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O processo de nacionalização da cultura teuto-brasileira para além da escola.

A Segunda Campanha de Nacionalização do ensino nas escolas sulistas.

E. K O professor, do jeito que ele sabia Porque esses professores já estavam mais ou menos preparados, antes de vir da Alemanha para cá eles já aprendiam um pouco de português e nós

3.2. O processo de nacionalização da cultura teuto-brasileira para além da escola.

Antes de explicar as medidas políticas adotadas pelo Estado Novo para combater os militantes da NSDAP em solo brasileiro e nacionalizar os teuto-brasileiros simpatizantes, faz-se necessário realizar um breve retrospecto das influências que este partido alemão, depois de ascender ao poder em 1933, gerou no território brasileiro.

Na Alemanha do início da década de 1930, a propaganda política realizada pela NSDAP consistia em demonstrar ao povo alemão como este partido de cunho nacionalista estava erradicando do território nacional as mazelas sociais, culturais e econômicas obtidas com o término da Primeira Guerra Mundial. Segundo o próprio Partido, os principais elementos que possibilitavam esta restruturação nacional eram a união e a cooperação firmada entre a nação alemã e a própria NSDAP. Somente com a valorização dos legítimos traços da cultura alemã é que seria possível restaurar a dignidade alemã.

Sendo assim, pode-se dizer que as definições acerca do termo Deutschtum foram reelaboradas pela NSDAP, a partir do século XX. O caráter de identidade étnica, que tinha sido construído desde a Reforma Protestante e aprimorado no II Reich, havia sido substituído por uma dimensão política, centrada especialmente nos interesses expansionistas alemães. Valendo-se do estudo de Guibernau (1996) – Nacionalismos: o estado nacional e o nacionalismo no século XX –, pode-se considerar que a NSDAP propunha formular um estado legítimo (GUIBERNAU, 1996) no território alemão, ou seja, a proposta política do partido nazista confundia-se com a nação, seu interesse não era apenas de formar um elo político com os cidadãos alemães, mais sim de instituir uma relação de cumplicidade do partido com a cultura e a História alemã.

O resultado disso é a criação de alguma espécie de personalidade – “anglicidade”, “germanidade” -, que salienta as características dos

cidadãos de uma nação particular, comparados com os de outras. Nesse processo, o nacionalismo usa elementos preexistentes da cultura da nação, mas não apenas revive tradições, como também as inventa e transforma. O nacionalismo, nessa espécie de sociedade em que o estado se harmoniza com a nação, nem sempre bota as cartas na mesa. Mais propriamente, ele impregna a vida diária do estado nacional e só aparece em primeiro plano em situações específicas, quando a integridade do estado nacional está em perigo ou há a necessidade de defender certos interesses [...]. (GUIBERNAU, 1996, p. 69).

Dessa forma, as instituições culturais alemãs, tais como as associações recreativas e culturais, as escolas e até a igreja protestante tornaram-se possíveis canais políticos para o governo alemão divulgar suas idéias nacionalistas para a nação alemã.

Essa ação política servia, também, para as populações de cultura alemã situadas em território estrangeiro. Com isso, foi elaborado pelo governo hitlerista

Auslandorganization der NSDAP – Organização Estrangeira do Partido Nacional

Socialista dos Trabalhadores da Alemanha – (A.O.) (MAGALHÃES, 1998). Através desta organização, os objetivos do governo alemão eram obter informações sobre a possibilidade de realizar transações econômicas em solo estrangeiro, conseguir simpatizantes políticos, também, no estrangeiro e, com isso, formar um reservatório de cidadãos do Reich para o caso de haver necessidade de recrutá-los para um eventual conflito militar. Para isso, era necessário promover a filiação partidária dos interessados.

A A.O. é organizada pelo partido com o objetivo de realizar uma contrapropaganda sobre os discursos dos adversários do movimento nacional-socialista. Dentre os primeiros grupos do exterior, destacam-se os do Paraguai, fundado em 1929, da Suíça, em 1930, e da Argentina e Brasil, em 1931. (MAGALHÃES, 1998, p.135). Ocultado sob o discurso do Deutschtum, a A.O. divulgava, através de seus espiões, a necessidade dos portadores da cultura alemã espalhados pelo mundo demonstrarem fidelidade ao pangermanismo, que o governo alemão procurava revitalizar após o término da Primeira Guerra Mundial. Todavia, não recomendavam apenas a valorização da cultura alemã – jus sanguinis –, solicitavam, também, a

fidelidade ao Estado alemão – jus solis. Esta poderia ser feita através da criação de comitês filiados à NSDAP alemã e, consequentemente, da divulgação dos ideais nazistas entre os demais descendentes de alemães que desconhecessem as propostas do partido. Além disso, esta organização pedia que seus filiados estrangeiros não participassem da política local de seus países de hospedagem, deveriam servir apenas aos interesses do III Reich. Conforme as publicações da A.O., seus membros deveriam obedecer a “dez mandamentos”, como demonstra Magalhães (1998):

1. Respeita as leis do país em que és hóspede e não te intrometas na política interna; 2. Faze-te conhecido como partidário do NSDAP; (...) 5. Todo alemão no exterior é um partidário em potencial. Sê como um pastor entre ovelhas; (...)10. Sê calmo, ordeiro e pacífico – não participes de badernas (MAGALHÃES, 1998, p. 136)

O Brasil ganhava destaque nesta ação, pois além de oferecer uma posição estratégica no continente americano (HILTON, 1983), Hitler via, também, a possibilidade de recrutar a população teuto-brasileira para os interesses nazistas. Segundo MacCann (1995), os planos de expansão militar em solo brasileiro eram ousados.

Hermann Rauschning, líder nazista em Dantzig e amigo pessoal de Hitler, fez um relato interessante dos planos do Führer na Voz da Destruição: Ele estava particularmente interessado no Brasil. “Criaremos lá uma nova Alemanha”, bradou. “Encontraremos lá tudo de que necessitamos. Todas as pré-condições de uma revolução lá se encontram, revolução que em algumas décadas, ou mesmo anos transformaria o estado mestiço corrupto em domínio alemão... Nós lhe daremos...nossa filosofia...Se há um lugar em que a democracia é sem sentido e suicida, esse lugar é na América do Sul... Vamos aguardar alguns anos e, nesse interregno, fazer o que pudermos para ajudá-los Mas temos que enviar nossa gente até eles... Não iremos desembarcar tropas como Guilherme, o Conquistador, e dominar o Brasil pela força das armas. Nossas armas não são visíveis. Nossos conquistadores...têm uma missão muito mais difícil que a de seus antecessores e, por essa razão, dispõem de armas mais complexas”. Os conquistadores de Hitler eram os serviços diplomático e consular alemão, as organizações internacionais da NSDAP e outras agências do partido, além de associações culturais, econômicas e educacionais. A política nazista com relação ao Brasil tinha como objetivos a completa arregimentação das comunidades de língua alemã, a promoção de relações cordiais com o Brasil, a estimulação de atitudes

governamentais e populares favoráveis à política exterior de Hitler, relações comerciais mais cerradas e a infiltração de agentes e simpatizantes nazistas em posições-chave do Governo, das Forças Armadas e da economia. O objetivo final era a conquista e a dominação nazista para realizar o sonho do Führer da ditadura mundial. (MaCCANN, 1995, p. 71).

Como MacCann ainda demonstra, a investida dos representantes da NSDAP em solo brasileiro fora bem sucedida entre os teuto-brasileiros, pois havia controlado uma significativa parcela de associações e clubes, além de disponibilizar aos novos filiados políticos do nazismo acesso às estações de rádios pertencentes ao governo alemão92.

As transmissões, em geral, mesclavam música erudita e notícias destacando a atual situação de pujança alemã sob o III Reich93. Eventualmente, no Brasil eram transmitidos discursos de Hitler com posteriores cópias impressas gratuitas aos ouvintes. A sede em Berlim também se preocupava com a opinião dos ouvintes teuto-brasileiros, como revela a seguir a carta enviada pela transmissora a um ouvinte teuto-brasileiro, que residia em Santa Cruz do Sul – RS:

Supomos que lhe será agradável receber, regularmente, nossos programas impressos e demos instruções a nossa seção de expedição para que lhe faça a respectiva remessa. Anexo, lhe remetemos um questionário a fim de ser preenchido com as suas observações, desejos e sugestões. Como impresso, lhe remetemos um discurso pronunciado pelo nosso Führer em 28/4, recortes de jornais e dois artigos. O programa de julho [seguirá] nos próximos dias (PY apud NASCIMENTO, 2006, p.06).

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Não se infere daí que todos os alemães fossem simpatizantes do nazismo, mas sim que o nazismo se encontrava infiltrado nos mais importantes núcleos dos grupos teuto-brasileiros.

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Conforme demonstra Nascimento (2006), a propaganda era importantíssima para o governo nazista. Logo que foi criado o ministério de propaganda, Josef Goebbels passou a controlar a máquina de radiodifusão e reforçou os emissores de rádio tanto em número como em potência. “Nos anos anteriores à guerra os alemães criaram no estrangeiro um engenhoso sistema de relações públicas. Em 1934 o governo alemão gastou cerca de 260 milhões de marcos em propaganda fora da Alemanha. Também as embaixadas alemãs no estrangeiro foram dotadas de adidos de propaganda. Goebbels, então ministro do Reich, enviava instruções secretas sobre as orientações que deveriam ser dadas à propaganda as representações diplomáticas.” (NASCIMENTO, 2006, p.01). Joaquim Fest resume a importância da propaganda no III Reich: “A propaganda foi o gênio do nacional socialismo. Ela não foi apenas a determinante das mais importantes vitórias de Hitler. Mais que isso, ela foi a alavanca que promoveu a ascensão do partido, sendo mesmo parte de sua essência, e não simples instrumento de poder. É muito mais difícil compreender o nacional-socialismo através de sua nebulosa e contraditória filosofia do que pela índole de sua propaganda. Indo ao extremo, pode-se dizer que o nacional socialismo era a propaganda disfarçada em ideologia” (FEST apud Nascimento, 2006, p.06).

Segundo Nascimento (2006), o sucesso do programa diário em ondas curtas da Transmissora Alemã no Brasil foi tão grande que o chefe de policia no Rio Grande do Sul, Tenente-Coronel Aurélio Py, menciona em seu estudo (1942) – A Quinta Coluna no Brasil - que era alarmante o número de cartas que passavam mensalmente pela Repartição dos Correios com destino a estação com sede em Berlim.

Dessa forma, esse novo Deutschtum que chegava ao solo brasileiro começou a se fazer presente na cultura teuto-brasileira. Conforme as entrevistas demonstram, cidades teuto-brasileiras maiores como, por exemplo, Blumenau, se tornaram pólos irradiadores da NSDAP entre os teuto-brasileiros filiados ao partido nazista. Carros, caminhões e até vagões de trens partiam de cidades teuto-brasileiras situadas no interior catarinense com destino à Blumenau, a fim de promover encontros e debates políticos entre os filiados políticos. Pequenas células da NSDAP, situadas em cidades como, por exemplo, Presidentes Getúlio e Ibirama, também promoviam passeatas e encontros pela cidade.

Em geral, estas manifestações públicas eram constituídas por indivíduos que viam na NSDAP a possibilidade de se manterem fiéis ao seu Deutschtum. Contudo, havia também uma parcela de filiados políticos que demonstravam atitudes extremadas, conforme demonstra a entrevista realizada com a teuto-brasileira Eleonora Kaestner:

Gustavo Tentoni Dias A senhora se lembra de alguma manifestação deste caráter aqui em Presidente Getúlio?

Eleonora Kaestner Sim. Eu me lembro quando um dos membros deles morreu. No caminho para o cemitério, o caixão foi levado por simpatizantes de Hitler e tinha, também, uma grande bandeira com a suástica em cima do caixão.