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3.1 AS FUNÇÕES E CARACTERÍSTICAS DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

3.1.1 A independência das Agências Reguladoras

Ao se tratar da independência das agências reguladoras, se torna bastante pertinente a motivação pelo qual se optou em dar maior autonomia a esses entes. Primeiramente, se deve ter em mente que o termo independência, relativo a essa temática, não abarca uma independência absoluta, mas uma forma de atuação mais livre das agências. Assim, se compreende que ao falar da independência desses entes, se estará diante da sua autonomia reforçada.

A necessidade de garantir aos entes reguladores uma autonomia maior em relação ao Poder Executivo pode ser vista como uma medida bastante preventiva, como forma de evitar a concentração de poderes94, além de ser uma forma de reafirmação retórica da sua atuação mais independente quanto ao governo. Assim, a autonomia envolve o espaço de liberdade de conduta de um ente em relação aos demais, exprimindo a sua própria liberdade e independência em relação ao governo central.95

Além dessas questões, tem-se fundamentalmente a necessidade de um ambiente dotado de imparcialidade no âmbito das agências reguladoras, devendo ser vista como a própria finalidade para que se outorgue a autonomia reforçada. A importância da imparcialidade advém principalmente do fato de tais entes reguladores tratarem de questões de interesse geral. Significa dizer que, ao lidar sobre assuntos pertinentes tanto ao setor público como privado, não deve existir uma prevalência de um interesse sobre o outro.

É importante frisar que o interesse público aqui tratado, o qual não se prevalece sobre os interesses privados, não diz respeito ao conceito disposto no capítulo anterior, mas de um interesse público genérico. Ao se tratar das relações sujeitas à regulação, não pode existir essa preferência de um por outro, sob o risco de prejudicar a própria atuação das agências, que devem sopesar, balancear e ponderar os interesses na questão em específico, deixando de lado quaisquer considerações subjetivas.

93 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; FERNANDES, Luís Justiniano de Arantes. As Agências Reguladoras no direito positivo brasileiro. In: CARDOZO, José Eduardo Martins; QUEIROZ, João Eduardo Lopes; SANTOS, Márcia Walquíria Batista dos (Org.). Curso de Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2006, vol. III, p. 298.

94SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 24.

Desse modo, a imparcialidade aqui possui caráter político, gerando uma neutralidade político-partidária, que por meio da sua própria função, o agente deve procurar e fixar administrativamente um ponto de equilíbrio setorial96, sem a influência do Poder Executivo nas escolhas e decisões dos entes reguladores, não gerando prejuízo ao interesse geral e evitando a prevalência de interesses políticos.

Mais do que a necessidade frente à atuação das agências reguladoras, a imparcialidade deve ser estendida a toda função administrativa, estando tal questão implicitamente tratada no art. 37 da Constituição Federal, através do princípio da impessoalidade, diante da impossibilidade de qualquer distinção entre os interesses específicos da administração e os particulares.

Sobre a autonomia reforçada em si, se caracteriza pela independência das agências em diversos aspectos: independência política, técnica decisional, normativa, e gerencial, orçamentária e financeira. A primeira delas diz respeito a independência política dos gestores, decorrente da nomeação de agentes administrativos, através de indicação do chefe do Poder Executivo, após aprovação advinda do Poder Legislativo, para que exerçam seus cargos com mandatos a termo fixo, dotados de estabilidade enquanto durar o mandato.

Há ainda que se observar que, por meio do mandato a termo fixo, se gera uma impossibilidade de exoneração ad nutum97 pelo Presidente, que só pode ocorrer nas hipóteses expressamente previstas98. Significa dizer que esta especificidade cria a supracitada estabilidade temporária, que consequentemente acarreta na independência política, necessária para que os agentes possam executar a política regulatória estabelecida sem a ingerência do Poder Executivo99. Dessa forma, se constata que a estabilidade assegurada aos dirigentes das agências torna-se, pois, fator fundamental para garantir a própria autonomia destas.

A independência técnica decisional advém da atuação dos seus dirigentes, que devem atender os requisitos de formação técnica impostos pela lei100. Assim, deve ser garantida tal independência aos gestores, os possibilitando desempenhar as funções determinadas sem a

96 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatório. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 160.

97 A expressão ad nutum advém do latim, e ao se tratar no Direito Administrativo da exoneração ad nutum, esta

corresponde a dispensa de um funcionário público que não possui estabilidade, sem a necessidade de grandes exigências legais para a realização desta, podendo ser através de um simples ato, gesto. (NOHARA, Irene. Ad nutum. 2011. Disponível em: <http://direitoadm.com.br/35-ad-nutum/>. Acesso em: 19 jul. 2017.)

98 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 481. 99 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatório. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 165.

100 A Lei nº 9.986/00 determina em seu art. 5º, que os dirigentes das Agências Reguladoras devem ser nomeados

entre brasileiros, com reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito dentro do campo de especialidade do cargo que irá tomar posse. (BRASIL. Lei nº 9.986/2000, de 18 de julho de 2000. Dispõe sobre a gestão de recursos humanos das Agências Reguladoras e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9986.htm>. Acesso em: 19 jul. 2017.)

interferência política, ou seja, com decisões politicamente neutras, predominando suas motivações técnicas para os atos, e assim impedindo recursos hierárquicos impróprios e possíveis revisões das decisões tomadas, por parte do Presidente ou algum dos Ministérios do governo101. Ou seja, as decisões realizadas pelos agentes não são suscetíveis de apreciação por quaisquer outras entidades existentes na administração pública.

No que se refere à independência normativa, se remete diretamente ao próprio poder normativo que as agências reguladoras possuem, se constituindo função fundamental e indispensável à atividade regulatória, completamente necessária para disciplinar as atividades econômicas e serviços públicos que estão submetidos ao controle das agências, sendo seu principal instrumento de ação. Por estes motivos, a função normativa desses entes merecem destaque, e será tratada de forma um pouco mais abrangente em um momento posterior.

A última classificação no que diz respeito à autonomia reforçada das agências envolve a sua independência gerencial, orçamentária e financeira, que completam as garantias de atuação mais livre destes entes. Quanto a esse aspecto, a autonomia financeira se dá através da garantia de receitas vinculadas, atribuídas por lei, ou seja, o contingenciamento de verbas, arrecadado para custear suas atividades, cobranças com destinação vinculada, como por exemplo as taxas setoriais.102

Tais receitas possibilitam a manutenção e funcionamento das entidades sem depender de disputas políticas na distribuição das verbas orçamentárias. Contudo, tal característica é variável sobre cada setor e atuação das agências, que vão depender das circunstâncias específicas destas, nem sempre sendo possíveis.103

A independência orçamentária advém das rubricas orçamentárias próprias, que são enviadas ao Ministério competente para cada agência, devendo respeitar o princípio da unidade orçamentária, a Lei Orçamentária Anual (LOA), conforme dispõe o art. 165, §5º, I da Constituição Federal, a qual diz respeito as despesas e receitas que serão realizadas pela administração pública no ano seguinte.

101 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo: Direitos fundamentais, democracia e

constitucionalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 256.

102FGV (Rio de Janeiro). Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura. Autonomia financeira das Agências Reguladoras dos setores de infraestrutura no Brasil. 2016. Disponível em:

<https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/18341/autonomia-financeira-das-agencias- reguladoras-dos-setores-de-infraestrutura-no-brasil-2016 (1).pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 19 jul. 2017.