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A LEI DE RESPONSABILIDADES E O RECONHECIMENTO DE FLORIANO

CAPÍTULO IV A DISPUTA ENTRE OS PODERES CONSTITUCIONAIS E O

4.2 A LEI DE RESPONSABILIDADES E O RECONHECIMENTO DE FLORIANO

A “força do direito”, proclamada pelos republicanos, mostrava-se já na segunda sessão do Congresso Legislativo, a sete de março, quando fora apresentado o primeiro projeto da Lei de Responsabilidade. Em resumo, o projeto estatuía que caberia à Câmara dos Deputados de Pernambuco decretar a acusação ao chefe do Executivo, deixando-se para o Senado estadual julgá-la procedente ou não. Em caso positivo, ficava o governador submetido a processo a ser julgado perante “um Tribunal composto de vinte juizes dos mais graduados e antigos do Estado, e presidido pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça”. As denúncias poderiam proceder de integrantes da própria Câmara, do Senado, do Procurador Geral do Estado e de qualquer cidadão, sendo examinadas por comissão específica da Câmara ante os

75 A rivalidade entre as forças estaduais e as tropas federais chegou ao ponto de provocar incidentes armados

vitimando soldados e praças. Tendo já comunicado suas queixas quanto ao aparato bélico da guarnição federal aos jornais do Rio de Janeiro, a 10 de março, Barbosa Lima telegrafava a outra folha carioca (Jornal do Commercio) sobre a tensa situação entre as forças, acusando a guarnição do 2º distrito militar de ostensivamente se impor perante as autoridades comandadas do palácio. Em episódio do mesmo dia, relatava que o chefe de polícia, durante percurso, recebera intimação de um sentinela da força federal, ordenando-lhe “fazer alto” apesar do mesmo praça saber que se tratava da “segunda autoridade do Estado”. Em seu protesto, o chefe de polícia, dirigindo-se ao comandante da guarda, descobrira que a ordem dada àquela sentinela era de “atirar sobre quanta (sic) praça de policia passasse nas imediações”. O governador também repassava relatos de que as ruas do Recife abrigavam, àquela conjuntura, “grande numero de praças de linha” armadas com carabinas e mosquetões, assim andando por cumprir ordem superior. Concluía então Barbosa Lima que a força federal usurpava funções do Estado, distribuindo suas tropas “até grande distancia dos quarteis e estabelecimentos federaes”. Seu pronunciamento adiantava, não era produto de boato ou primeiras impressões, e já havia comunicado a situação ao Rio de Janeiro, sendo que as providências tomadas não correspondiam à “gravidade das occurrencias”. Para os republicanos, o governador magoava os brios militares com “inverdades”, atirando-os a pecha de “provocadores e turbulentos”. Rebatiam que a polícia do estado, por sua vez, portava-se de maneira “ostensivamente bellica” passeando pelas ruas com “revolver engatilhado e sabre nú” (JORNAL DO RECIFE, 22 mar. 1893, p.2). Durante uma das sessões do congresso, um tiro de espingarda disparado no térreo da sede do Senado estadual, guarnecido pela força pública, levantou insistentes protestos do coronel Serra Martins, exigindo providências que garantissem a segurança da casa e acusando a força estadual de pressionar o Legislativo. Barbosa Lima, mais uma vez reportando-se ao Rio de Janeiro, desta vez no jornal O Figaro, negava tais intenções atentatórias, afirmando achar-se a força aquartelada no mesmo edifício do Senado estadual por falta de edifícios públicos disponíveis, e também não dispunha de verba para custear a ocupação de um edifício privado, apelos que, aliás, dizia já terem sido feitos ao congresso em mensagem dirigida a 6 de março. Ainda sobre os conflitos entre as forças, denunciava a convocação, pelo ministro da guerra, do comandante de polícia e primeiro tenente Florêncio de Carvalho, para esclarecimentos, naquele momento uma liderança influente na força estadual. Atestava também que à sentinela que intimou o chefe de polícia, assim o desrespeitando, nada ocorrera (JORNAL DO RECIFE, 25 mar. 1893, p.3)

documentos comprobatórios. A Câmara, caso julgasse procedente a denúncia com mais de dois terços de seus integrantes, decretaria, enfim, a acusação do governador, cabendo ao Senado via comissão própria e apreciando por escrito a defesa do acusado, num prazo de cinco dias, emitir parecer positivo ou negativo sobre a acusação, sendo levado o mesmo à votação. Em caso de maioria de dois terços, a acusação, procedente, seria levada pela mesa do Senado ao conhecimento do presidente do Superior Tribunal de Justiça do estado, que então instauraria processo de formação de culpa comunicando-se à União e ao estado. Oficiava-se, então, ao vice-governador para que imediatamente assumisse o exercício do Executivo (JORNAL DO RECIFE, 8. mar.1893 p.2)

Para os governistas, a publicação da esperada lei, logo na primeira leitura deixava clara a sua ilegalidade, ferindo as constituições estadual e federal. A suspensão prévia, antes de julgada pelo judiciário, transformava o documento numa “monstruosidade juridica”. Confrontando o artigo doze do referido projeto com o artigo 69 da constituição do estado, cuja grafia era muito similar, sendo pequenas as alterações, notavam os governistas o “intuito de absorver o processo de formação de culpa do Tribunal Judiciario, fazendo valer por elle o processado perante o Poder Legislativo”. Assim, o decreto de acusação, concebido pelo Legislativo ficaria valendo de pronúncia dando-se na consequente suspensão prévia. Outra irregularidade da qual se queixavam os apoiadores do governador, se referia à composição do tribunal judiciário para julgamento dos crimes do chefe do Executivo. Segundo o mesmo artigo 69, para o mesmo fim seriam escolhidos os vinte juízes mais graduados e mais antigos do estado, inclusos os membros do Superior Tribunal de Justiça de Pernambuco. O projeto considerava o sorteio entre integrantes do Tribunal de Justiça, excluindo-se seu presidente, e os quarenta juízes de direito mais antigos para o preenchimento de vinte vagas para o referido julgamento, totalizando 46 nomes. Nesse sentido, argumentavam os governistas, haveria possibilidade muito clara de que os vinte juízes selecionados não fossem necessariamente os vinte mais antigos, o que ia de encontro ao estipulado na constituição estadual. Também não havia no projeto o direito à recusa de juízes em participar de tal julgamento, sendo colocada em causa a “competencia profissional do Sr. Dr. Martins Junior”, primeiro signatário da proposta (DIARIO DE PERNAMBUCO, 9 mar.1893, p.2).

Com vistas a desqualificar juridicamente a lei de responsabilidade a ser votada pelo Congresso, o governo realizou consultas com juristas conceituados nacionalmente, como Rui Barbosa, Felisbelo Freire e Ubaldino do Amaral. Segundo Rui Barbosa, também senador pela Bahia, a suspensão do governador por consequência de ato do Legislativo transgredia a

constituição pernambucana. O decreto de acusação, formulado pelo Senado, referir-se-ia somente ao deferimento da denúncia formulada pela Câmara dos Deputados, não podendo entender-se como pronúncia, que consistia, por definição, na “decisão com que a autoridade summariante encerra o summario da culpa”. A única autoridade habilitada à formação de culpa, nesse caso, seria o Judiciário estadual, e a suspensão do governador já resultaria de aplicação de pena. Ainda segundo o parecer do jurista baiano, a lei de responsabilidade não poderia punir delitos anteriores à sua promulgação. Tal entendimento consistia em “noção rudimentar de justiça” presente em todas as legislações, incluindo a Constituição imperial de 1824. Semelhante lei, caso promulgada, incorria, portanto, em atentado à Constituição de 1891 e como tal “impugnavel perante justiça competente”, notadamente o Supremo Tribunal Federal. Por fim, concluía que ainda caberia recurso de inconstitucionalidade ao governador e somente depois de proferida a sentença é que o mesmo poderia “ser constrangido a abrir mão de suas funções” (DIARIO DE PERNAMBUCO, 15 mar.1893, p.2). O parecer de Felisbelo Freire76 nutria orientação semelhante, embora crítica à redação da constituição estadual – realizada pelo lucenismo e depois aceita pelos demais grupos políticos.

Pelo modo porque o legislador desse Estado elaborou o seu direito constitucional, tirou do Poder Legislativo a competencia de exercer por si a prerrogativa de responsabilisar o chefe do Estado em casos de delictos politicos. Delegou-a a um tribunal ordinario de justiça, que é quem julga o funccionario. Só ficou com a competencia da denuncia, cabendo a Camara deliberar se o governador deve ser accusado (art. 66) e do julgamento da procedencia ou improcedencia da occupação pelo Senado (art. 67)[...] Podemos, pois, dizer que, em face dos artigos da constituição de Pernambuco, o poder legislativo não exerce de facto o direito de responsabilisar o chefe do executivo, unica arma que os corpos deliberantes possuem para opporse ás violencias e abusos dos governos (DIARIO DE PERNAMBUCO, 16 mar.1893, p.2)

Para o senador e também advogado Ubaldino do Amaral, a constituição pernambucana em muito teria se afastado da Carta Magna de 1891, no que concernia à prerrogativa de punição ao chefe do Executivo. Pela Constituição Federal, o presidente da República ficava suspenso de suas funções desde que declarada, pelo Senado a procedência da acusação. A suspensão, entretanto, não era considerada pena. No caso da lei fundamental pernambucana, a suspensão era, sim, estatuída como pena aplicável a partir de sentença, o que alterou “profundamente” o processo de responsabilização do governador. Concordava, portanto, com os pareceres anteriores (IDEM).

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Mesmo sob a contestação dos juristas, o Congresso marcou o reinicio de suas atividades determinado a contestar institucionalmente os decretos de Barbosa Lima referentes à organização municipal e a reforma do Judiciário. Poucos dias após os parlamentares apresentarem o projeto da lei de responsabilidade – no qual iriam ainda determinar, complementarmente, a definição dos crimes e o processo de julgamento do governador77 - assentiam em propostas reintegrativas da magistratura instaurada pela antiga Junta Governativa, em detrimento do novo ordenamento realizado pelo governador, e dos conselhos municipais dissolvidos, por considerarem falsa interpretação da lei orgânica dos municípios, a lei nº 52. O congresso dava ao governador um prazo de 48 horas após respectivas promulgações dos projetos de lei, para desfazer os resultados de sua administração, medida que não seria cumprida pelo Executivo, cuja imprensa amiga atribuiu a uma “politicagem de desatinos” (DIARIO DE PERNAMBUCO, 14 mar. 1893, p.2). A lei nº 67, regulamento interpretativo da lei nº 52 (lei orgânica dos municípios), promulgada em dezessete de abril após o veto do governador, definia como ilegal a dissolução dos antigos conselhos municipais, mandando restaurar aos seus lugares os velhos ocupantes – muitos deles

republicanos do grupo de Martins Júnior. O editorial do Jornal do Recife, que publicara a

77 A definição dos crimes de responsabilidade do governador do estado dividia-se em quatro ramos, separados

em crimes contra a constituição ou poderes do estado dela derivados, delitos contra direitos individuais e de propriedade, corrupção na administração e malversação de recursos públicos. Contra os poderes constitucionais, se listavam os seguintes delitos: tentar mudar de todo ou em parte a constitição do Estado; opor-se a reunião da Câmara e do Senado estaduais; dissolver o Congresso; impedir o funcionamento normal das Câmaras; tumultuar suas sessões, prender deputados ou concorrer para a manutenção de sua provação de liberdade salvo em caso de crimes inafiançáveis; Intervir no Judiciário; Não dar execução às leis do Congresso; Intervir nas municipalidades, suspendendo seu orçamento e/ou anulando mandatos de prefeitos e subprefeitos e conselhos, entre outros. Quanto aos direitos individuais, contavam: obstar o direito de liberdade de voto, adiar eleições estaduais e individuais, impedir reuniões e meetings, tolher a liberdade de imprensa, impedir ou perturbar cultos religiosos, privar liberdade do indivíduo, violar domicílio, correspondência e o direito de propriedade, etc. Dos crimes contra a administração, faziam-se ressaltar: tomar atitude contrária à constituição e leis; deixar de convocar extraordinariamente o congresso quando da não sanção das leis de orçamento e de força pública; deixar de enviar mensagem de governo ao Legislativo por ocasião da abertura dos trabalhos; receber donativos e aceitar promessas para evitar cumprir atos e deixar-se corromper por pedidos, suborno de empregados; exigir pagamentos, ameaçar ou violentar agente do poder Executivo; tolerar crimes de subordinados; não publicar ou retardar publicação das leis do Legislativo. Com relação ao orçamento e recursos públicos, destacam-se a contratação de empréstimo ou abertura de créditos sem autorização legal; exceder verbas de orçamento, tirar do Tesouro qualquer quantia; celebrar contratos lesivos ao patrimônio público; não enviar ao congresso em prazo hábil proposta de lei do orçamento no prazo legal, bem como do balanço da receita e despesa de cada exercício anual. Quanto às punições ao governo, em pouco derivavam: demissão ou suspensão do cargo, em casos específicos. A lei, em seu conjunto, parece feita sobre encomenda para Barbosa Lima, uma vez que as acusações dos republicanos, dirigidas desde que rompidas as relações políticas, se acham aí perfeitamente resumidas, daí a assertiva governista de que a votação da lei equivalia a uma deposição mal disfarçada (JORNAL DO RECIFE, 16 mar. 1893, p. 2).

notícia, admitia, entretanto, a possibilidade do governador não cumprir a nova lei. Apesar disso, desencorajava partidários a tentarem, pela luta armada, reassumir os conselhos destituídos, ficando exclusivamente a cargo do governador, segundo dizia o artigo 2º da mesma lei, mandar restabelecer os mandatários municipais. A tática dos republicanos não considerava repetir os insucessos dos incidentes no interior do estado, que poucos meses atrás haviam sacudido a ordem em vários municípios, em especial no Sertão. Preferiam, contudo, apostar suas fichas no embate político-institucional, encabeçado pela lei de responsabilidade.

Se S. Exc. deixar o governo de Pernambuco, em vista da lucta aberta com o Congresso, acreditamos que os actuaes conselhos não opporão aos antigos resistencia alguma. Se não deixar, pelo contrario, nada mais facil para S. Exc. que destituir de novo algum conselho antigo que tenha tido a velleidade de reassumir o exercicio, repondo os actuaes (JORNAL DO RECIFE, 18 abr.1893, p.2)

Reforçando o conflito institucional, procurando neutralizar os atos administrativos celebrados no Executivo por meio de leis interpretativas, o Congresso arrogava-se competente exclusivo para criar e contestar leis, mesmo “na hypothese de consagrar qualquer disposição inconstitucional”, pois que assim determinava o artigo nº 30 da Constituição estadual. De tal modo, dizia-se que com a resistência do governador às novas deliberações do Legislativo, o Executivo estaria considerando como letra morta a lei fundamental do estado (IDEM). Por sua vez, os governistas argumentaram que a atribuição do congresso em fazer leis não podia e nem devia ser exercida sem limites. Dissolver os conselhos existentes, para reestabelecer os que funcionavam sem lei de organização era uma inconstitucionalidade, além de faltar à assembleia a competência para decretar leis retroativas “sob o capcioso motivo de interpretal- as” (DIARIO DE PERNAMBUCO, 8 abr.1892, p. 2). O Judiciário, por meio de manifesto, apoiou o governador qualificando o ato do congresso como atentatório da divisão de poderes. A Junta Governativa, um mero governo de transição, no entender dos juízes, não tinha competência para a realização das nomeações que eram agora reclamadas pelo Congresso, pois tais haviam sido feitas antes mesmo de concluídas a divisão judiciária e a lei de organização dos municípios. Além disso, lembravam os juízes, carecia o estado de seu poder Executivo à época do governo revolucionário da Junta, faltando, portanto, a investidura constitucional para a organização do corpo judiciário. Dirigindo-se a Barbosa Lima, concluíam que o Legislativo exorbitava sua atuação e arriscava criar mais instabilidade institucional no futuro político do estado:

Ora, no caso de que se trata, é forçoso dizer que o Congresso excedeu a sua competencia legislativa, e invadio, calcando aos pés a constituição do Estado, as attribuições exclusivas e proprias do poder politico de que V. Exc. é legitimo representante e depositario, pelo que ha de promulgar o seu acto revestido da autoridade da lei, mas como acto de dictadura. Si elle demite agora por acto legislativo magistrados que estão legalmente exercendo funcções de um poder politico a respeito do qual se constituio supremo arbitro, menos será que amanhã, si V. Exc., por exemplo, demittir ou suspender qualquer funccionario do Estado, elle annulle a nomeação ou a demissão por uma lei [...]. Emfim contra a mencionada resolução do Congresso para mostrar quanto é ella absurda, basta fazer um simples appelo ao senso commum; e é preciso divulgal-a por toda a parte do territorio da Republica para que vejam todos e lamentem o transviamento partidario dos homens a quem este Estado confiou os seus mais precisosos interesses; imprevidentes que não se lembram que amanhã, com este precedente estabelecido, outro Congresso que vier por sua vez decretará: que a magistratura legitima e legal não é essa da Junta, mas a que elle entender que deva ser a legitima e legal (DIARIO DE PERNAMBUCO, 9 abr.1893, p.2)

No veto do governador ao projeto da lei de responsabilidades, sublinhava-se a incapacidade constitucional do Legislativo pernambucano em decretar o impedimento do Executivo, podendo apenas o poder legislador dar início ao processo que, segundo o mesmo, tinha caráter marcadamente político. Indagava Barbosa Lima:

[...] existe o impeachment para o governador deste Estado segundo a constituição de 17 de Junho? Funcciona o Senado como Supremo Tribunal de Justiça? Pode a Camara decretar a suspensão do chefe do governo? Pode- o porventura o Senado? Absolutamente não. Com effeito, os artigos 66 a 70 dessa constituição preceituam de modo inilludivel porque forma unica poderá o governador do Estado ser destituido, temporaria ou definitivamente das suas funcções [...] Em Pernambuco o pronunciamento do Congresso sobre a responsabilisação do governador é unicamente um processo preliminar de caracter essencialmente politico e sem poder, que não lh’o permitte a nossa constituição como o permittem as de outros Estados, determinar a suspensão do chefe do governo. Aqui, essa resolução do poder legislativo significa apenas que esse ramo condemnado da suprema administração julga poder-se e dever-se iniciar o processo que terá de apurar a culpabilidade do chefe do poder executivo uma vez accusado, com ou sem razão por qualquer dos seus concidadãos. Acreditando que tanto a Camara como o Senado são assembléas essencialmente politicas, convencida de que a estabilidade do governo é uma necessidade primordial do actual regimen, pelo que somente com a maior isenção de animo, com a mais rigorosa e desapaixonada justiça deveria ser levado ao escabello dos réos o chefe do governo, quiz a assembléa constituinte de Pernambuco que o congresso somente se pronunciasse sobre a conveniencia de ser instituido, de ser iniciado o processo dessa autoridade (DIARIO DE PERNAMBUCO, 11 abr.1893, p.2).

Para o governador do estado, a atitude do congresso infligia abertamente a constituição pernambucana, e mostrava desconhecimento das garantias instituídas pelo

legislador constituinte, no documento de dezessete de junho de 189178. Dizia não poder hesitar entre respeitar o texto constitucional e acatar as resoluções do Congresso, mesmo aquelas publicadas como lei. No mesmo curso de ação, expediu circular aos prefeitos e conselheiros municipais, recomendando-lhes que se mantivessem em seus postos, apesar da intimação feita pelo Congresso ao cobrar a dissolução dos conselhos já empossados, impondo ao governo o prazo de 48 horas para tomar providências.

Enquanto o Colendo Tribunal não se pronunciar acerca d’aquele acto do congresso, evidentemente exorbitante das attribuições dessa assembléa, cumpre que vos conserveis no pleno exercicio das funcções em que vos achais muito legalmente investidos [...] Dar cumprimento ou consentir que se cumpra a illegal intimação que me é feita de dissolver naquelle prazo os governos municipaes, incontestavelmente importaria em attentado tamanho quanto o seria a dissolução do Congresso Legislativo. Resolvido a defender a Constituição do Estado e a Federal contra os actos que, como aquelle, flagrantemente posterguem-n’as, certo de encontrar-vos a meu lado nessa resistencia sagrada que na defeza da autonomia municipal oppomos aos que a desconhecem, confio que não vos deixareis esbulhar das elevadas funcções de que, por mandato popular vos achais revestido (DIARIO DE PERNAMBUCO, 18 abr.1893, p.1)

O comunicado do governador foi recebido com desdém pelos republicanos. Para os mesmos, não havia na cidade nada que justificasse apreensão ou sobressaltos, e a atitude complacente dos integrantes dos antigos conselhos municipais, que, afinal, não haviam recorrido à luta armada, visando deposições. A própria lei, diziam, colocava exclusivamente nas mãos do governador o ato de dissolução das autoridades locais. Consideravam, portanto, extemporâneas as medidas de segurança tomadas pelo governo, “cujos unicos effeitos foram o panico geral despertado pelo alarde de elementos bellicos contra as decisões do Congresso” (JORNAL DO RECIFE, 20 abr.1893, p.2). Não eram motivadas apenas por temores de golpismo as decisões do governo. Enquanto os históricos publicamente negavam intentos agressivos, as forças federais, simpáticas aos republicanos, reacendiam a rivalidade com os

78 A Câmara dos Deputados de Pernambuco ignorou as razões do veto do governador. Em discurso, Martins

Júnior imputava ao chefe do Executivo o desconhecimento de vários princípios do direito constitucional brasileiro e americano, e a confusão em torno do conceito de impeachment. Elevou o tom nas seguintes palavras: “Estamos em frente de um Governador que tem a pretenção de tomar contra os representantes directos do povo, em circumstancias como as actuaes de Pernambuco, uma attitude de superioridade, não só intellectual como