decisões administrativas tomadas tem maiores chances de serem mais facilmente aceitas pelos seus destinatários.

Dessa maneira, com acesso às informações técnicas, maior conhecimento acerca das temáticas que serão debatidas, unindo-se aos instrumentos que permitem a participação dos particulares, a problemática quanto ao déficit democrático estaria em uma situação provavelmente mais diferente do que a realidade atual, sendo um ponto favorável e que só tende a acrescentar diante da necessidade de superação das dificuldades que perpassam a atuação das agências reguladoras.