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2.4 ELEMENTOS ESSENCIAIS DA ATUAÇÃO ESTATAL

2.4.1 Os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público

O interesse público deve ser compreendido como meio para assegurar que a administração pública consiga concretizar os objetivos fixados relacionados aos interesses da coletividade. Ou seja, se tem uma atuação estatal vinculada às necessidades da comunidade, que vise satisfazer os interesses públicos conforme a vontade global, e que proteja os direitos e garantias fundamentais, permitindo que os indivíduos desfrutem da liberdade e direitos reconhecidos.42

Sendo o maior fundamento dentro do estudo do direito administrativo e diante do exercício da função administrativa por parte do Estado, o regime jurídico deve se pautar na supremacia do interesse público sobre o privado, além da indisponibilidade, por parte da administração pública, dos interesses públicos. Esses dois princípios são tidos como pedras angulares do direito administrativo, e são indispensáveis para a alcançar a caracterização dos serviços públicos.43

Primordialmente, se deve observar que o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado não possui uma previsão expressa na Constituição, ou seja, sem conceituação

41 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2012,

p. 29.

42BAPTISTA, Isabelle de. O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado: uma análise à luz dos direitos fundamentais e do Estado Democrático de Direito. Revista do TCE-MG, Belo Horizonte, v. 31, n. 1, p.55-71, jan/mar. 2013. Trimestral. Disponível em:

<http://revista.tce.mg.gov.br/Content/Upload/Materia/1768.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2017, p. 55-56.

43 Sobre os princípios da supremacia do interesse público sobre os particulares e a indisponibilidade do interesse

público como pedras angulares, ou pedras de toque do Direito Administrativo, há uma grande maioria da base doutrinária tradicional que defende esta classificação. Dos renomados administrativistas que trazem essa noção: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 55-56; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 38. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 108; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 65-68.

delimitada pelo texto constitucional, possuindo reconhecimento como espécie normativa através de construções doutrinárias ao longo do tempo44, onde se compreende a prevalência do coletivo sobre o individual.

De todo modo, a compreensão da prevalência do interesse público sobre o privado advém principalmente do contexto de Estado social, como consequência lógica deste, em que se reforça mais as questões coletivas do que as individuais. De fato, tanto os direitos individuais como os coletivos estão resguardados pela Constituição, mas numa hipótese ou necessidade de limitação do individual pelo público, se considera a relativização dos direitos pessoais, visando o bem comum, garantindo os direitos de ordem coletiva.

É a partir do princípio da supremacia do interesse público que se tem as prerrogativas do regime jurídico administrativo, tanto da administração pública sobre os particulares como as sujeições do Estado em relação aos particulares impostas pela lei45. Desse modo, este princípio não nasceu com objetivo de resguardar apenas um interesse, mas de proteger vários interesses inerentes as várias camadas da sociedade.

Assim, interesse público corresponde ao interesse do conjunto social, trazendo uma dimensão pública dos interesses individuais, quanto ao aspecto do indivíduo enquanto partícipe da sociedade. Não significa dizer que o interesse individual de cada pessoa deve se prevalecer diante do geral. Há, de um lado, os interesses que envolvem a vida do particular, e do outro, o interesse igualmente pessoal do indivíduo enquanto partícipe de uma coletividade maior. Este é o chamado interesse do todo, ou interesse público, que não se constitui autonomamente, tampouco é dissociado do interesse das partes, mas que trata dos interesses do indivíduos enquanto membros de um corpo social46, visando um bem maior que abarque a sociedade como um todo.

Sendo assim, caberá à administração pública representar os interesses da coletividade, situação em que lhe são atribuídos direitos, vantagens, prerrogativas, deveres e obrigações, sendo esses direitos e obrigações decorrentes diretamente do interesse público que

44 SIQUEIRA, Mariana de. Interesse público no direito administrativo brasileiro: da construção da moldura à

composição da pintura. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 175-176.

45SILVA, Júlio Cezar Bittencourt da. O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado: fundamentos e perspectivas. In: CALDAS, Roberto Correia da Silva Gomes; FERREIRA, Daniel;

MENDONÇA, Maria Lírida Calou de Araújo e (Coords.). Direito e Administração Pública. Florianópolis: FUNJAB, 2013. p. 396-418. Disponível em:

<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=7f2776f553fe2d5f>. Acesso em: 10 jul. 2017, p. 399-400. 46 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2012

representam47, devendo ser prestados por meio dos serviços públicos. Sobre essa ótica, significa dizer que o interesse público é o próprio legitimador da atuação estatal48, visto que as atividades administrativas vão girar em torno dos interesses da coletividade, sendo realizadas através dos mecanismos supracitados, visando a efetivação de tais interesses.

De forma interligada a questão da supremacia do interesse público sobre o privado está o princípio da finalidade pública, ou mais conhecido como indisponibilidade do interesse público, que também não possui redação expressa na Constituição de 1988, mas é visivelmente direcionado por vários outros dispositivos normativos que tratam da questão.49

Este princípio traz a compreensão que os interesses tidos próprios da coletividade não podem estar à livre disposição de ninguém, por serem inapropriáveis, inclusive não possuindo disponibilidade o próprio órgão administrativo50, que tem o dever de realizá-los e guardá-los, atribuídos por lei. Significa dizer que o agente público não pode se apropriar dos interesses públicos, possuindo suas ações limitadas e condicionadas à juridicidade, se restringindo a cumprir a promoção do bem comum, para que não ocorra um desvio de finalidade.

Assim, a administração pública não pode deixar de exercer tais poderes, sob o risco de prejudicar o próprio interesse público, possuindo tal questão previsão na Lei nº 9.784/1999, art. 2º, inciso II, estando vedada a renúncia parcial ou total de poderes e competências, em específico aqui tratado o interesse público, sendo irrenunciável pela autoridade administrativa.51

2.4.2 A intervenção estatal sobre o domínio econômico: a questão dos serviços públicos e