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CAPÍTULO III O PERNAMBUCO DE BARBOSA LIMA: RAÍZES DE UMA

3.6 A AMEAÇA MILITAR E O APOIO AUTONOMISTA

Enquanto ainda se davam perturbações no interior, estranho episódio ocorreu no Recife, acirrando ainda mais o clima político. Na tarde do dia 25 de outubro, o comandante do 14º batalhão de Infantaria e também senador estadual, o coronel Julião Augusto de Serra Martins, enviou comunicado ao governador dando-lhe ciência de sua prisão em palácio.

Considerai-vos preso em vosso palacio a ordem do marechal presidente da Republica, pelos insultos que me dirigistes nos jornaes do Recife de 23 e de

hoje, cujos documentos enviei ao commandante de districto para os devidos fins, o que tudo já participei por telegramma ao mesmo marechal (DIARIO DE PERNAMBUCO, 26 out.1892, p.2).

Surpreso, Barbosa Lima remeteu o “estranho oficio” ao General Roberto Ferreira, comandante do 2º distrito militar e superior hierárquico de Serra Martins65. Recebeu como resposta as seguintes linhas, assinadas pelo próprio Roberto Ferreira: “Em resposta ao vosso officio de hoje datado, communico-vos que tendo já o Coronel Julião Augusto de Serra Martins dado-me parte desse facto, affectei-o immediatamente ao Sr. Presidente da Republica” (MENSAGEM...,1893, p.8). Tal resposta parecia estampar, aos olhos do governador, a conivência do general para com a “intervenção inconstitucional e sediciosa desse official na politica do Estado”. A esperada réplica do Ministério da Guerra, portando o pensamento do marechal Floriano sobre o assunto e dada no mesmo dia, definiu o episódio de forma moderada, em favor do governador:

O marechal manda declarar-vos que Barbosa Lima não se acha ahi em serviço militar e sim investido da autoridade de governador, e o coronel Serra Martins é senador estadual; a desavença entre elles, pois, não pode ser resolvida pelo governo federal. Qualquer cidadão insultado pelo governador tem o direito de recorrer ao tribunal competente. Aconselhai ao coronel Serra Martins que fora do exercicio de senador não intervenha nas questões politicas (DIARIO DE PERNAMBUCO, 13 nov. 1892, p.2)

Após reforçar seu protesto, apresentado verbalmente perante o secretário do general Roberto Ferreira, ao fim da tarde recebeu o governador uma nova resposta, desta vez estabelecendo punição ao coronel Serra Martins, fato que “affastou o horrivel conflicto” que possivelmente aconteceria no Recife, de forma similar ao de dezoito de dezembro de 1891 (MENSAGEM,1893, p.8).

Em vista do procedimento que teve o coronel Serra Martins para com vossa pessoa, intervindo nos negocios politicos deste Estado contra as minhas expressas ordens e abusando de sua posição de commandante de corpo, resolvi suspendel-o do referido commando e mandal-o prender em sua

65Em sua mensagem ao Congresso Estadual, em maio de 1893, Barbosa Lima descreve o clima de tensão, àquele

momento, entre a força pública estadual e a tropa de linha do 2º batalhão, que se achava formada e próxima do palácio do governo, o que reforçava a ameaça constante no telegrama: “De posse desse estranho documento, sabendo que no momento em que me era elle entregue achava-se formado aquelle batalhão em frente ao respectivo quartel para o fim de vir fazer um exercicio na praça de Palacio, sciente de que varios honrados e patrioticos officiaes recusavam-se a sahir com tal destino, comprehendi a audacia e gravidade do indigno plano e tratei com a maxima urgencia de dispor as forças do estado por forma a repellir energicamente a estulta aggressão” (MENSAGEM..., 1893, p.8)

residencia até ulterior deliberação (DIARIO DE PERNAMBUCO, 26 out.1892, p. 2)

O episódio talvez demonstre algo de impulsivo na conduta do coronel Martins. Diante do fato, nem mesmo os bacharéis do Jornal do Recife quiseram apoiá-lo diretamente, não querendo comprometer-se com o incidente, cuidadosamente alegando apenas que o mesmo se situava unicamente no plano da hierarquia militar. Admitiam, entretanto, que não tinham competência para “apreciar o assumpto”, parecendo-lhes que o coronel teria “andado caminho mais seguro si, podendo conter a sua justissima indignação pela valentia do seu subalterno que o injuriou nas suas costas, se se tivesse limitado a dar do facto conhecimento ao illustre Sr. General Commandante do Districto”, a fim de que este remetesse a questão ao vice- presidente Floriano Peixoto por intermédio do Ministro da Guerra, dando-se assim a decisão (JORNAL DO RECIFE, 28 out.1892, p.2). A Gazeta da Tarde, embora não discordasse da punição instituída ao coronel pelo General Roberto Ferreira, apressou-se em ressaltar o caráter apolítico do ato, uma vez que entendia não ter sido a tentativa de prisão do governador uma ação motivada pelo fato de Serra Martins ser “membro prestimoso de um partido” e senador pelo estado, apenas cometera falta de disciplina tomando “a desforra que lhe ditou sua dignidade” (JORNAL DO RECIFE, 28 out.1892, p.3).

De toda a forma, o incidente incomum suscitou imediato apoio político para o governador do estado, especialmente o advindo do Partido Autonomista. No mesmo dia em que recebera o telegrama, o governador foi apoiado por “grande numero de cidadão(s) de todas as classes” que se dirigiram ao largo do palácio para ouvir a oratória de José Mariano Carneiro da Cunha em defesa da autonomia do estado. A multidão foi saudada pelo próprio governador, diretamente da sacada do palácio, antes de ser conduzida por José Mariano a cumprimentar o general Roberto Ferreira, o questor Julio de Melo e o ajudante de ordens de Barbosa Lima, o capitão Ottoni, o responsável por conduzir Martins Júnior ao palácio, se dispersando em frente à redação de A Provincia (DIARIO DE PERNAMBUCO, 26, out.1892, p. 2). Claramente organizada pela trupe marianista, a manifestação marcou o primeiro ato público de apoio ao governo, informando A Provincia que o auxilio obedecia à decisão do partido tomada na véspera em diretório. O apoio demonstrou que “o representante do governo e o representante do povo” esqueciam as “dissenssões partidarias, em nome dos altos interesses da patria” (JORNAL DO RECIFE, 30 out.1892, p.3). A manifestação marianista em muito se assemelhava à de 21 de abril de 1890, na qual este grupo político saíra em defesa

da permanência do marechal José Simeão no governo do estado66. O cenário certamente lembrava aos autonomistas da possibilidade de um novo golpe a ser efetuado com o apoio da guarnição federal, e seu apoio, se não programaticamente, fora estrategicamente aceito por Barbosa Lima “num momento em que perigavam as liberdades patrias” (DIARIO DE PERNAMBUCO, 10 nov.1892, p.3). Na avaliação dos históricos, incansáveis adversários do que chamavam de “Liga suíço-deletéria”, a aliança nada tinha de patriótica, limitando-se ao seu caráter pragmático.

Ligou-os o interesse. Havia de um lado o vacuo, o abandono, um grupo de suissos, um terceiro partido de entremez. De outro lado havia a sede do poder, a fome dos empregos, a nostalgia da corrupção e da anarchia. E desprezaram o passado, renegaram o Sr. Barão de Contendas, esqueceram andaimes descidos em noute escura e tenebrosa, desfizeram ninhos de ratazanas, perdoaram offensas reciprocas, e sellaram o facto negro e immoral (JORNAL DO RECIFE, 1 nov.1892, p.2)

Em carta política dirigida aos recifenses, José Mariano justificou sua visita à capital do estado, antes do fim das sessões na Câmara Federal. Voltara ao Recife para impulsionar a campanha eleitoral para os municípios, assim reconhecendo a oportunidade que se apresentava para o seu partido. Pela primeira vez desde a “lutuosa noite de 18 de Dezembro”, lhe pareceu que “as urnas se teriam de pronunciar livremente”. Estendendo sua visita alguns dias após o pleito, José Mariano o fez diante da “perturbação da ordem publica no alto sertão”, fato este que, em sua opinião, obedeceu “a um plano geral de anarchia com que se pretendia levar a effeito um novo assalto ao governo do Estado”. Com relação à sua aliança política com Barbosa Lima, defendeu-se da interpretação pragmática e do enfoque interesseiro apontado pelos históricos.

Nem eu nem o partido a que tenho tido a honra de pertencer temos tido com o actual Governador deste Estado approximações outras que não aquellas que em ocasiões bem solemnes nos tem sido aconselhadas pelo patriotismo a que, antes de tudo, obedecemos. E essas approximações teem sido feitas á luz do dia, á face do povo que nos julga, como o desempenho de um dever politico, mas nunca como uma transação ou conchavo do qual pretendiamos tirar proveito (DIARIO DE PERNAMBUCO, 13 nov.1892, p.2).

O líder autonomista também pretendeu, em sua carta política, desmentir qualquer influência sua sobre as decisões do governo do estado, limitando-se apenas a prestar o apoio

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público e formal, necessário à administração na realização de seus intentos, reformas e programas67.

A administração do Sr. Barbosa Lima tem corrido até hoje sob a exclusiva responsabilidade de S. Exc, dentro dos planos que S. Exc. se traçara ao ser eleito governador e fóra das nossas suggestões, quanto mais de nossa coparticipação [...] Em tres occasiões bem solemnes o nosso partido achou- se ao lado do governador do Estado, não obstante a separação que tem sabido guardar em tudo quanto se refere á sua administração e á sua política. Essas tres solemnissimas occasiões foram: quando o governador rompeu os laços que o prendiam ao partido que o havia elegido e precisava do apoio de todos quanto viam no partido da sanguinaria Junta o flagello e a infamação d’esta terra; quando o eleitorado do Recife foi constituido em juiz para, em um pleito eleitoral, tranformado em plebiscito, pronunciar-se sobre o acto da annullação dos Concelhos Municipaes; e finalmente quando, pela insolita audacia de um militar indisciplinado, foi o governador intimado a considerar-se preso em palacio, tendo a escolher entre o alvitre de obedecer á insolita ordem e passar o governo aos novos conquistadores ou o de reagir, por honra do cargo que occupava e dos brios do povo pernambucano, que jamais tolerará um segundo assalto dos assassinios de 18 de Dezembro (IDEM).

O episódio envolvendo o coronel Serra Martins foi dramaticamente importante para alertar os autonomistas e impulsionarem sua ação política. José Mariano, entretanto, estabelecia os limites e as condições em que esse apoio era possível. Auxiliaria o governador, embora ainda não pudesse reconhecer a legitimidade de sua eleição, vez que fora produto de um Congresso Legislativo “illegitimo”. Nesse sentido, fácil seria condenar Barbosa Lima, mas segundo pensava o líder autonomista, a politica não era “uma sciencia de theorias abstractas”, estando “subordinada á acção e á influencia dos factos”. A conjuntura, portando, levava os autonomistas a evitarem novo predomínio de seus inimigos, o que seria o mesmo de “ficar esta terra novamente entregue aos odios implacaveis so Sr. Ambrosio, aos planos olygarchicos do Sr. Sigismundo, ás ambições insaciaveis do Sr. José Vicente, á inepta desorientação do Sr. Martins”. Queriam reconquistar o governo, sem ações violentas, mas no “exercicio pleno e pacifico” de seus direitos, sem “concorrer para o descredito das instituições republicanas, como teem feito aquelles que querem aliás para si o monopolio das crenças republicanas” (IDEM).

67Na visão de Mário Mello, foi o próprio Barbosa Lima o responsável por atrair os autonomistas à sua agenda.

Sobre o assunto escreveu que: “Faltando-lhe amparo politico, Barbosa Lima atraiu o grupo indifferente de José Mariano e êste, que contava com inexcedível popularidade, concitou o povo a manter-se em guarda ao governador ameaçado” (MELLO, 1944b, p.146). Para Costa Porto, a aproximação dos autonomistas se fez “menos talvez, por honestidade do que por interesse”, sendo José Mariano “movido não apenas por intuitos nobres, mas, é lícito acreditar, pela ânsia de esmagar Martins Júnior, o inimigo por excelência, contra quem a tática é matar ou morrer” (PORTO, 1986, p.51)

O alcance da aliança, estabelecida em ocasiões formais, em momentos de luta comum com os republicanos liderados por Martins Júnior, não estava, entretanto, imune a constrangimentos. Acontecimento grave, mesmo para o nível da política local, a tentativa de assassinato do coronel e deputado estadual Coelho Cintra, tio do governador, expôs, conforme apontou o Jornal do Recife, a “qualidade dos aliados” de Barbosa Lima. O responsável pelo incidente foi ninguém menos que Francisco Torres, coronel da Guarda Nacional, muito ligado aos marianistas e também responsável pela confusão que resultou na polêmica com o questor Guedes Pereira. Torres, encontrando-se por acaso no estabelecimento comercial de seu irmão, nas proximidades do porto do Recife, avistou o coronel Cintra e gritou-lhe ofensas. Na tentativa de tomar satisfação, o coronel, que vinha da rua em direção ao citado estabelecimento, foi recebido a tiros, sendo ferido na cabeça, mas ainda assim conseguindo prender o agressor, que fora enviado ao palácio e conduzido à cadeia. O caso, relataram os

históricos, muito perturbou Barbosa Lima, e várias reuniões entre governistas e autonomistas

foram necessárias para mitigar o episódio, incluindo sua cobertura na imprensa. A Provincia, folha marianista, seguia afirmando que o caso nada tinha com a política, devendo ser julgado apenas pelos tribunais.

Depois do grave attentado que a população desta capital foi testemunha e de que foi protagonista o famigerado Chico Torres [...] vimos o Sr. José Marianno em conferencia com o Sr. Alfredo Falcão, um dos chefes do partido Annibal e Pernambuco. O resultado final desta conferencia não sabemos, porem nos garantem que as conferencias se succederam durante o dia e noute, e que por ora ficou assentado, Provincia relatar somente o facto sem commentarios, não atacando de nenhum modo o Sr. Barbosa Lima (JORNAL DO RECIFE, 12 nov.1892, p. 2)

Abafado o mal-estar, as tão adiadas eleições para as vagas de três senadores e um deputado federal, que haviam provocado o rompimento entre Barbosa Lima e os republicanos, finalmente se realizariam em dezoito de dezembro. A demonstrar a limitação do auxílio

autonomista ao governo do estado, o partido lançou chapa própria, indicando ao Senado

Federal os nomes de Arthur Orlando da Silva, João Barbalho Uchôa Cavalcanti e Gaspar Drummond. Para deputado, constava o nome de Lourenço Augusto de Sá Albuquerque. Alterando o procedimento para o qual lidaram com as eleições de setembro, os republicanos oposicionistas não se abstêm, colocando em campo a mesma chapa de outrora, com Albino Meira, Bernardo Câmara e Ulisses Viana à frente das vagas para a senatoria, e o nome de Martins Júnior para disputar a Câmara. Do lado governista, ou “republicano governista”, Francisco de Assis Rosa e Silva, Joaquim Pernambuco e José Simeão representavam as

candidaturas à Casa Alta, enquanto o nome de José da Cunha Rabelo saía para deputação no Rio de Janeiro. O pleito correu sem violências, mas o processo de apuração dos votos não deixou de suscitar acusações e rivalidades. Os autonomistas, por meio de A Provincia, apontaram o emprego, pelos governistas, da “maxima pressão official sobre o eleitorado e principalmente sobre os empregados municipaes e os do Estado”, chegando mesmo a se praticar a falsificação de atas, assim alterando o resultado da eleição. Tais pontos foram contestados pelos “amigos do governo”, que, a demonstrarem falsa a asserção, alegavam ter sido o resultado eleitoral no Recife favorável aos autonomistas, informação salientada pelo fato de ser o eleitorado da capital composto “em que grande parte” de empregados públicos. O resultado final, após longos dias de apurações, ficou finalmente conhecido em 31 de dezembro, quando não mais podiam influir na colocação dos candidatos as votações restantes. A chapa governista, como bem salientou o Jornal do Recife, foi derrotada, sendo eleito apenas o republicano Joaquim Pernambuco, ainda que com a maior votação para o Senado, e sem pertencer a nenhum partido. As outras duas vagas para a senatoria foram preenchidas por

autonomistas, representadas por Gaspar Drummond e João Barbalho. Para deputado federal,

prevaleceu outro autonomista, Lourenço de Sá, com larga vantagem68. Estava assim terminada a eleição parcial para representantes federais, ficando de fora os republicanos

históricos69 que tinham como certo, nos idos de 1892, um resultado favorável às suas pretensões. Gozavam ainda, no entanto, de alguma influência no Rio de Janeiro e tinham as simpatias do comandante militar do 2º distrito, fatores que se aliavam à plataforma por eles exercida no Legislativo, que em breve resumiria suas sessões, na longa luta política contra o governador.

68Referente à edição de 31 de dezembro, o resultado parcial dá conta das distâncias entre os candidatos. Para o

Senado, Joaquim Pernambuco ficava com 12.635 votos, seguido por Gaspar Drummond (11.280) e João Barbalho (10.245). O Marechal Simeão obteve apenas 5.805 votos, enquanto Rosa e Silva, logo abaixo ficava com 4.687. Artur Orlando, também autonomista, obtivera significativa votação no Recife, mas no cômputo geral, somava a preferência de apenas 3.675 eleitores (DIARIO DE PERNAMBUCO, 31 dez. 1892. p.2).

69Nesta eleição não se obervaram, praticamente, votos nos candidatos históricos. Decidiram os mesmos

reorganizar mesas eleitorais previamente escolhidas pelos antigos conselhos municipais. Ficaram, assim, fora da contabilidade oficial.