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3.1 AS FUNÇÕES E CARACTERÍSTICAS DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

3.1.5 O poder normativo das Agências Reguladoras

Como visto anteriormente, a sociedade passou a ser mais plural e complexa, exigindo demandas maiores e mais específicas por parte do Estado, que diante das necessidades e visando alcançar os interesses sociais, passou a atuar de forma mais fragmentada. Além disso, essas atividades decorrentes do pluralismo e complexidade são dotadas de muitas particularidades técnicas. Para a realização delas, por meio do Estado ou por terceiros, foi necessária a descentralização do modelo antigo monocêntrico, como forma de abranger todas as necessidades e particularidades.

Em caráter inicial, como reflexo da complexidade da sociedade, o legislador passou a elaborar regulamentações especiais, com destinação voltada a setores específicos do meio social e de algumas relações jurídicas. Em outro momento, se observou que somente a edição de leis especiais não era o suficiente, sendo necessária a especialização das fontes do direito e dos respectivos órgãos emanadores113. Assim, o Poder Legislativo, em meio a suas possibilidades, se mostrou incapaz para lidar com a pluralidade, complexidade e principalmente às novas questões técnicas que passaram a envolver as matérias em que havia necessidade de elaboração normativa.

A necessidade de normas mais diretas para tratar das especificidades, realização do planejamento de setores, bem como a viabilização da intervenção estatal são uma forma de garantir o cumprimento e realização dos princípios constitucionais da ordem econômica. A efetivação desses valores é que justificam a atribuição de poder normativo às agências, a qual

112 EFING, Antônio Carlos. Agências Reguladoras. In: EFING, Antônio Carlos (Coord.). Agências

Reguladoras e a proteção do consumidor brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009, p. 69-70.

113 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a evolução do Direito administrativo

não exclui o poder de legislar visto tradicionalmente, mas resulta em um aprofundamento da atuação normativa do Estado.114

A natureza técnico normativa adveio em decorrência do surgimento dos entes independentes responsáveis pela regulação, que acabaram resultando em regimes jurídicos específicos desenvolvidos pelas agências voltadas ao setor econômico, se baseando em normas constitucionais e legais pertinentes. Essa natureza normativa técnica, assim como a autonomia, é compreendida como a razão de ser das entidades reguladoras, principalmente por fazer parte do próprio conceito de regulação.115

Deve-se também ter em mente que as leis atributivas de poder normativo às agências reguladoras tem baixa densidade normativa, como forma de propiciar o desenvolvimento de normas setoriais aptas a regular a complexa e dinâmica realidade social, por meio da autonomia e agilidade. Possibilitam ainda a administração pública atuar consensualmente, com margem para negociação, em conjunto com os agentes econômicos e a sociedade que possuam interesse na situação em questão.116

Diante do poder normativo concedido às agências reguladoras, juntamente com os poderes que possui de natureza administrativa e judicativa, mesmo sendo nitidamente importantes e necessários para a função de regulação setorial econômica e social, se pode questionar se há incompatibilidade dessas atribuições quanto ao princípio da separação dos poderes.

Para tal análise, se deve lembrar que dentro do princípio da separação dos poderes em sua divisão tradicional de poder orgânico (Poder Executivo, Legislativo e Judicial), nenhum desses poderes realiza apenas a função a qual dispõe sua nomenclatura; há uma combinação de atividades desempenhadas, que ocorrerá conforme a política de interdependência adotada. A ideia de reduzir as funções estatais apenas à legislação, administração e jurisdição deve ser compreendida como algo usual, pois assim como se observa em experiências anteriores e na doutrina, outras funções já foram acrescidas e subtraídas dos poderes ao longo do tempo.

Além disso, dentro dessa concepção, nos Estados contemporâneos há uma proliferação de inúmeros órgãos que não estão inclusos em nenhum dos três conjuntos clássicos de poder, situação em que desempenham suas atribuições com independência política. Vale ainda lembrar que continuamente novas funções são definidas e cometidas ao Estado, não sendo observada

114SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 27.

115 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a evolução do Direito administrativo

econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 414.

essa questão das divisões ou subdivisões orgânicas tradicionais117, mas existindo principalmente uma preocupação sobre o desempenho de forma eficiente de atuação desses órgãos.

Assim, não há que se falar em incompatibilidade da função reguladora e dos órgãos destinados a realizá-la, tampouco quanto ao seu poder normativo, sendo estes institutos uma nova manifestação sobre o próprio princípio da separação dos poderes, diante da sua concepção clássica.

Em continuidade à temática da função normativa destinada às agências reguladoras, se deve compreender que existem limites e natureza diferenciados, a depender do instrumento regulatório em questão, qual seja: as agências reguladoras de serviços públicos, de exploração de monopólio e bens estatais por particulares, ou as agências que regulam atividades privadas de interesse público. Significa dizer que possuirão características específicas, de acordo com as necessidades demandadas.

Sobre as agências reguladoras de serviços públicos, se observam serem as primeiras criadas no âmbito brasileiro, em decorrência da atribuição de serviços de natureza pública à iniciativa privada, sendo ainda hoje as agências com objeto de serviço público a maioria das entidades reguladoras em geral.

Dentro da sua atividade regulatória, se depreende que o poder normativo é maior e mais incidente quando se trata dos serviços públicos delegados que permanecem com titularidade pública, quando comparados com os setores econômicos que não são publicizados. Fica também evidente que a realização da concessão ou permissão não altera a natureza pública conferida à atividade pelo Poder Legislativo.

As leis, como por exemplo a Lei nº 8.987/1995, e normas oriundas destas, podendo se tratar inclusive das criadas no âmbito da agência, é que fixam os marcos da atividade do poder regulatório, em meio ao amplo caráter regulatório do Poder Público. Ou seja, o órgão regulador não tem liberdade de praticar atos concretos sem base normativa específica e adequada; não havendo previsão de certa competência em nenhum instrumento normativo, não será possível a sua realização.

Outro ponto pertinente a ser tratado envolve a abrangência do poder regulador na gestão interna dos concessionários e permissionários. De um lado, se tem primordialmente a questão de serem empresas privadas, o que acarretaria numa impossibilidade de atuação das entidades reguladoras em razão da livre decisão daquelas. Por outra ótica, diante da sua atividade de

fiscalização da qualidade do serviço e modicidade da tarifa, o Estado poderia ingerir em assuntos internos, como forma necessária para alcançar os objetivos regulatórios.118

De toda forma, se deve ponderar a liberdade de gestão das empresas, mesmo que estejam à frente da prestação de serviços públicos, em conjunto com a atividade fiscalizadora do Estado. Assim, existe a possibilidade de ingerência sobre a atuação da esfera privada, contanto que não chegue a um controle excessivo sobre todas as demandas atribuídas às empresas, no sentido de fixar objetivos a serem atingidos, não se envolvendo diretamente no procedimento a ser adotado por aquelas para alcançar as metas traçadas.

Em relação às agências que regulam a exploração de monopólio e bens estatais por particulares, se compreende que por ser o Estado proprietário do bem ou titular exclusivo da atividade monopolizada, poderá determinar as condições contratuais que lhes sejam mais convenientes, dentro do permitido pela lei. A atuação regulatória pelo Poder Público também se faz presente ao longo da execução contratual, efetuando a integração e interpretação das cláusulas do contrato, com possibilidade de realizar adequação destas com a realidade socioeconômica.

Essa regulação deve ser desenvolvida por meio da legislação que envolva a atividade monopolizada, as normas regulamentadoras e cláusulas do contrato de concessão. Da mesma maneira que ocorre com as agências que regulam os serviços públicos, quanto a abrangência do poder regulador na gestão interna, neste caso também deve ser realizado com ponderação, respeitando a liberdade dos concessionários e sem atuar por meio de controle exaustivo.

As agências reguladoras da exploração privada de bens ou atividades monopolizadas pelo Estado devem atender aos objetivos atribuídos pela lei setorial respectiva, por meio dos editais de licitação e contratos de concessão. Com o estabelecimento dessas normas, a agência estará sempre sujeita às normas regulamentares, legais e constitucionais. No caso das normas regulamentares, há a possibilidade de revogação, quando de sua competência. Mas, enquanto a revogação não se efetiva, não pode ocorrer o seu descumprimento perante os casos concretos.119

Dentro do que se determina para a realização dos fins estabelecidos, por meio da lei de cada setor em específico e sua política nacional, é dada a agência ampla margem de discricionariedade para elaboração de normas gerais e abstratas e fixação das cláusulas contratuais da concessão, editais de licitação e termos de autorizações. A margem para criação de normas só é restringida quando estiver predeterminado nas leis específicas.

118 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a evolução do Direito administrativo

econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 420.

Entretanto, é necessário atentar que frequentemente esta mesma legislação específica traz expressamente a delegação da matéria de regulamentação à agência. Mas, se deve ressaltar que essa determinação explícita da atuação dos entes reguladores sobre a normativa não significa lhes dar amplos poderes normativos sobre matérias que não estejam disciplinadas ou especificadas na lei.

Quando ocorre a concessão, o poder normativo das agências permanece, mas com a possibilidade de emissão de normas genéricas e abstratas sobre as atividades em questão, dentro do âmbito de normatização e integração observado nos editais de licitação ou nos contratos de concessão, nas lacunas encontradas, nas remissões à essa regulamentação ou quando utilizados conceitos jurídicos indeterminados120. Nessa situação, em meio a esses espaços, caberá a agência tentar trazer mais precisão e melhorias para auxiliar na atuação dos concessionários.

Por fim, ao tratar das agências reguladoras de atividades privadas de interesse público, caberá ao Poder Público a limitação em expedir normas atinentes aos interesses primários a serem atendidos, não podendo se envolver nos assuntos internos, mesmo que estes envolvam outras questões de interesse público. Por outro lado, não caberá ao Poder Público diante dessa modalidade regulatória possuir poderes correspondentes ao que possuiria caso se tratasse de serviço público.

Essa modalidade de regulação possui em relação às autorizações um amplo poder normativo por meio das atividades autorizadas, realizando o direcionamento constante aos objetivos públicos do setor, ou seja, as finalidades que são instituídas pela lei setorial. Esse vasto poder normativo advém da necessidade de proteção das relações contratuais estabelecidas neste âmbito, em decorrência da abordagem sucinta e da generalização dos termos utilizados nas legislações da matéria, bem como da própria natureza funcional e operativa das autorizações.121