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A formação cultural e política da Segunda Campanha de Nacionalização do ensino.

2.1. Breve histórico do surgimento do governo Vargas.

O período histórico posterior à Primeira Guerra Mundial (1914-1918) caracterizou-se como um momento de rápida prosperidade econômica no mercado mundial. Todavia, foi um crescimento desproporcional, pois se de um lado as potências européias reerguiam suas economias nacionais à custa das punições impostas à Alemanha (através do Tratado de Versalhes), por outro lado, os Estados Unidos - que saíram ilesos da guerra e com sua economia fortalecida - alcançaram um crescimento próspero e sem preocupações, graças à exportação de seus produtos não só para a América Latina, como outrora, mas também para a própria Europa, transformando-se no maior produtor industrial e credor do mundo (HOBSBAWN, 1995).

Entretanto, esse boom econômico vivido pelos Estados Unidos teve vida curta, pois não só a Europa, mas todas as nações que realizavam a prática de mercado pautado no modelo liberal, demonstravam sinais de que seus sistemas econômicos haviam estagnado. As evidências deste colapso puderam ser sentidas na própria balança

comercial americana, que apresentou largos indícios de que a oferta de seus produtos superava a demanda. Esse fato foi o prenúncio da Crise de 1929, pivô da falência do modelo democrático liberal e responsável por gerar um ambiente de crise econômica mundial.

Diante deste esgotamento político e econômico, cada nação fez o possível para proteger sua economia, substituindo a concepção liberal de Estado mínimo por Estados interventores na economia nacional29. A Crise de 1929 surtiu efeitos arrasadores também nos países latino-americanos que apresentavam suas economias organizadas em torno do setor primário (como, por exemplo, a produção de café, trigo e açúcar) e que tiveram a procura por seus produtos suspendida. O resultado gerado foi o surgimento de líderes políticos que adotaram características do autoritarismo europeu e de suas lideranças carismáticas como modelos políticos a serem seguidos30. Contudo, diferentemente da Europa, os inimigos contra os quais eles lutavam não eram externos, mas as oligarquias rurais nacionais que haviam se formado historicamente nestas nações.

No caso do Brasil não foi diferente, pois, em virtude da crise política liberal- oligárquica suscitada durante a República Velha (1889-1930), evidenciava-se que não era mais possível o país viver da exportação de produtos primários, como o café, já que

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O projeto econômico promovido, em geral, era pautado na valorização da indústria nacional e no avanço tecnológico, peças fundamentais para o reaquecimento de suas economias nacionais e para a diminuição do desemprego interno. Houve, ainda, um discurso nacionalista preocupado em ressaltar a valorização do passado tradicional, rico em significados, diferentemente do século da industrialização e da Grande Guerra pelo qual a Europa havia passado. Desta forma, ao Estado coube liquidar, através de uma política nacionalista, a degeneração na qual a nação estava inserida.

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No continente europeu observa-se o surgimento de governos autoritários como o de Oliveira Salazar, em Portugal; de Francisco Franco, na Espanha; de Benito Mussolini, na Itália; e principalmente de Adolf Hitler, na Alemanha. Todos esses tinham em comum o fato de serem de extrema direita, autoritários e hostis não apenas à política liberal, mas às políticas comunistas também. Este estímulo criado em particular na Alemanha e na Itália recebeu apoio não só da classe empresarial, que via no governo autoritário a possibilidade de reerguer seus negócios, mas também da classe trabalhadora mergulhada no desemprego e de intelectuais conservadores preocupados com os rumos da nação. No caso da Alemanha, os números apontaram um crescimento significativo da economia durante essa fase de depressão econômica, além de uma recuperação social de proporções importantes para o país (HOBSBAWN, 1995). O triunfo econômico vivido por ambas as nações, no início da década de 30, resultou na projeção de seus sistemas políticos em âmbito internacional.

esta produção agrícola, atrelada à flutuante lei de oferta e procura do mercado, tornava a nação brasileira sujeita aos processos decisórios da economia internacional.

A indústria nacional brasileira caracterizava-se pela dependência desse setor agrário-exportador; suas atividades predominantes eram têxteis e alimentares e os ramos básicos da infra-estrutura industrial – siderurgia e mecânica pesada, por exemplo – não representavam qualquer contingente apreciável. Portanto, tratava-se de um setor secundário constituído por uma burguesia industrial subordinada às oligarquias dominantes – mineira e paulista – e sem condições de criar projetos próprios de desenvolvimento econômico para o país (FAUSTO, 1970).

A elite intelectual deste período também demonstrava insatisfação diante deste quadro político-nacional. Através de periódicos, divulgavam suas opiniões e esboçavam soluções para a superação da crise nacional. Todavia, como afirma Oliveira (1999), alguns destes autores (simpatizantes dos movimentos autoritários europeus e intelectuais católicos, por exemplo) não propunham uma transformação radical das estruturas sociais do país, como, por exemplo, a que uma revolução poderia proporcionar. A alternativa sugerida por muitos deles consistia em oferecer um novo pensamento à elite, porém sem retirá-la do poder31. Já os modernistas deste período, por exemplo, repudiavam o passado e valorizavam os aspectos da vida moderna, entendidos como a vida urbana e industrial, elementos tidos como essenciais para que o Brasil pudesse se inserir na moderna ordem mundial. Nesse sentido, a cidade de São Paulo era vista como o símbolo máximo desta nova estética.

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“Esses autores representam de forma exemplar o conservadorismo reformista da Primeira República, uma vez que propõem mudanças na ordem oligárquica então vigente. A mudança social é pensada como o desenvolvimento de um organismo em que é fundamental a existência de um cérebro, ou seja, a presença de uma elite estratégica que arroga a si o privilégio do poder. O papel dessa elite cultural e política está configurada na idéia de “civilizar por cima”. Tal visão é compartilhada por muitos pensadores, inclusive por aqueles que se integram no movimento de renovação católica iniciado em 1921, com a publicação da revista A Ordem, e reforçada no ano seguinte, com a criação do centro Dom Vital” (OLIVEIRA, 1999, p.85, grifo da autora).

Diante desse quadro de crise econômica mundial e insatisfação política nacional, argumentava-se sobre a necessidade de promover um mercado interno forte capaz de desenvolver o setor industrial através de um programa verdadeiramente nacional, o qual seria responsável por guiar a nação sob a égide de um Estado Forte. Com este discurso Getúlio Vargas sobe ao poder em 1930, por meio de uma revolução, respaldado pelo apoio dos tenentistas, das oligarquias periféricas e das classes industrial e trabalhadora. Dessa forma, como afirma Nogueira:

Rompe-se assim o quadro sócio-político no qual se realizava a dominação da fração cafeeira da grande burguesia agrária, que é forçada a ceder espaço para um heterogêneo bloco de forças impulsionado por um vago projeto de renovar os costumes políticos, reduzir o exclusivismo agrário e modernizar o País. A inexistência inicial de um programa de ação foi logo compensada pela afirmação de um claro ímpeto reformador. Aos poucos, foi-se configurando a imagem de uma revolução burguesa mais bem definida, direcionada para a ativação de uma nova economia e de uma nova forma do Estado. Embalado pela dinâmica da crise, o movimento revolucionário vitorioso desencadeia uma onda de entusiasmo modernizante e renovação, fazendo com que a sociedade conheça uma fase de experimentação, instabilidade e efervescência (NOGUEIRA, 1998, p. 26).

Além de propor um pleno desenvolvimento industrial através de transformações na estrutura socioeconômica do país e de um programa nacional burguês, a fim de superar a Crise de 1929, este novo governo comprometia-se, a princípio, a atender os interesses populares e oferecer maiores incentivos aos artistas e intelectuais. Para esta tarefa, os objetivos de nacionalização não se justapunham à proteção de concentração capitalista, mas condenavam-se os monopólios, trustes e organizações semelhantes. Nos horizontes ideológicos do programa nacional estavam as pequenas indústrias nas cidades e as pequenas propriedades agrícolas emancipadas do latifúndio rural (FAUSTO, 1970).

A ampliação do setor industrial, bem como as crescentes intervenções do Estado na economia e nos poderes decisórios locais, fizeram com que a unificação nacional

ganhasse novos contornos, pois a Revolução de 1930 visava fortalecer o poder central e eliminar o modelo federalista estipulado pela Constituição de 1891. Esta, por sua vez, estava pautado nos princípios da democracia liberal e era acusada de ter instaurado a desintegração nacional32. “Durante o período do Estado Novo, essa idéia foi amplamente difundida através dos aparelhos de propaganda oficial (principalmente o DIP) e dos discursos de Getúlio Vargas e de outras personalidades ligadas à ditadura, tais como Francisco Campos” (FILHO; BASSA, 2005). Com isso, essa nova classe dirigente nacional servia-se dessa ênfase para justificar o crescente fortalecimento do poder central dentro da federação. O resultado foi que a partir de 1930 os “enclaves regionais” (FILHO; BASSA, 2005) característicos da República Velha foram sendo sistematicamente integrados, por meio do novo sistema econômico nacional.

Após sete anos de transformações econômicas (1930-1937), o presidente Getúlio Vargas ressaltava a necessidade de reforçar seus poderes, pois pregava que um Estado interventor e centralizador é que poderia continuar a promover as reformas necessárias para modernizar o Brasil. Por meio de um golpe político dissolveu o Congresso, colocou na ilegalidade os partidos políticos e instituiu o regime ditatorial do Estado Novo, em 1937. Tais modificações proporcionaram o início da modernização capitalista de talhe abertamente conservador, reforçaram ao extremo a presença estatal na sociedade, impuseram séria derrota à democracia política e inseriram o país, sete anos após a Revolução de 1930, em um período severo e incisivo, revelando uma preferência pela ordem à liberdade.

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Por meio desta Constituição, a República Velha desenvolveu uma integração nacional caracterizada pela descentralização do poder federal em oposição à maior autonomia para os estados federativos, garantida por um discurso que valorizava as diferenças culturais, econômicas e geográficas de cada região. “O lema adotado pelos partidos republicanos, desde 1870, sintetiza bem essa idéia: ‘Centralização-Desmembramento. Descentralização-Unidade’ ”(FILHO; BASSA, 2005).

Finalmente, conforme atesta Miceli (1979), o período que sucedeu a Crise de 1929 inseriu o Brasil numa fase de decisivas mudanças no plano econômico, político e cultural:

As décadas de 20, 30 e 40 assinalam transformações decisivas nos planos econômicos (crise do setor agrícola voltado para a exportação, aceleração do processo de industrialização e urbanização, crescente intervenção do Estado em setores chaves da economia, etc.), social (consolidação da classe operária e da fração de empresários industriais, expansão das profissões de nível superior, de técnicos especializados e de pessoal administrativo nos setores público e privado, etc.), político (revoltas militares, declínio político da oligarquia agrária, abertura de novas organizações partidárias, expansão dos aparelhos do Estado, etc.) e cultural (criação de novos cursos superiores, expansão da rede de instituições culturais públicas, surto editorial, etc.) (MICELI, 1979, p. XVI).

Dentre as reformas centralizadoras desenvolvidas pelo governo Vargas estava a constituição de um projeto nacionalista também no campo cultural, pois, assim como o autoritarismo europeu, vislumbrava na educação civil um papel crucial para o cumprimento de seus objetivos.