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A formação cultural e social do grupo teuto-brasileiro

H. W A Igreja cuidava da saúde espiritual, a Escola da saúde mental e o Hospital da saúde física Isso era muito forte havia toda uma História da saúde muito interessante Sempre houve

1.2.5. As escolas Teuto-brasileiras ou “die Deutschbraslienertum Schulen”

1.2.5.1. As Escolas comunitárias ou “die Gemeindenschulen”

Tanto os alemães fixados nas colônias alemãs como os primeiros teuto- brasileiros demonstravam a necessidade de construir suas primeiras escolas, a fim de desenvolver a cultura alemã – jus sanguinis – em um solo considerado estrangeiro. Dessa forma, enquanto cidadãos brasileiros – jus solis – economicamente ativos reivindicavam por parte do governo brasileiro a construção de educandários que possibilitassem a promoção da cultura alemã e o aprendizado da língua portuguesa.

Tomando como base o estudo de Bendix (1996) – Construção Nacional e Cidadania – na qual o autor reflete sobre a organização da comunidade política na modernidade, pode-se afirmar que o acesso à educação reivindicado pelos colonos alemães e, posteriormente, pelos teuto-brasileiros junto às autoridades brasileiras pode ser analisado como um elemento constituinte dos direitos sociais; direitos esses que “vão do ‘direito ao bem-estar econômico e à segurança mínimos ao direito de participar inteiramente na herança social e a viver a vida de um ser civilizado, de acordo com os padrões prevalecentes na sociedade” (BENDIX, 1996, p. 111). Sob esta premissa, havia a reivindicação por estabelecimentos escolares, a fim de possibilitar aos membros do grupo étnico o acesso aos elementos básicos de educação.

O direito à educação básica é semelhante ao “direito de reunião”. Enquanto um grande contingente da população é desprovido de educação básica, o acesso às facilidade educacionais aparece como uma precondição de educação sem a qual outros direitos legais permanecem inacessíveis ao analfabeto. Fornecer os rudimentos de educação aos analfabetos aparece como um ato de liberação. Todavia,

os direitos sociais são distintivos pelo fato de, comumente, não permitirem ao indivíduo decidir se deve ou não tirar proveito de suas vantagens. Como a regulamentação legislativa das condições de trabalho para mulheres e crianças, o seguro compulsório contra acidentes na indústria, e medidas de bem-estar semelhantes, o direito a uma educação básica não se distingue do dever de freqüentar a escola. (BENDIX, 1996, p. 122).

Entretanto, as reivindicações destes migrantes alemães e dos teuto-brasileiros não foram atendidas. Essa omissão por parte do governo brasileiro ocorreu desde o início do período Imperial, primeira fase da imigração alemã para o Brasil, até o período da República Velha, governo marcado por políticas educacionais descentralizadoras e que, em virtude disso, tiveram pouco impacto nas regiões de colonização alemã.

Os imigrantes pressionaram o Estado em favor de escolas públicas. Mas no período mais intenso da imigração, a partir de 1890, o Brasil tinha um sistema escolar altamente deficitário, com uma população de mais de 80% de analfabetos. Não tendo condições ou política prioritária para a oferta de escolas, o governo estimulou os imigrantes a abrirem escolas étnicas. O administrador de São Leopoldo, núcleo original dos imigrantes alemães, no Rio Grande do Sul, queixando-se ao Presidente da Província da deficiência de escolas públicas, relatou que havia apenas três destas em relação a 23 escolas da imigração alemã, das quais apenas uma ensinava em português. Por isto pedia um decreto obrigando o ensino da língua nacional nas escolas da imigração. Contra sua expectativa, o Presidente da Província permitiu o ensino em alemão também nas escolas públicas da região colonial (Carneiro apud Kreutz, 2006, p. 03).

Em decorrência da postura adotada pelas lideranças políticas brasileiras, como o exemplo acima alude, os próprios colonos alemães e os teuto-brasileiros optaram por fundar suas escolas. Conhecidas como Gemeindeschulen – escolas comunitárias –, estes educandários tinham como objetivo oferecer o ensino primário ao público jovem local, já que, não existindo um sistema educacional oferecido pelo governo brasileiro, não seria possível alfabetizá-los senão deste modo. Através da criação de um estatuto próprio, estas escolas procuravam estabelecer regras internas, a fim de que seu funcionamento pudesse ser eficiente. Este foi o caso da Escola Particular do Ribeirão da

Onça, fundada no antigo distrito homônimo, pertencente ao município de Hamônia. Segundo o regulamento interno da escola,

§3 O fim desta Communidade é o de ministrar à juventude uma boa instrução escolar, de accôrdo com as leis do paiz. Afim de ser realizado este desígnio, será construído um edifício escolar, serão adquiridos os utensílios escolares necessários,e contratado um bom professor.(ESTATUTOS, s/d).

Sua manutenção era feita através da arrecadação mensal de donativos doados pelos próprios moradores da colônia.

§4 poderá ser sócio da Communidade escolar todo morador deste distrito, de idade maior, gozando boa reputação, mediante declaração ao Presidente da Communidade, da sua adhesão, e pagando a jóia estipulada. Em caso de dúvida decidirá a assembléia da Communidade sobre a entrada do novo sócio. §5 Todo o sócio se obriga a mandar pontualmente às aulas seus filhos, que tenham a idade própria de accôrdo com a lei; ao pagamento pontual e regular das suas contribuições, como também salvaguardar os interesses da Communidade, tanto quanto lhe for possível. Sócios sem propriedades pagam mensalmente. (ESTATUTOS, s/d).

A direção escolar era composta pelo presidente, o secretário e o tesoureiro. Geralmente os próprios membros da comunidade assumiam este cargo. A votação para a escolha destes membros era realizada por uma assembléia ordinária, e os candidatos eleitos pela maioria dos votos administravam a escola por dois anos. Ficava sob responsabilidade do presidente marcar as assembléias da escola, além de realizar a votação dos “projetos apresentados pelos sócios” (ESTATUTOS, s/d). O presidente por si só poderia decidir sobre os gastos que a escola deveria realizar, caso o valor fosse inferior a 80$000; do contrário, ele deveria ter autorização da assembléia da “Communidade escolar”. Já o secretário era responsável por realizar a redação das atas das assembléias gerais e as da diretoria. Ficava, ainda, incumbido por todos os trabalhos de escrituração. Por fim, o tesoureiro era responsável por cobrar e administrar as “jóias” e as contribuições mensais destinadas à escola. Além disso, deveria realizar o

[...] pagamento do salário do professor e das contas legitimadas pelo presidente; procederá à escrituração pontual e rigorosa de todas as despezas e receitas, apresentando à assembléia geral o devido balancete. Para a revisão do caixa a assembléia geral elegerá, por meio do voto secreto, dois sócios, que não poderão pertencer à diretoria. (ESTATUTOS, s/d)

Apesar de demonstrar uma organização burocrática estas escolas, como demonstra Rabuske (2003), constantemente passavam por dificuldades financeiras e, consequentemente, sofriam com a falta de material didático e de recursos humanos, como, por exemplo, a contratação de professores.

Diante desta situação, para preencher a vaga de professor nas Gemeindeschulen recorria-se à contratação de qualquer pessoa da própria colônia que possuísse habilidades mínimas para ocupar o cargo. Neste caso, a diretoria escolar ficava responsável pela seleção e contratação do docente19. Como demonstra Paiva:

Os professores eram quase que exclusivamente recrutados entre indivíduos incapazes para o trabalho agrícola (seja pela idade, seja pela compleição física) ou entre aqueles que, recém-imigrados, ainda não tivessem encontrado uma ocupação definitiva. Estes primeiros professores não dispunham de qualquer formação pedagógica e eram frequentemente limitados em educação escolar. Professores leigos e

Gelegenheitslehrer (professores de ocasião) continuarão constituindo

a regra nas escolas de língua alemã até mesmo na década de 1930 (PAIVA, 2003).

O professor contratado deveria prestar contas constantemente à diretoria, que, por sua vez “fiscalizava-lhe o desempenho, vigiava-lhe a conduta, garantia-lhe a remuneração que considerasse condigna. E no caso de não satisfazer às expectativas, era ainda a diretoria da escola que tratava de sua substituição. Esta era a escola comunitária.” (KOCH, 2003, p 70).

Conforme já citado, os recursos econômicos destinados às Gemeidenschulen eram parcos, o que fazia necessário encontrar soluções paliativas para superar este

19

Como forma de atrair pessoas para estes cargos, a diretoria oferecia ao docente uma moradia e uma área de terra em que sua família pudesse trabalhar e se sustentar.

problema. Como relata Wiese (2004) a respeito da fundação da primeira escola na colônia de Neu-Zürich – atual município de Presidente Getúlio:

A fundação da escola foi descrita por Frederico Kilian. Eis o texto: _ O problema para o momento era: ‘Como conseguiremos um prédio escolar? ’ _O colono Grage havia construído, além de sua casa também um estábulo para a criação de porcos, que pretendia iniciar, porém ainda não estava ocupado com tais animais grunhentos. _ ‘Que tal Grage’, exclamou um dos colonos, ‘Se você pusesse o estábulo à disposição para servir de sala de aula da nova escola? Pois por enquanto não tens porcos para abrigá-los nele’. A proposta agradou a todos e foi aceita pelo colono Grage e assim o chiqueiro transformou- se no primeiro instituto pedagógico de Neu-Zürich (WIESE, 2004, p. 84)

No que competia ao material escolar, havia também a dificuldade na aquisição de livros e demais materiais pedagógicos, tais como cadernos, Atlas escolares e mapas. Entretanto, além da restrição financeira, o problema da falta de meios de transportes era uma dura realidade, pois inviabilizava o acesso aos centros urbanos.

Por fim, é importante ressaltar que as Gemeidenschulen não apresentavam vínculo com instituições religiosas. Conforme alude Paiva (2003), o surgimento destas escolas remonta a um período anterior à atuação das igrejas protestantes e católicas.

Havia em algumas escolas teuto-brasileiras desse período o aprendizado do idioma português. O ensino desta língua compreendia os elementos básicos de leitura e escrita. Segundo Wiese (2004), diferentemente do ensino do alemão, a aprendizagem e o ensino da língua portuguesa eram tarefa difícil, pois os professores eram despreparados para o ensino deste vernáculo e, por este motivo, entre outros, os alunos apresentavam dificuldades na aprendizagem. Além disso, “as aulas de português aconteciam no máximo duas vezes por semana [...] não havia com quem travar conversações. Não bastassem os professores sem habilitação, havia ainda a falta de material didático, cartilhas e livros em português (WIESE, 2004, p. 99)”.