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CAPÍTULO II PERNAMBUCO NA ERA REPUBLICANA: DA PROCLAMAÇÃO À

2.1. A NOVA ORDEM REPUBLICANA NO ESTADO

Amplamente ressaltada na historiografia, a transição do regime monárquico para o republicano não provocou, em qualquer parte do país, maiores resistências ou tumulto na ordem das coisas. A célebre expressão utilizada pelo jornalista Aristides Lobo para descrever um povo “bestializado” – sem participação direta nos acontecimentos de 15 de novembro, e desinteressado em defender o papel do imperador Pedro II nos rumos da nação, continua, descontado o calor da escrita da época, com um efeito de verdade muito poderoso.

Em Pernambuco, o rumo da transição política não foi diferente. O telégrafo, mais rápido meio de comunicação disponível na época, trazia a notícia dos acontecimentos do Rio de Janeiro, causando agitação nos republicanos históricos minoritários na província nortista. Publicadas na imprensa no dia seguinte, pequenas notas anunciavam a deposição do ministério Ouro Preto e a proclamação da República, sem destaque e sem análises, dada a brevidade dos acontecimentos, ocorridos na madrugada. A informação, publicada na coluna

respectiva às comunicações telegráficas, ficava nesses termos, na edição do Diario de

Pernambuco: “O General Deodoro foi à Câmara Municipal e aí proclamou a República,

havendo entusiásticas aclamações” (PORTO, 1986, p. 8). Sucinta, mas não menos impactante, a notícia, logo no dia 16, coloca em polvorosa os principais grupos políticos locais. Fortes agremiações partidárias no regime imperial, a liberal e a conservadora monopolizavam o poder político, atuando em favor da classe de latifundiários e mobilizando, quando possível, a classe de comerciantes urbanos do Recife e adjacências. Tinham profundas raízes, portanto, na elite local, sendo por isso colocados em suspeição diante do acontecimento da proclamação.

Nos últimos anos do Império, o Partido Liberal local emergira de uma profunda cisão. A ascensão do gabinete Sinimbu, em 1878, provocara-lhe a divisão entre as alas dos chamados cachorros ou democratas, liderados por Epaminondas de Barros, o Barão de Escada, e a ala dos leões, chefiada por Luiz Felipe de Souza Leão. A dissidência terminou por assumir contornos violentos durante as eleições para uma das vagas do Senado em 27 de junho de 1880 (PORTO, 1986). Na ocasião, a Matriz do Rosário, em Vitória de Santo Antão, testemunhou, durante votação, tiroteio entre partidários das duas alas, sendo assassinado o Barão de Escada e ficando gravemente ferido seu cunhado, o senhor de engenho Ambrósio Machado da Cunha Cavalcanti. Morto o líder dos cachorros, a ala dissidente praticamente se esgotou, reunindo-se os integrantes da agremiação na figura de Souza Leão. A liderança deste último, no entanto, não estava imune a contestações, sobretudo na capital pernambucana, cujo eleitorado era menos submisso à influência do latifúndio13. Neste espaço, a figura de José Mariano Carneiro da Cunha representava, ao lado de Joaquim Nabuco, a personificação da campanha abolicionista, fato que lhe conferiu grande popularidade na década de 1880. Nascido em 1850 no atual município de Ribeirão, e natural de uma família abastada, José Mariano parecia exceder seus compadres na conquista da opinião pública. Era frequentemente visto confraternizando com populares, o que parecia irritar colegas e fidalgos. Por vezes, era visto de braços dados com a conhecida “canalha” popular, e confraternizando às altas horas, em botecos, com tipógrafos e revisores de jornais. Seu ideário político, para além da questão abolicionista, centrava-se na busca por maior autonomia provincial, fonte de receita que

13A notícia do assassinato do chefe democrata causou rebuliço e violências na capital contra a família Souza

Leão. À época, o chefe do clã, Luiz Felipe, presidente do Tribunal da Relação, quase foi agredido no local de trabalho, por uma multidão vingativa. As descrições do tiroteio, na Matriz do Rosário, em Vitória de Santo Antão, relatadas na imprensa, mostram um conflito entre a força pública, estacionada no local com o aval do próprio Luiz Felipe, e a tropa reunida por Ambrósio Machado e o Barão de Escada. A luta desenrolou-se “diante dos altares, da imagem da Virgem, do Crucificado, dos santos”, mas durou pouco, assim que caiu o líder

financiava a riqueza e o florescimento da Corte. Exigia uma contrapartida da Coroa em se interessar de maneira efetiva e real pela sorte das partes integrantes do Império, concedendo- lhes benefícios materiais por meio dos impostos arrecadados. Expunha essas ideias em discurso na Câmara em 11 de junho de 1883, onde deixava clara sua insatisfação com os rumos da ordem imperial.

Não é com o seu rendimento, mas com o produto do suarento impôsto das províncias, que a côrte goza de enormes melhoramentos, que desfruta todos os gozos e tem construído êsses monumentos e luxuosos edifícios que contrastam com a miséria das províncias, e que só servem para atestar, no futuro, o renome do imperante que, durante o seu longo reinado, nada mais tem feito que o possa recomendar à posteridade, e absolvê-lo dos grandes males que tem causado a êste país (apud EMERENCIANO, 1950. p.104)

Durante a campanha abolicionista, José Mariano popularizou sua imagem, emprestando força política e eleitoral para Joaquim Nabuco nas eleições de 1884. O correligionário, projetado nacionalmente, não deixava de se incomodar, entretanto, com a progressão de José Mariano para o lado da República. Suas ideias liberais, com foco no bem estar das províncias, muito pareciam com os clamores dos republicanos – muitos destes, no entanto, não tinham a postura radical contra o regime escravagista. Advertia Nabuco, em carta pessoal nos fins de 1888:

Tu estás, neste momento, meu caro Amigo, numa posição dificil. És, positivamente a esperança dos republicanos e o teu pronunciamento teria a importancia de uma batalha perdida para a Monarquia e ganha para a Republica [...] Não te enganes! a causa do povo não é pela republica [...] qualquer que seja o carater democratico do movimento no Norte, no Sul êle é uma explosão de despeito e de rancor contra a Lei 13 de maio [...] No dia em que te vir passado para a republica, como os Republicanos esperam, terei pena do pobre povo do qual é um dos poucos sinceros amigos que tenho conhecido e terei pena de Pernambuco! (apud EMERENCIANO, 1950, p. 149-150)

O “Tribuno” como ficou conhecido José Mariano, estabelecera seu palanque na imprensa por meio da folha A Provincia, da qual era redator-chefe o coronel da Guarda Nacional José Maria de Albuquerque Melo, seu homem de confiança, segundo na hierarquia dos marianistas e que garantia ao primeiro um valioso auxílio nas polêmicas constantes com adversários.

Já os representantes do Partido Conservador em Pernambuco tinham no conselheiro João Alfredo Correia de Oliveira a sua liderança natural, desde que este assumira o gabinete imperial de 10 de março de 1888. Este tinha como braço direito uma figura em projeção, o conselheiro Francisco de Assis Rosa e Silva. Henrique Pereira de Lucena, o Barão de Lucena, era outro expoente conservador, que, no entanto, já contava os dias para o fim de sua carreira política, embora ainda tivesse representatividade comparável à de João Alfredo. Bem no início do novo regime, apressaram-se, assim como os liberais, a declarar sua adesão à República, embora tivessem preferido atuar de forma mais discreta, avaliando o cenário da política local.

De fato, chegada a República, o grupo dos republicanos históricos14, ainda impactado pela perda do líder Maciel Pinheiro, morto a 11 de novembro, é o único a colocar-se em projeção para assumir os negócios públicos. Adiantando-se a todos, José Isidoro Martins Júnior, a nova liderança do Partido Republicano, entra em entendimento com os comandantes dos corpos da guarnição local, que aderem à nova situação, tendo o inspetor do Arsenal de Marinha proclamado sua adesão à República neste mesmo dia. Martins Júnior é nomeado chefe de polícia e sua nova posição logra aparentar uma força de que, até então, o Partido Republicano local não dispunha. Ainda que, desde 1887, a agremiação começasse a ter um crescimento regular, não foi capaz – mesmo sustentando discurso em prol da classe latifundiária após a abolição - de obter um reforço satisfatório da elite econômica dominante (HOFFNAGEL, 1977). Um dos poucos senhores de engenho a aderir às fileiras do partido fora Ambrósio Machado da Cunha Cavalcanti, antigo político liberal que polemizara com José Mariano contra o ideal abolicionista, sendo um dos poucos pregadores de uma indenização aos proprietários de escravos pós-1888 em Pernambuco. De forma geral, poucos dos republicanos tinham contato com a classe senhorial e seu chefe, com apenas 29 anos de idade, ainda era visto como um homem muito pretensioso. Os republicanos permaneceriam, portanto, pequenos, uma vez que a República chegara rápido demais. Eram, segundo Robert Levine (1980), o grupo político mais fraco, correspondendo apenas a 21% da elite política entre o período de 1889 a 1930. Sofreriam, portanto, com a ausência de quadros eleitorais vistos como tal e, ciumentos com a República, restou-lhes apenas utilizar manobras políticas drásticas e desgastantes na tentativa de impedir a ocupação dos cargos políticos por antigos liberais e conservadores.

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2.2. A REPÚBLICA MARCIAL: O GOVERNO MILITAR E O EXCLUSIVISMO