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A formação cultural e política da Segunda Campanha de Nacionalização do ensino.

2.3. O Plano Nacional de Educação.

2.3.1. A Lei Orgânica do Ensino Secundário

A Lei Orgânica do Ensino Secundário57, 1942, propôs realizar algumas modificações sobre o modelo educacional vigente até então, estabelecido pela Reforma Francisco Campos, de 193158. O sistema educacional do início de 1930 propunha um ensino primário comum a todos os alunos, no qual, através de suas notas e qualidades escolares, seriam encaminhados para o ensino secundário ou para o ensino profissionalizante. Contudo, apenas os matriculados no ensino secundário teriam oportunidade de atingir o ensino superior. Cabe ressaltar que para o público feminino, após o ensino secundário, restava apenas um ensino profissionalizante dedicado à instrução para os cuidados da família. Desta forma, a educação seguia uma divisão social e econômica do trabalho a serviço da nação, preparando indivíduos para o trabalho intelectual, por meio do ensino secundário, homens aptos a integrar a classe trabalhadora do país e mulheres destinadas ao zelo do lar, por meio do ensino profissionalizante.

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“Em 1942, por iniciativa do então Ministro de Vargas, Gustavo Capanema, começam a ser reformados alguns ramos do ensino. Ainda uma vez o Governo preferia conduzir-se para o terreno das reformas parciais, antes que para a reforma integral do ensino, como exigia o momento. Essas reformas, nem todas realizadas sob o Estado Novo, tomaram o nome de Leis Orgânicas do Ensino. Abrangeram elas todos os ramos do primário e do médio, foram complementadas por outras [...] decretadas entre os anos de 1942 e 1946. Assim, pois, durante os três últimos anos do Estado Novo, foram postos em execução os seguintes decretos-lei: a) Decreto-lei 4.073, de 30 de janeiro de 1942: - Lei Orgânica do Ensino Industrial; b) Decreto-lei 4.048, de 22 de janeiro de 1942: - Cria o Serviço de Aprendizagem Industrial; c) Decreto-lei

4.244, de 9 de abril de 1942: - Lei Orgânica do Ensino Secundário; d) Decreto-lei 6.141, de 28 de

dezembro de 1943: - Lei Orgânica do Ensino Comercial;” (ROMANELLI, 1978, p. 154, grifo nosso). 58

Conforme já foi discutido, a nova realidade brasileira passou a exigir uma mão-de-obra especializada e para isso era preciso investir na educação. Sendo assim, após a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, em 1930, o governo provisório sancionou decretos organizando o ensino secundário e as universidades brasileiras ainda inexistentes. Estes Decretos ficaram conhecidos como "Reforma Francisco Campos”: - O Decreto 19.850, de 11 de abril, cria o Conselho Nacional de Educação e os Conselhos Estaduais de Educação (que só começariam a funcionar em 1934). - O Decreto 19.851, de 11 de abril, institui o Estatuto das Universidades Brasileiras que dispõe sobre a organização do ensino superior no Brasil e adota o regime universitário. - O Decreto 19.852, de 11 de abril, dispõe sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro. - O Decreto 19.890, de 18 de abril, dispõe sobre a organização do ensino secundário. - O Decreto 21.241, de 14 de abril, consolida as disposições sobre o ensino secundário.

Entretanto, o grau de importância atribuído pelo governo a estes dois ciclos escolares – secundário e profissionalizante – apresentava disparidades consideráveis. Enquanto eram exigidos para o ensino secundário professores com formação superior selecionados por meio de um concurso supervisionado pelo próprio governo federal, percebe-se que o profissionalizante era um ensino “de segunda classe, sobre o qual o ministério colocava poucas exigências, nem sequer previa uma qualificação universitária e sistema de concursos públicos para seus professores como deveria ocorrer com o ensino secundário” (SCHWARTZMAN, 2000, p.206).

A Lei Orgânica do Ensino Secundário, ou “Lei Capanema” (BARBIERI, 1979), consagrava uma divisão do secundário distinta da proposta da Reforma Francisco Campos. Enquanto esta disponibilizava o ensino secundário apenas para quem fosse seguir seus estudos no ensino universitário, a proposta do ministro Capanema era oferecer um secundário composto de dois ciclos: um primeiro de cinco anos que deveria ser feito em comum por todos os alunos e um outro ciclo de dois anos, dividido entre o clássico e o científico, destinado a preparar o público escolar que prosseguiria seus estudos na universidade. Conforme aponta Schwartzman:

Desta forma, os cursos ginasiais, obedecendo a um programa mínimo comum em todo o país, e controlados pelo ministério, também funcionariam como habilitação básica para os cursos profissionais de nível médio. Isto, para o ministro, viria concorrer para a maior utilização e democratização do ensino secundário, que assim não terá como finalidade apenas conduzir ao ensino superior (SCHWARTZMAN, 2000, p. 207).

Além disso, atenta-se para o fato de que os ensinos primário e secundário repousavam numa base comum, uma vez que “não há povo em que não exista certo número de idéias, sentimentos e práticas que a educação deve inculcar a todas as crianças, indistintamente, seja qual for a categoria social a que pertençam (DURKHEIM, 1958, p. 64)”. Portanto, ambos constituíam um estratégico bloco

educacional criado pelo governo Vargas, que afirmava ser necessário incutir na formação dos jovens um conhecimento sobre a história do Brasil, as particularidades de sua geografia e a importância da cultura nacional, antes de especializá-los através do ensino profissionalizante ou universitário. Segundo Lourenço Filho, em 1939, o projeto educacional do governo tinha como

[...] fito capital homogeneizar a população, dando a cada nova geração o instrumento do idioma, os rudimentos da geografia e da história pátria, os elementos da arte popular e do folclore, as bases da formação cívica e moral, a feição dos sentimentos e idéias coletivos, em que afinal o senso de unidade e de comunhão nacional repousam (FILHO apud SCHWARTZMAN, 2000, p. 93).

Um outro ponto na Lei Orgânica do Ensino Secundário foi a importância dada à formação humanística clássica, em oposição à formação técnica que acusavam a Reforma Francisco Campos de realizar. Esta modificação, segundo o ministro Gustavo Capanema, era para atender às necessidades dos alunos de conhecer as culturas clássicas que originaram a civilização ocidental, além de demonstrar a eles as similitudes apresentadas entre a cultura brasileira e as principais culturas ocidentais. O ensino secundário deveria, ainda, não perder o enfoque de oferecer aos alunos uma formação moral e ética pautada na crença religiosa, familiar e na fidelidade à pátria. Para o ministro Capanema

[...] qualquer escola, seja qual for o grau ou ramo de ensino [...], deve incluir no programa de seus trabalhos a educação moral. Não basta o saber e a técnica [...] A educação moral deverá despertar e endurecer no seu coração a virtude [...] que o ensino religioso é das bases mais sólidas (Conferência no Colégio Pedro II apud SCHWARTZMAN, 2000, p. 209)

Nota-se que sob influência católica o ensino secundário caminhou para uma formação clássica e humanista, pois visava manter a proposta de tornar este nível educacional como o responsável por preparar as elites condutoras do país, enquanto a grande parcela da população tinha apenas a oportunidade de sair do primário para o

ensino profissional – comercial, agrícola e industrial –. Diante deste fato, nota-se que as propostas da Lei Capanema em democratizar o acesso ao ensino escolar tiveram poucos avanços em relação à Reforma Francisco Campos.

O ensino secundário, caracterizado como um ensino literário e preocupado com a formação pessoal para gerar a classe intelectual da nação, ou seja, aquele em que o governo em parceria com a Igreja Católica investia um maior Capital Cultural (BOURDIEU 1989), ficou voltado às famílias dotadas de um maior Capital Econômico (BOURDIEU 1989); já o ensino profissionalizante que seguia as propostas

pragmáticas da Escola Nova em educar indivíduos para a vida coletiva foi destinado à população que detinha pouco Capital Cultural e, sobretudo, Econômico para avançar em seus estudos. “Desta forma, o ensino médio profissional nunca chegou a ter os recursos, a atenção e o envolvimento de pessoas motivadas e qualificadas para dar-lhe um mínimo de qualidade, apesar das honrosas exceções de sempre (SCHWARTZMAN, 2005 d, p. 3).”

A Lei Orgânica do Ensino Secundário também demonstrava preocupações com o padrão e a qualidade do ensino secundário que era oferecido nas escolas públicas e particulares. O governo tinha interesse em saber se o quadro curricular, as horas de aula e a rigidez do ensino estavam sendo cumpridos rigorosamente pelos estabelecimentos escolares, já que agora a centralização e a homogeneização das escolas nacionais era uma realidade imposta por decretos-leis. Diante deste fato, o governo estabeleceu uma rede de inspeção escolar, que ficaria incumbida de realizar esta fiscalização.

Estes inspetores escolares deveriam realizar visitas nos estabelecimentos escolares particulares e públicos para conferir se o material escolar e as aulas ministradas pelos professores estavam de acordo com as exigências do governo, além de

avaliarem o conhecimento do professor e dos alunos, por meio de provas escritas e chamadas orais; caso contrário, a escola seria penalizada e/ ou fechada.

2.3.2. A Comissão Nacional do Ensino Primário e a Lei Orgânica do Ensino