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Capítulo 2 – Algumas considerações sobre a linguagem, sua aquisição,

2.1 A Linguagem, a língua e suas significações

Ao buscarmos na literatura informações acerca da origem da linguagem, nos deparamos com Engels21, o qual afirma que “a comparação com os animais mostra-

nos que essa explicação da origem da linguagem a partir do trabalho e pelo trabalho é a única acertada” (ENGELS, 1999, p.10). Por outro lado, Geertz (1980), ao pensar sobre a ligação do homem com o restante dos animais, processo que intitula “transição para a humanidade”, pontua que a partir de Darwin deixou-se praticamente de duvidar da existência de tal relação homem/animais. Segundo Geertz (1980), a evolução humana pode ser considerada como um fluxo praticamente ininterrupto do processo biológico. Segundo o autor:

O homem é um animal que consegue fabricar ferramentas, falar e criar símbolos... Considera-se que o homem possui, não só inteligência, como também consciência; não só tem necessidades, como também valores, não só receios, como também consciência moral; não só passado, como também história. Só ele – concluindo à maneira de grande sumário – possui cultura (GEERTZ, 1980, p.1).

Portanto, Geertz diferencia os humanos dos demais animais principalmente pelo fato do homem possuir cultura, a qual inclui a linguagem. Nesse sentido, Engel, ao refletir sobre o surgimento da linguagem, fator crucial à cultura, considera que as necessidades impostas no e pelo trabalho, assim como sua divisão social, foram fundamentais para o desenvolvimento da linguagem.

Segundo Engels (1999), o processo de relação social instaurado a partir da necessidade de divisão de tarefas que é o trabalho proporcionou a evolução da linguagem e também do homem. A necessidade de colaboração e planejamento forçou o agrupamento social e estimulou a comunicação, o que resultou no desenvolvimento da linguagem. Isso conduziu a novas esferas de trabalho, com novas atividades, o que distanciou ainda mais o homem dos demais animais e propiciou o constante desenvolvimento humano. Segundo o autor: “os homens em formação chegaram a um ponto em que tiveram necessidade de dizer algo uns aos outros.” (ENGELS, 1999, p.10). A necessidade premente de vida em comunidade e a consequente crescente necessidade de comunicação fizeram com que o homem se adaptasse ao ambiente, evoluindo ao que somos hoje.

Assim, no que se refere ao desenvolvimento humano, o desenvolvimento da linguagem e a transformação do contexto social e cultural foi gerando novas

21 ENGELS, F. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem.

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possibilidades em relação às funções psicológicas superiores. Os homens tornaram-se capazes de executar atividades cada vez mais complexas, individualmente e em grupos sociais, e a linguagem não só esteve sempre presente em todas estas atividades como foi fundamental para o próprio desenvolvimento e processo de humanização.

Segundo Geertz (1980), podemos entender o desenvolvimento da capacidade de adquirir cultura, característica exclusivamente humana, como algo que surgiu possivelmente a partir de uma conquista repentina, segundo o autor como um “salto quântico” (GEERTZ, 1980, p. 1), momento também chamado por ele de “ponto crítico”. Para Geertz (1980), em um dado momento possivelmente ocorreu uma alteração orgânica, provavelmente na estrutura cortical, que tornou o homem apto a “comunicar, aprender, ensinar, generalizar a partir de uma ínfima cadeia de sentimentos e atitudes diferentes” (GEERTZ, 1980, p.1), e assim iniciou-se a cultura. O autor também faz a inferência de que “a maior parte da expansão cortical humana seguiu, e não precedeu, o início da cultura” (GEERTZ, 1980, p. 2), desenvolvendo a ideia de que a cultura também impulsionou a expansão cortical.

Pela sua grande importância como função social transformadora e constituidora, a linguagem tomou forma como área de estudos – a linguística. Esse campo do conhecimento ocupa-se da identificação das relações e diferenciações da linguagem com a fala e com a língua, assim como o papel e significado de outras formas de expressão.

Para a conceituação desses processos, diversos autores utilizam os termos linguagem, língua e fala com diferentes enfoques. Segundo Saussure (1991), que iniciou a sistematização da linguística em 1916, a linguagem é constituída pela língua e pela fala. Neste sentido, ele conceitua a língua como um sistema de regras abstratas composto por elementos significativos inter-relacionados. Para o autor, a língua representa o aspecto social da linguagem, já que é compartilhada por uma mesma comunidade linguística. Nesse sentido, o indivíduo é um usuário da língua, mas individualmente não pode modificá-la, já que a língua é algo que pertence a toda a comunidade. Para Saussure (1991), a fala é algo individual na qual o sujeito imprime suas particularidades. Por este motivo, o autor não concentrou seus estudos na fala, mas na linguagem como um todo.

Já para Vygotsky (1996) a noção de linguagem e fala se difere das noções de Saussure (1991). Para Vygotsky (1996), a linguagem não é apenas uma forma de comunicação, mas uma função reguladora do pensamento. Em relação à fala, esta é vista por Vygotsky como uma ação da linguagem, é uma produção linguística do

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discurso do falante. O autor cita três tipos de fala: social, egocêntrica e interior (que serão abordadas mais a frente).

Segundo Goldfeld (2002), Vygotsky possivelmente utiliza o termo “fala” e não “linguagem” por se tratar de uma produção individual do sujeito. Em seus livros não há diferenciação explícita entre linguagem e fala, mas fica claro que o termo “fala” não se refere apenas ao ato motor, mas, principalmente, à produção do indivíduo que deve ser analisada na interação e no diálogo. Já o termo linguagem é amplo. Para Goldfeld (2002) “linguagem é tudo que envolve significação, que tem valor semiótico e não se restringe apenas a uma forma de comunicação” (GOLDFELD, 2002, p. 18). Ao considerarmos que é pela linguagem que se constitui o pensamento (conforme Vygotsky, 1996), inferimos que ela está sempre presente na vida humana. “A linguagem constitui o sujeito, a forma como este recorta e percebe o mundo e a si próprio” (GOLDFELD, 2002, p. 19).

Já Ferreira (2000) explora o conceito de linguagem e afirma que este pode ser definido como qualquer e todo sistema de signos que sirva de meio de comunicação de ideias ou sentimentos. Os signos podem ser convencionais, sonoros, gráficos, gestuais etc., e podem ser percebidos pelos diversos órgãos de sentido, o que implica na distinção entre as linguagens auditivas, visuais, tátil e diversificada (constituídas por elementos diversos). A linguagem pode ser constituída por gestos, sinais, sons, símbolos, palavras, e tudo o mais que represente conceitos de comunicação, ideias, significados e pensamentos.

Para Saussure (1991), o signo linguístico é a união do significante e do significado. O autor considera que o significante é fonológico e tem uma materialidade física quando é pronunciado. Já o significado é um conceito que é expresso pelo pronunciamento do significante. Assim, a palavra “mesa” quando pronunciada, por exemplo, é um significante fonológico que possui diversos significados, principalmente o de objeto utilizado para dispor as refeições, dentre outros (significados). Nesse sentido o autor ressalta que o signo linguístico é arbitrário, pois o significante não necessariamente busca espelhar por meio de sua nomenclatura o significado, o que pode ser exemplificado pelo gênero arbitrário das palavras, que são femininas ou masculinas. Segundo o autor, os signos são imutáveis, pois considera que a relação entre significado e significante é sempre estável.

Já para Vygotsky (1996), os signos também podem ser chamados de instrumentos psicológicos, pois são ferramentas que auxiliam nos processos mentais. Oliveira (1997), ao comentar sobre as obras de Vygotsky, sintetiza e define os signos “como elementos que representam ou expressam outros objetos, eventos, situações” (OLIVEIRA, 1997, p. 30). Porém, Vygotsky (1996) ressalta que os signos devem ser

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entendidos como formações dinâmicas e não estáticas, com desenvolvimento individual e social, o que difere do conceito defendido por Saussure, que em 1916 supunha que o signo era “social e imutável”. Então, podemos utilizar a contribuição de Oliveira (1997) sobre os signos, segundo a qual estes são elementos que representam ou expressam algo, desde que concordemos que tais “objetos, eventos e situações” expressos são formados ou constituídos individualmente, de forma dinâmica e mutável, já que os signos se modificam de acordo com o desenvolvimento e são particulares a cada indivíduo, que sempre está em processos de desenvolvimento a partir das relações sociais que está inserido. Sintetizando, para Vygotsky (1996), o homem se relaciona com o mundo por meio da mediação realizada pelos instrumentos e signos.

Assim como Engels, para Vygotsky o trabalho tem importância fundamental no processo de humanização. Segundo Vygotsky (1996), é a partir do trabalho que o homem busca transformar a natureza para o seu bem estar e assim acaba por criar a cultura. A esfera particular do mundo do trabalho colabora para a atividade coletiva em prol do alcance de um determinado objetivo em comum e, consequentemente, acaba por estimular as relações sociais. Por outro lado, os desafios impostos pela realidade do trabalho, como o desejo de alcançar novos objetivos, incita a criação e utilização de instrumentos. Assim, as possibilidades de desenvolvimento impostas pela necessidade do trabalho e transformação da natureza são imensuráveis, já que a cada nova conquista, novos desafios são objetos do desejo humano, o que conduz a atividades cada vez mais complexa tanto socialmente como individualmente para a criação de novos instrumentos e ferramentas.

Neste sentido, o instrumento é definido por Vygotsky (1996) como um elemento interposto entre o trabalhador e o objeto de seu trabalho, para assim transformar a natureza conforme o desejo humano. Assim, os instrumentos acabam sendo sempre objetos sociais, pois são idealizados e construídos a partir do esforço e envolvimento de um determinado grupo, não tendo, portanto, apenas um mérito individual, mas sim resultando de uma construção social.

Sabemos que alguns animais também utilizam instrumentos e até possuem algum tipo de linguagem primitiva. Porém, tais instrumentos são rudimentares, não são planejados como os instrumentos humanos que são idealizados e criados socialmente para fins específicos. Quanto ao uso dos instrumentos, Vygotsky (1996) cita Koehler22,

que afirma que “mesmo o melhor instrumento para a solução de dado problema não será utilizado pelo chimpanzé se ele não puder vê-lo ao mesmo tempo, ou quase ao

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mesmo tempo, que o objetivo” (VYGOTSKY, 1996, p. 34). Ou seja, para o chimpanzé não ocorre o planejamento e a criação como há em nós, humanos, que somos capazes de planejar nossas ações e criar os instrumentos necessários para realizar nossas necessidades e desejos. Já no que se refere à linguagem, Vygotsky (1996) comenta sobre os chimpanzés afirmando que estes possuem uma linguagem relativamente bem desenvolvida, porém, esta funciona separadamente de seu intelecto. Segundo o autor, as expressões fonéticas dos chimpanzés denotam apenas desejos e estados subjetivos, como a fome e a eminência de um perigo, mas não expressam algo objetivo como o planejamento de uma ação para conseguir alimentos, por exemplo. Os gestos expressos pelos chipanzés estão relacionados à própria ação eminente.

Segundo Vygotsky (1996), a mediação por instrumentos e signos é um processo essencial para o desenvolvimento das funções psicológica superiores, presente apenas nos humanos. Esse processo de mediação ocorre ao longo do desenvolvimento do indivíduo, é contínuo e fecundo no âmbito das vivências sociais e culturais. Então, o autor firma-se contrário a ideia de imutabilidade dos signos defendida por Saussure (como já dito anteriormente), já que defende que a relação entre significado e significante é instável e variável, ou seja, evolui no decorrer do desenvolvimento do indivíduo de acordo com suas experiências e dependendo das relações que são estabelecidas com o meio, ou seja, os signos não são estáticos, já que o homem está em constante processo de relação com o meio social.

Ao longo deste trabalho estaremos utilizando as concepções de Vygotsky acerca do desenvolvimento da linguagem a partir da necessidade imposta pelo trabalho (Engels e Vygotsky), entendemos que a linguagem assume função reguladora do pensamento e concordamos que a relação entre significado e significante é instável, pois pode se modificar ao longo do desenvolvimento do homem.