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A Segunda Campanha de Nacionalização do ensino nas escolas sulistas.

E. K Durante o enterro, eles cantavam músicas nazistas (KAESTNER, 2005, 2° cassete sonoro Lado B).

3.2.1. As associações recreativas

Através das transformações administrativas e estatutárias sofridas pelas associações recreativas teuto-brasileiras, observa-se que não é plausível considerar que o Estado Novo, através da intervenção federal realizada no estado de Santa Catarina, tinha como objetivo único a problemática do idioma; como por vezes foi ressaltado, seu intuito era maior, pois pretendia por meio da desconstrução lingüística também o desmantelamento cultural e o da identificação do teuto-brasileiro com a pátria de origem. Esse desmantelamento se daria com a intervenção do exército nas associações recreativas, bem como nas igrejas protestantes. Para dar sustento a essa afirmação propõe-se analisar abaixo algumas descrições realizadas por Bruhns (1997) e Voigt (1996) sobre as proibições impostas pelo governo, assim como a substituição das lideranças de tais associações.

Bruhns (1997) apresenta em sua dissertação um grande número de associações recreativas de caráter esportivo e cultural que, durante a década de 1930, na cidade de Joinville, estavam em atividade, e que, mais tarde, com a instalação da Nacionalização,

em 1938, passaram a ser controladas por autoridades militares vinculadas aos interesses do Estado Novo.

Um dos exemplos seria a Sociedade Harmonia – Lyra que tinha como atividade a dança e acabou sendo acompanhada de perto pelo Estado. A requisição de inúmeras exigências legais fez com que ela tivesse o seu ritmo de apresentações diminuído.

A Harmonia Lyra, que passou a ser presidida pelo capitão Numa de Oliveira transformou-se em palco de bailes em homenagem ao presidente Getúlio Vargas, a datas comemorativas de heróis brasileiros. Geralmente, as peças teatrais eram apresentadas por Companhias de outras localidades, em português. Houve, portanto, uma intervenção de fora para dentro, nesses espaços de sociabilidade criados pelos imigrantes em Joinville. As regras que regiam a organização desses espaços – mantidas através da escrita (estatutos das sociedades) ou da oralidade (em sua maioria eram organizações feitas por pessoas de origem alemã e como tal regidas nesse idioma) – foram atingidas diretamente pelas novas normas governamentais, baseadas na unificação da língua (a língua portuguesa), incentivando a idéia da formação da nacionalidade ( BRUHNS, 1997, p.100).

Há também o caso da Deutscher Turnverein zu Joinville (Sociedade Ginástica de Joinville), criada para promover a prática da ginástica atlética em Joinville. Esta, em 1938, sofreu intervenção do governo para modificar sua denominação para Sociedade Ginástica de Joinville e substituir o seu presidente, Otto Pfuetzenreueter, pelo Tenente Lino da Costa Sobrinho. Já em 1942, em decorrência da Segunda Guerra Mundial, suas atividades foram suspensas, permanecendo assim até 1947, quando retomou às atividades.

Outro exemplo que Bruhns (1997) cita é o da Nur fuer Uns (Apenas para Nós), uma companhia de teatro amador que foi fundada em 1895. Durante o ano de 1937 foi considerada a companhia teatral de Joinville mais assídua em termos de apresentações, levando ao público três espetáculos: Zwei Wappen (Dois Brasões), Einsam (Solitário) e

Die Logenbrueder (Os maçons), contudo suas atividades foram encerradas em 1938,

Voigt (1996) em seu estudo sobre o município de Timbó comenta que “em julho de 1935, após a criação do Município de Timbó, foi fundada a Sociedade Esportiva e Recreativa Cedro, que era essencialmente um clube de caça e tiro. Apesar da Nacionalização já estar bem atuante, ainda era possível iniciar uma associação deste tipo” (VOIGT, 1996, p.120). Expõe, ainda, que esta sociedade conservou-se ligada ao modelo associativo clássico, com seus rituais bem detalhados, no caso a hierarquia dos membros, salvas com tiro em homenagens a lideranças comunitárias e discursos proferidos pelo comandante dos atiradores. Contudo, no início da década de 1940 tiveram início os fechamentos de quaisquer manifestações associativas deste gênero, e, em 1942, foi a vez da Sociedade Esportiva e Recreativa Cedro.

No Arquivo Histórico de Ibirama, por exemplo, foi possível consultar o estatuto da Sociedade de Atiradores Rio dos Índios, datilografado em 1926 e modificado pelo governo brasileiro em 1938. Dentre as modificações realizadas é possível constatar trechos de parágrafos que desagradavam o governo e que foram rasurados e reescritos novamente, além de exigir que a diretoria da Sociedade de Atiradores Rio dos Índios fosse composta por brasileiros natos. (ver figura 3.5)

Ao observar os exemplos citados sobre o funcionamento de algumas associações recreativas e quais as modificações sofridas durante a Nacionalização, faz-se a constatação de que há um elemento comum – o idioma – a todos estes diversos grupos culturais e esse é tido como o motivo da intervenção do Estado Novo. A língua alemã nesta região de Santa Catarina era uma marca comum das práticas do cotidiano dos indivíduos, não importava qual o papel social ou faixa etária destes. Contudo, pode-se crer que a língua não era o único empecilho para o governo; havia outro também: a capacidade de tais associações recreativas de garantir uma comunhão social imaginária do grupo.

Dessa forma, não bastava ao Estado Novo intervir nestes espaços de sociabilidade apenas por serem áreas onde a língua alemã era praticada, era necessário, também, eliminar o espírito coletivo que geravam entre os associados. Assim interveio no funcionamento de

tais associações, que regido por calendários que marcavam datas religiosas e festivas da sociedade, paralelamente ao calendário alemão, e impôs o calendário nacional.

Na década de 1930, era grande o número de sociedades joinvilenses em plena atividade, apresentando seus corais, suas peças teatrais, seus concertos sinfônicos e promovendo seus bailes públicos em comemoração às mais variadas datas, inclusive datas festivas alemãs (BRUHNS, 1997, p.99).

Tal afirmação pode ser reforçada, ainda, pelas modificações imediatas que eram realizadas assim que o novo presidente da associação recreativa, indicado pelo Interventor Federal, assumia o posto.

Esta questão não era outra senão a campanha de nacionalização, que vem empolgando todos os setores do Paiz e muito especialmente a região sulina, onde mais se faz sentir a influência no elemento estrangeiro. Disse a necessidade, urgente e imperiosa, de se amoldarem ás exigências das nossas leis. Os Estatutos da maioria das sociedades aqui existentes, frisando que, não obstante já terem algumas feito essa alteração, haviam ainda deixado pontos duvidosos, que precisavam ser esclarecidos e daí se tornar precisa, quanto antes, uma revisão acurada desses Estatutos.(...) Assim, urgia a adopção de medidas para que todas as sociedades cuja reforma de estatutos se impõe, tratassem de fazê-lo imediatamente, mas sob vistas de um official do exército, que ficaria á testa de cada sociedade, conforme resolvera o sr. general Meira de Vasconcelos (Jornal de Joinville, 28/05/38- n. 62- p.2 apud BRUHNS, 1997, p.99).

Figura 3.5 Trecho do Estatuto da Sociedade de Atiradores Rio dos Índios

Dentre as modificações que as associações recreativas deveriam realizar para continuarem funcionando, estavam incluídas a tradução dos estatutos da língua alemã para a língua portuguesa, a inclusão de associados brasileiros e a proibição dos costumes, práticas e tradições germânicas, responsáveis por reproduzir o Deutschtum.

Para um governo como o Estado Novo, que estava preocupado em eliminar qualquer forma de cultura alienígena que, segundo o próprio, pudesse comprometer a integração nacional e o avanço da NSDAP em solo nacional, tornava-se necessário eliminar qualquer projeção espaço-temporal que não acompanhasse o modelo nacional. Assim, associações culturais e esportivas como as acima mencionadas eram responsáveis, através de suas apresentações, por atualizar constantemente o calendário particular do grupo teuto-brasileiro com a cultura alemã.

Constatou-se através de tais evidências recolhidas em trabalho de campo que o tempo social reproduzido através do calendário alemão – Kalender - de tais grupos tornava-se um empecilho quanto ao uso do idioma para o Estado Novo, pois este calendário era a afirmação da particularidade, uma vez que, através da valorização de seus símbolos, ritos de origens desempenhavam a atualização de sua identidade e sem dúvida proporcionavam uma identidade local e particular que estava mais próxima da identidade nacional alemã do que da identidade nacional brasileira, e que acabava influenciando a própria formação cultural da juventude teuto-brasileira.

Eliminar, portanto, esse Kalender e inserir o calendário nacional, com datas como: o 7 de setembro, o 21 de abril e o dia do presidente e, ainda, tornar obrigatório nestas datas desfiles militares e escolares acompanhados da bandeira nacional seria marcar a presença da cultura nacional sobre a alemã e a comprovação de que as manifestações públicas teuto-brasileiras que pudessem ter vínculos com a NSDAP fossem eliminadas.

É importante ressaltar que peças de teatro, por exemplo, ganharam um papel de destaque para o Estado Novo, pois, sendo encenadas em língua portuguesa, essas peças educavam no idioma oficial tanto aqueles que as assistiam quanto os que as encenavam, além de suscitar questões nacionais, como a composição racial do país e fatos históricos marcantes na história do Brasil. Essas práticas ajudavam, ainda, a integrar os teuto- brasileiros à realidade sócio-política nacional.

Apesar das dificuldades que tal grupo sentia por ter que readaptar suas referências culturais às novas imposições recebidas, essas não foram extintas completamente. Diferentemente do que considera a autora Petry (1982), que, ao se referir às mudanças ocorridas durante a Nacionalização, demonstra que,

[...] com os clubes tradicionais fechados, impedidos de falar a língua que sabiam, proibidas as aglomerações e reuniões públicas, toda a vida social e recreativa se extinguiu. A maioria da população, temendo represálias, não saia de casa a não ser em casos de necessidade, receando expor-se à prisão e outros embaraços com as autoridades brasileiras. Nas sociedades e nas ruas havia silêncio e insegurança. Em casa o medo; no comércio, pouco movimento; nas indústrias, a fiscalização (PETRY, 1982, p.85).

A repressão sofrida pelo grupo teuto-brasileiro fez com que suas manifestações culturais sofressem uma sensível diminuição, pois necessitavam da autorização de autoridades públicas para poder continuar a existir. Todavia, esse cerceamento imposto pelo governo a tal grupo não significou que os indivíduos que o compunham tinham sido despojados de seu universo simbólico cultural, que os caracterizava como teuto- brasileiros; sua constituição cultural manteve-se, embora latente no espaço público, e era constantemente atualizada no espaço privado.

A organização social desse grupo, portanto, esteve passível de sofrer modificações no curso da história, devido aos empréstimos e às reacomodações culturais, entretanto permaneceu com sua identidade estabelecida. A ruptura com a língua e com as associações recreativas, produtoras da comunidade imaginária do

grupo, auxiliavam enquanto sinais diacríticos dos teuto-brasileiros, porém não podem ser vistas como o próprio grupo, pois mesmo após inúmeras sanções sofridas tais indivíduos permaneceram como teuto-brasileiros.

Durante os oito anos em que ocorreu a perseguição aos nazistas no Brasil, para alguns autores como Petry (1982) houve um vazio, os teuto-brasileiros ficavam recolhidos em casa e a vida social foi silenciada. No entanto, as entrevistas realizadas em trabalho de campo demonstram que as manifestações culturais e artísticas de tal grupo durante o período discutido continuaram a existir e não foram extintas ou silenciadas. Um exemplo desse fato foi a permanência da Noite Cultural relatada pelo teuto-brasileiro Carl Ernst Hoppe, porém, essas manifestações sofreram sensíveis mudanças, mas não foram extintas, pois durante esta fase tais grupos continuaram a existir, salvo aqueles que não aceitaram as mudanças impostas. Contudo, além de terem que se adequar à língua portuguesa tiveram que se inserir numa dinâmica temporal e espacial nova. Tais percepções seguiriam as regras do Estado Novo, as datas (tempo) comemoradas seriam as da nação e os momentos históricos também.