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CAPÍTULO 1 – CONSCIÊNCIA E EXPERIÊNCIA DO DIREITO

1.3. A norma fundamental e os pressupostos do conhecimento do direito.

1.3.5. A Limitação do Positivismo Jurídico

Apenas na fase tardia de seu trabalho Kelsen se dedicará de fato ao ajuste da relação entre essas duas diretrizes metodológicas de sua teoria jurídica, buscando adequar o princípio da unidade lógica do ordenamento, associado à ideia do sistema geral e coerente de representação conceitual das normas do direito positivo, com o referido problema concreto das possíveis prescrições normativas opostas, que poderiam ostentar igual pretensão de validade no interior desta unidade teórica. Na busca por esta solução, já em sua dita fase cética e agora no âmbito da TGN, ao que tudo indica, o autor caminhava enfim para o abandono da caracterização do componente constitutivo da descrição jurídico-científica como princípio epistemológico-transcendental.

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Cada vez mais, Kelsen parece enfatizar aquilo que ele mesmo reconhece como “os limites” do positivismo jurídico (KELSEN, 2005, p.572/573), associados em primeiro lugar à natureza epistemológica da norma fundamental como pressuposto lógico-transcendental do ordenamento jurídico. No sistema teórico da TPD, esse princípio constitutivo de toda a representação conceitual do direito, pensado aqui como sistema ordenado de normas coercitivas da conduta humana, não pode ser caracterizado como um mandamento jurídico- positivo, pois é antes de tudo condição da própria positividade do direito. Por conseguinte, a natureza da norma fundamental inicialmente se define nos termos de um “pressuposto” ou de uma “hipótese” lógica para a construção de qualquer conhecimento objetivo do fenômeno jurídico, que se impõe a todos a partir de uma mesma estrutura fundante da racionalidade geral da experiência humana.

No entanto, já na fase mais avançada de suas reflexões, Kelsen concede que, se de fato não há identificação da norma fundamental com o direito positivo, devendo esta ser tomada apenas como a condição epistemológica não posta e sim pressuposta pelo conhecimento jurídico, seria inevitável reconhecer, por fim, que: “(...) isso demonstra claramente a limitação da ideia de ‘positividade’ jurídica” (KELSEN, 2005, p.573). Uma vez que, na qualidade de categoria do conhecimento, a norma fundamental, não sendo passível de positivação expressa, deve constituir a causa de um efeito dado, ou seja, conforme a estratégia do argumento kantiano, ela deve constituir a causa da ciência do direito como conhecimento sistemático de normas postas, as quais condicionam a experiência do fenômeno jurídico na realidade social. Nesse sentido, talvez para o espanto de muitos de seus interlocutores, Kelsen concluirá no apêndice da versão americana da TGDE que a norma fundamental: “(...) é válida, então, como uma norma de Direito natural, separada de sua validade meramente hipotética. A ideia de um Direito positivo puro, assim como a do direito natural, tem a sua limitação” (KELSEN, 2005, p.573).

Contudo, a limitação do positivisto revela-se também em outro aspecto não menos relevante, ligado à natureza essencialmente conflituosa do direito e à eventual possibilidade da representação desse conflito imanente no plano teórico do conhecimento jurídico, por meio da sistematização das categorias conceituais da ciência do direito. Pois ao final, por uma exigência do método crítico-transcendental, Kelsen parecia obrigado a aceitar, mesmo a contragosto, que nada obstante o declarado propósito da descrição “neutra” idealizada pelo conhecimento científico do direito, isso não implica – como deveria – que a norma

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fundamental possa: “(...) significar meramente o estabelecimento de um órgão legislador.” (KELSEN, 2005, p.573).

A norma fundamental, como não bastasse, deveria prover algo mais e, diante disso, inevitavelmente extrapola a função de engendrar o “mero conhecimento”, ainda que constitutivo, de seu objeto. Ela deveria garantir também a unidade da representação sistemática do ordenamento jurídico, como totalidade isenta de contradições:

A norma fundamental não pode ter a função de garantir a ‘justiça’ desse sistema. Isso seria irreconciliável com o princípio da ‘positividade’. Ainda assim, se o sistema de normas jurídicas positivas, eirigido sobre a norma fundamental, deve ser um todo significativo, um padrão compreensível, um objeto possível de cognição em qualquer sentido (uma pressuposição inevitável para uma ciência jurídica que, para o propósito de compreensão, usa a hipótese de norma fundamental), então a norma fundamental deve prover isso. Ela tem de estabelecer não uma ordem justa, mas uma ordem significativa. Com o auxílio da norma fundamental, os materiais jurídicos apresentadados como Direito positivo devem ser compreensíveis como um todo significativo, isto é, devem se prestar a uma intepretação racional. (KELSEN, 2005, p.573/574).

Fosse indentificada com um puro princípio de delegação da positividade, preocupada em garantir unicamente a identificação e descrição do primeiro legislador histórico i.e. do órgão máximo de produção do direito, a norma fundamental por si não poderia assegurar que a representação das normas estabelecidas pudesse ser disposta na forma de um sistema unitário e não contraditório de mandamentos organizados. Caso rechaçada uma tendência unificadora adicional, se este fosse o caso, Kelsen teria de admitir que a norma fundamental: “(...) dota de validade qualquer conteúdo, mesmo o mais sem sentido, desde que tenha sido criado de certa maneira.” (KELSEN, 2005, p.574). Em suma, um puro princípio de delegação, na medida em que somente descreve a autorização para a produção de normas, sem as exigências lógicas da representação conceitual do método crítico-transcendental, resulta necessariamente no procedimentalismo raso que deve aceitar qualquer prescrição: “(...) mesmo que se trate de uma norma de conteúdo autocontraditório ou de duas normas de conteúdo logicamente incompatíveis.” (KELSEN, 2005, p.574).

Contra essa conclusão Kelsen se insurge e empreende uma leitura de nítido corte neokantiano, postulando que se a cognição se depara com tal contradição “destruidora do sentido” dos materiais jurídicos, este conflito deve ser resolvido a partir da interpretação, fundada no pressuposto de que tais antinomias não devem ser senão aparentes. A discrepância

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entre a representação e seu objeto seria inconcebível, até mesmo porque o princípio da não contradição deve(ria) aplicar-se igualmente à esfera normativa do dever-ser e à esfera concreta do ser. (KELSEN, 2005, p.574). Nesse sentido, o famoso postulado de que a lex posterior derogat priori não pode ser considerado como um princípio de direito positivo, mas sim como um pressuposto da cognição jurídica implícito na orientação prescritiva da norma fundamental, assim como praticamente todos os outros postulados tradicionas da hermenêutica jurídica:

Os princípios de interpretação discutidos acima, o princípio da lex posterior derogat priori, o princípio de que a norma inferior deve ceder lugar à superior, a reinterpretação de cláusulas constitucionais à decretação de estatutos, a regra referente a duas cláusulas contraditórias no mesmo estatuto, a declaração de que parte do conteúdo de um estatuto pode ser juridicamente irrelevante, etc. – todos eles não têm outro propósito, que não o dar uma interpretação significativa ao material do Direito positivo. Todos o fazem aplicando o princípio de contradição na esfera normativa. Na maior parte, não são regras de Direito positivo, não são normas estabelecidas, mas pressupostos de cognição jurídica. Isso quer dizer que são parte do sentido da norma fundamental, que, desse modo, garante a unidade das normas do Direito positivo com a unidade de um sistema que, se não é necessariamente justo, pelo menos é significativo. Em última análise, é a norma fundamental que garante o complexo de normas como ordem. (KELSEN, 2005, p.580).

Os materiais jurídicos que não possam se adequar de algum modo à ordenação imposta por esse verdadeiro filtro epistemológico, enfim, devem ser descartados como lex imperfecta de conteúdo juridicamente irrelevante. Tratam-se, neste caso, sobretudo de: “(...) regras que, embora surjam em forma jurídica como estatuto, decreto-lei, etc., não podem ser relacionados direta ou indiretamente a um ato de coerção” (KELSEN, 2005, p.577). Diante de um diploma legal que contenha, por exemplo, determinações contraditórias, mutuamente excludentes, somente duas opções se oferecem à ciência jurídica. Especificamente, ou (1) a ciência jurídica promove a interpretação do fato de modo a entender que o sistema jurídico implicitamente autoriza o aplicador do direito a eleger uma das duas alternativas diante do caso concreto; ou (2) o jurista deve reconhecer que as estipulações anulam-se mutuamente, de tal maneira que o material jurídico não fornece qualquer significado aplicável, sendo, portanto, juridicamente irrelevante em seu conteúdo.

As reais implicações jurídicas e políticas da resolução do problema por qualquer de ambas as alternativas são bastante óbvias, ao contrário das intrincadas indagações

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epistemológicas que a situação também apresenta. Porquanto aqui, sobretudo os princípios metodológicos de Kelsen invariavelmente entram em rota de colisão, a ponto de estremecer a base do edifício teórico da TPD. Bastando apontar que a mesma norma fundamental que corresponde ao pressuposto epistemológico constitutivo da representação objetiva do sistema jurídico-positivo como um todo, também determina que nem todo material jurídico objetivo pode ser descrito como direito. Paradoxalmente, a TPD, que se pretende uma teoria do direito positivo em geral, parece reconhecer que seus compromissos teóricos, por fim, obrigam-na a aceitar que nem todo direito positivo em geral pode ser direito.

Kelsen leva o tema às últimas consequências em uma passagem bastante ilustrativa, na qual traz à luz esta função secundária de ordenação lógica, necessariamente implícita na conceituação clássica da norma fundamental como pressuposto epistêmico do conhecimento científico do direito. A referida função corretora da descrição científica fica absolutamente evidente:

Embora o positivismo signifique que apenas o que foi criado por processo constitucional é Direito, isso não quer dizer que tudo o que foi assim criado seja aceitável como Direito, ou que seja aceitável como Direito no sentido que atribui a si mesmo. A pressuposição de uma norma fundamental que estabelece uma autoridade suprema para a legiferação é a pressuposição final que nos permite considerar como ‘Direito’ apenas os materiais modelados por um determinado método. (...) Portanto, a sua função é, em primeiro lugar, estabelecer uma autoridade legisladora suprema; trata-se, acima de tudo, de uma função de delegação. Contudo, ela não se esgota nisso. A norma fundamental não proclama simplesmente que tudo o que essa autoridade criou deve ser Direito porque foi criado por essa autoridade e que, portanto, nada mais pode ser Direito. Ela também contém a garantia de que tudo o que foi assim criado pode ser compreendido como significativo. Ela estabelece que se deve agir em obediência aos comandos da autoridade suprema e das autoridades por ele delegadas, e que esses comandos devem ser interpretados como um todo significativo. (KELSEN, 2005, p.578/579).

Não se trata de coincidência que os capítulos 57 e 58 da TGN, as duas seções mais extensas e aprofundadas do tratado, são dedicas ao tema da eventual aplicabilidade de princípios lógicos às normas (Sollnormen), versando respectivamente sobre o princípio da não contradição e as regras de dedução. Isso porque a antiga organização “artificial” do conhecimento científico do direito, por meio de proposições descritivas (Sollsätze) articuladas num sistema lógico, não consegue evidentemente descrever as normas do direito positivo

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como um todo, ficando claro que Kelsen precisa de uma alternativa, pois do contrário parece forçosamente conduzido a ter que reconhecer a inviabilidade de seu empreendimento inicial, é dizer, a impossibilidade de uma teoria geral do direito positivo.

O dilema no qual se enreda a TPD comprova que, assim como da aplicação de princípios lógicos aos enunciados das ciências naturais não resulta que a lógica se aplique de fato à realidade da natureza, que é seu objeto, também: “(...) a aplicação dos princípios lógicos às proposições da Ciência do Direito e da Moral está fora de questão; não, porém, a aplicação dos princípios lógicos ao objeto destas ciências, às normas. De um não resulta o outro.” (KELSEN, 1986, p.198).

Todavia, antes que se fale abertamente em uma ruptura ou revisão de todo o sistema da TPD, a radical virada teórica que Kelsen imprime na TGN parece ser mais bem compreendida em toda a sua dimensão e complexidade quando vista como uma proposta de tratamento de problemas estruturais das normas (NOGUEIRA DIAS, 2010, p.310), ainda sem resolução satisfatória a partir do quadro conceitual que se apresentava em 1960. O foco da última obra de Kelsen fora direcionado precisamente nesse sentido, conforme a apresentação dos sobreditos capítulos 57 e 58:

O problema que constitui o objeto das análises subsequentes é a possibilidade da aplicação de ambos os princípios lógicos indicados a normas da Moral e do Direito. É o problema se um conflito entre duas normas da Moral e do Direito, das quais uma estabelece como devida uma certa conduta e a outra a omissão desta conduta, representa uma contradição lógica; que, em aplicação do – referente a contradições – princípio lógico pode ser resolvida essa contradição; e se, quando uma norma geral da Moral ou do Direito é pressuposta como válida pelo sujeito aplicador da norma no sentido por ele interpretado, e o tipo legal in abstracto na norma é comprovado in concreto, a aprovação moral ou desaprovação, a decisão judicial pela via de uma operação lógica resulta como conclusão. Esses problemas discutidos muitas vezes em tempo mais moderno resultam de que – como já observado – normas nem são verdadeiras nem falsas, os princípios da Lógica tradicional, conforme opinião usual, podem ser aplicados somente a proposições que são verdadeiras ou falsas. (KELSEN, 1986, p.241, itálicos no original).

Como se sabe, a resposta de Kelsen, dada à natureza deontológica das prescrições normativas do direito e da moral, será fundamentalmente contrária à aplicação dos citados princípios lógicos às normas, sem perder de vista o dualismo epistemológico primordial entre ser e dever-ser, que passa a ser pensado também a partir da dualidade entre vontade e razão.

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Sendo as categorias lógicas restritas ao plano teorético do conhecimento racional, nenhuma operação lógica poderia de fato levar à obtenção de normas, que constituem sempre o sentido dos atos da vontade e não do pensamento. Em resumo, Kelsen intensifica a ideia, já presente na TPD, de que não há norma sem ato de vontade que a declare ou estabeleça, uma vez que a expressão linguística da ordem é o imperativo e não há nenhum “imperativo sem imperador81”.

Mesmo a possibilidade de uma norma meramente pensada não anula esse postulado, pois até para pensar uma norma como tal esta deve ser pensada como o sentido do ato de vontade de uma autoridade imaginária i.e. uma ordem “fictícia”, o que não anula o seu caráter deontológico. Mais ainda, a ênfase na separação entre razão e vontade já indica que deverá ser possível em alguma medida ao menos “pensar” a contradição entre normas, posto não ser a coerência uma determinação que se imponha à vontade. Com isso se apresenta ao mesmo tempo a possibilidade do ato de vontade da autoridade estabelecer uma nova norma capaz de por fim à eventual contradição.

Em linhas gerais, o pensamento de Kelsen em sua fase final se orienta a partir de três grandes teses, que rearticulam especificamente seus posicionamentos anteriores, juntamente com o postulado primeiro (1) de que “não há imperativo sem imperador”. Esta determinação se presta a apoiar tanto (2) a não aplicação do princípio de não contradição às normas, quanto (3) a impossibilidade absoluta da dedução lógica de regras jurídicas. Por fim, (4) as três teses culminam na ideia de que resolução de contradições do ordenamento deve se colocar como um princípio jurídico-positivo do direito objetivo (KELSEN, 1986, p.161/163) e não mais como um princípio lógico jurídico decorrente do pressuposto crítico-transcendental. (NOGUEIRA DIAS, 2010, p.302).

Desse modo, a eliminação das contradições inerentes ao ordenamento não mais se apresenta como função da ciência jurídica, na forma de uma exigência epistêmica que impõe ao teórico o dever de construir seu objeto para além de qualquer contradição. De outro ângulo, a necessária resolução de antinomias passa agora a ser tratada no plano intrassistêmico, associada à existência de uma norma derrogatória de direito positivo, tendente a anular uma ou ambas as normas por ventura em conflito, segundo um procedimento que aqui já deve se

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encontrar previsto no conjunto do ordenamento jurídico (NOGUEIRA DIAS, 2010, p.329). Consequentemente, ambas as prescrições divergentes, a princípio, deverão então ser reconhecidas como direito positivo e a própria resolução da antinomia se converte em um momento de aplicação do direito e não mais em uma função da cognição jurídica.

Do contrário, não há resolução possível pela via da interpretação, visto ser esta apenas e tão somente uma função de conhecimento do direito: “(...) e conhecimento do Direito tampouco pode produzir normas jurídicas, quer isto dizer: pôr em validade ou abolir a validade de normas jurídicas, então interpretação não pode realizar a solução de um conflito de normas.” (KELSEN, 1986, p.284). A superação do conflito cabe apenas ao órgão aplicador do direito na expressão do ato de vontade, por meio do qual a autoridade decide pela aplicação de uma ou outra das normas em conflito.

O princípio da lex posterior derogat priori, por exemplo, não deve mais ser tomado então como desdobramento do princípio lógico da não contradição. Ao contrário, ele assume o caráter de verdadeira norma jurídico-positiva, que deve ser prevista como tal no ordenamento. Se este muitas vezes não é o caso, Kelsen atribui isto ao fato de que o legislador deixa de fazê-lo: “(...) porque ele o pressupõe como evidentemente implícito” (KELSEN, 1986, p.162), muito embora esta pressuposição não se imponha mais como exigência lógica. Agora isso significa apenas que, se esse princípio não for ao menos pressuposto como determinação jurídico-positiva, a exemplo de uma prescrição consolidada pela via do direito consuetudinário, neste caso, caberia à ciência jurídica unicamente reconhecer que o sistema de normas é tecnicamente falho, pois incide em contradições insolúveis para o conhecimento científico. Algo que, a toda evidência, a experiência jurídica comprova não ser impossível.

Partindo da nova perspectiva, não há dúvida de que a solução do eventual conflito de normas pela via da derrogação pode, mas não tem obrigatoriamente que realizar-se (KELSEN, 1986, p.160). Sendo certo que a derrogação da norma contraditória, na qualidade de processo que depende do ato de vontade da autoridade constituída pelo próprio ordenamento, somente pode efetuar-se dentro de uma mesma ordem normativa. (KELSEN, 1986, p.161). Ao final, como já adiantado, não será a ciência do direito que deve lidar com as contradições, no processo epistemológico de representação do sistema de normas como unidade coerente e não contraditória, mas é a própria dinâmica do ordenamento positivo que deve garantir condições para o processo de integração, até mesmo como exigência técnica de estabilização das instituições jurídicas. Nesse sentido:

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Pois, justamente estes princípios de derrogação são normas jurídicas positivas. Sobre isto é teorético-juridicamente acolhido que esses princípios de derrogação não são princípios lógicos, e que, se não são expressamente fixados, ou presumidos como implícitos, permanecem insolúveis os conflitos de norma, que a Ciência do Direito é tampouco competente – acaso pela interpretação – para solucionar existentes conflitos de norma, quer isto dizer: para aboliar a validade de normas estatuídas, como para pôr normas em validade. (KELSEN, 1986, p.163, grifo nosso).

Algumas outras passagens marcantes da TGN expõem a extensão da rearticulação do projeto juspositivista, em face dos princípios epistemológicos consolidados pela TPD, quando Kelsen ainda buscava compreender uma “norma contrária às normas” como uma “contradição em termos” (KELSEN, 2006, p.296). Em sentido diverso de sua posição inicial, porém, o autor enfim abre mão das exigências lógicas da cognição e passa a admitir que:

Na hipótese de um tal conflito de normas, não pode, porém, ser afirmado que se uma das normas vale, a outra tem de ser não-válida, assim como na hipótese de uma contradição lógica, se um enunciado é verdadeiro, o outro tem de ser falso. Na hipótese de um conflito de normas, ambas as normas são válidas; do contrário, não existiria conflito de normas. Nenhuma de ambas as normas que estão em conflito suprime a validade da outra. (...) A supressão da validade de uma de ambas, ou também de ambas as normas, apenas pode realizar- se no processo producente de normas, especialmente por meio de uma