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Capítulo 1 – A escola, os processos de escolarização e a educação do sujeito

1.3 A Escola e sua organização: oportunidades e limitações para o surdo

1.3.2. O Processo de Educação de Surdos no Distrito Federal e seus

Como diferencial à proposta da Secretaria de Educação Especial do MEC (2006), a Secretaria de Educação do Distrito Federal prevê a participação de professores de ensino de Libras para os alunos surdos no intuito de possibilitar um maior contato e consequente domínio da língua, assim como seu estudo formal. Porém, nem sempre o atendimento ao surdo ocorre como estruturado pela Secretaria de Educação do Distrito Federal: ainda há poucos professores usuário nativo de Libras na rede de ensino e a grande maioria dos professores intérpretes educacionais ainda não possuem certificados de proficiência em Libras emitida pelo MEC. Além disso, segundo Napier (2002), é necessária a frequente atualização da aprendizagem de Libras pelo intérprete, o que sabemos que nem sempre ocorre devido à escassez de cursos oferecidos, inflexibilidade nos horários e disponibilidade dos profissionais.

De qualquer forma, nem sempre esses procedimentos tem se firmado como suporte ao processo de aprendizagem da criança surda, pois muitas lacunas ainda se fazem presentes, como ilustrado no preâmbulo deste trabalho, o que nos incita à pesquisa aqui proposta.

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Na verdade, a experiência docente mostra que não apenas os alunos que possuem algum tipo de desenvolvimento atípico necessitam de atendimento especial, mas todos os alunos são diferentes entre si e são todos merecedores de atendimentos diferenciados. Em qualquer sala de aula cada indivíduo possui sua história e sua individualidade. Cada ser apresenta características educacionais específicas, às quais o professor deve responder pedagogicamente também de forma diversificada, almejando assim abarcar um maior número de alunos.

Vivemos em uma sociedade dita democrática que tem por definição a pluralidade, o convívio e a interlocução na diversidade (MEC, 2006a). Todos têm o direito de participar dos espaços e processos educacionais comuns. Nossa legislação prevê o acesso pleno e condições de equidade em nosso sistema de ensino. Nossa constituição, ao adotar como princípio a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” busca uma escola aberta a todos, sem discriminação.

Nesse sentido, as atuais políticas governamentais prevêem a participação de todos os alunos na escola, indiscriminadamente. Porém, o que observamos é que muitas vezes diversos alunos frequentam a escola regular sem que estejam realmente incluídos nesta, ou seja, embora estejam efetivamente matriculados, não lhes é oferecido reais oportunidades de participação e desenvolvimento (GÓES, 1996; SKLIAR, 1997; QUADROS, 1997; SKLIAR, 2005;; BOTELHO, 2005) . Isto pode ser evidenciado no relato abaixo, retirado de documentos do MEC. Na conversação abaixo um aluno surdo muito fluente em Libras foi perguntado sobre como era o relacionamento deste em sala de aula com os demais alunos ouvintes:

O grupo estava segregado dos demais alunos, fazíamos trabalhos em equipe, sempre juntos, e no momento da apresentação os ouvintes não prestavam atenção, achando nosso trabalho pobre. Não éramos discriminados apenas pelos alunos, mas pelos professores que não acreditavam em nosso potencial. (MEC, 2006b, p. 103).

Estas palavras demonstram um pouco da atual realidade das escolas ditas inclusivas: os alunos frequentam um espaço físico escolar, mas não se sentem pertencentes a este, pois seus colegas e, principalmente seus professores, parecem não acreditar em seu potencial de desenvolvimento. Seu desenvolvimento costuma ser acompanhado unicamente pelo intérprete educacional e pelo professor da sala de recursos, o professor regente costuma ficar alheio ao aluno (ANTIA & KREIMEYER, 2001; FORMOZO, 2008; CARRIJO CORDOVA, 2009). Assim, o intérprete educacional acaba por desempenhar um papel que extrapola a interpretação da língua. Isto é respaldado por Antia e Kreimeyer (2001) e Carrijo Cordova (2009) que afirma que é

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impossível, ao intérprete, desempenhar um papel estritamente de intérprete (principalmente com alunos mais novos).

Antia e Stinson (1999) complementam suas críticas ao confrontar estudos que abordam a evolução do processo de inclusão. Os autores afirmam que ainda não ocorre uma real integração social e acadêmica no processo de inclusão de surdos. Seus estudos revelam que a dita tradução simultânea nem sempre torna acessível aos alunos surdos os conteúdos tratados em sala, pois muitas vezes os surdos desconhecem o significado associado aos sinais utilizados e não há tempo hábil para explicações complementares durante a interpretação. Complementam que para ocorrer uma real inclusão é imprescindível a organização antecipada e em conjunto das atividades escolares destinada a todos os alunos. Além disso, cita a importância da participação da comunidade surda no contexto escolar.

As ideias de Maxwell (1983; 1990) colaboram com os estudos de Antia e Stinson (1999). Segundo Maxwell (1983; 1990) as análises sistemáticas dos efeitos da comunicação simultânea através do intérprete são escassas e não há garantias de que o surdo está realmente tendo acesso aos conteúdos abordados em sala. Além disso, o autor aborda que os professores regentes hesitam ao uso da língua de sinais, muitas vezes não compactuando com o atual processo (MAXWELL, 1990).

Pesquisa recente desenvolvida pela Rede de Informação Tecnológica Latino- Americana (Ritla), em parceria com a Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF), verificou que a maioria dos cerca de 10 mil jovens, de 84 escolas da rede pública de ensino, quando indagados sobre seu futuro, responderam que acreditavam que iriam continuar a estudar. A surpresa da pesquisa foi à constatação de que grande parte dos 1.300 professores e diretores acreditavam que os alunos iriam abandonar os estudos. Segundo Abramovay (2006), isto nos indica que os próprios professores não crêem numa perspectiva de futuro do alunado. Assim, é como se o grupo docente criasse uma profecia sobre o futuro dos alunos que acaba por se auto-cumprir.

A Organização não Governamental Ação Educativa também divulgou um resultado alarmante oriundo da pesquisa “Que ensino médio queremos?”, na qual 880 estudantes de cinco escolas estaduais públicas da zona leste de São Paulo foram ouvidos, assim como seus professores. Perguntou-se aos estudantes se seus professores se orgulham de seus alunos. Para 43% dos jovens, isso ocorre raramente ou nunca (tal porcentagem chegou aos 58% em uma das escolas). Esta pesquisa concluiu que a expectativa que os educadores nutrem sobre os educandos é um fator crucial para o desenvolvimento da aprendizagem, afinal, sem esperar muito dos alunos, provavelmente os professores não irão desafiá-los o suficiente para aprenderem, o que deve resultar em baixos níveis de aproveitamento. Além disso, em

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contato com uma baixa expectativa por parte de seus professores, os estudantes tendem a se sentir desmotivados e desmobilizados. Na visão de Sant Ana, uma das responsáveis pela pesquisa, esse resultado compromete todo o processo educacional. "Se professores não possuem motivo para se orgulhar de seus alunos, muito provavelmente também não têm muitas expectativas com relação a eles” (SANT ANA, 2008, p. 8). Para a autora, a expectativa de um professor é fundamental para a definição daquilo que ele está disposto a realizar com sua turma de alunos, do quanto está disposto a desafiá-los. Abramovay (2006) e Sant Ana (2008) ressaltam que muitos professores não possuem boas expectativas com relação aos seus alunos, o que com certeza influencia na qualidade das aulas, já que a baixa expectativa faz com que os professores pouco desafie seus alunos. Quando os alunos são pouco instigados a aprender, em geral, se esforçam menos, o que resulta numa aprendizagem aquém da desejada.

Os dados das autoras citadas se referem ao ensino regular, com alunos a princípio possuidores de um arcabouço dito normal. Com relação aos alunos que possuem necessidades educacionais especiais as expectativas costumam ser ainda mais desanimadoras, o que com certeza traz impactos ao processo de educação destes indivíduos.

De Nardin e Menezes (2008) pesquisaram sobre as representações docentes em relação aos alunos com necessidades educacionais especiais. Neste trabalho as autoras observaram, conversaram e entrevistaram professores que atuam em diversos níveis de ensino junto a alunos com necessidades educacionais especiais. De forma geral, as autoras relataram que as narrativas dos docentes entrevistados destacam uma acentuada dificuldade em trabalhar com alunos que não correspondem ao padrão dito “normal”. Alguns docentes afirmaram não saber trabalhar com alunos com especificidades – o que reafirma a ideia de práticas pedagógicas diferenciadas necessárias e não dominadas. Os professores frequentemente se afirmam despreparados para lidar com os alunos ditos especiais. Nesta pesquisa, as autoras evidenciaram que os docentes, quando questionados sobre a importância que atribuem as suas expectativas em relação ao aluno com necessidades educacionais especiais, destacaram que tais alunos, ao frequentar a escola regular, estão se preparando para a convivência social e também para desempenhar um trabalho útil para a sociedade. Tais discursos enfatizam que esses alunos são realmente vistos como não normais e com capacidade limitada, sendo que a escola regular apenas oferece a oportunidade de convivência social e a possibilidade de desempenhar algum tipo de trabalho pouco valorizado. Segundo observado nesta pesquisa, as práticas docentes acentuam ainda mais as dificuldades, necessidades e inadequações desses

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alunos às atividades escolares. Tais alunos, segundo as autoras, são vistos como “o outro, alguém a tolerar” (DE NARDIN; MENEZES, 2008, p. 71). As expectativas de seus docentes estão muito aquém do aprendizado, julgam que estes alunos precisam apenas socializar para que possam desempenhar algum trabalho mecânico futuramente.

Tal postura do educador é, de certa forma, apoiada e respaldada pela indicação de adaptação curricular aos alunos que possuem necessidades educacionais especiais. Com certeza a adaptação curricular é muitas vezes pertinente e necessária, porém, sua utilização frequente e exagerada pode conduzir professores e alunos com necessidades educacionais especiais a um processo de acomodação e estagnação. Quando o professor possui baixas expectativas com relação ao seu aluno e adéqua o currículo de forma a favorecer o avanço educacional, o aluno pode passar a ter menores possibilidades de aprendizagem. Quando o professor se propõe a “deixar por menos” o aluno muitas vezes aceita esta situação acreditando que esta é benéfica, já que alcançará a aprovação com menor esforço e se acomoda por saber que será aprovado mesmo sem atingir o mínimo necessário.

O propósito das adequações curriculares segundo a publicação intitulada “Saberes e práticas da inclusão: recomendações para a construção de escolas inclusivas” (MEC, Secretaria de Educação Especial, 2006a), é atuar frente às dificuldades de aprendizagem dos alunos. Tais adaptações, segundo o MEC (2006a) devem ser efetuadas pautando-se em critérios como: “o que o aluno deve aprender, como e quando aprender, que formas de organização do ensino são mais eficientes para o processo de aprendizagem, como e quando avaliar o aluno” (MEC, 2006a, p. 61). Questionamos se tais critérios divulgados não deveriam ser sempre utilizados, para quaisquer alunos, independente de estarem enquadrados como portadores de necessidades educacionais especiais ou não. Não questionamos a autonomia do professor, mas sim a compactação e simplificação exagerada feita ao currículo. Acreditamos que todos os alunos têm possibilidades de aprender, e esse é o grande desafio do professor: oportunizar a aprendizagem a todos.

Ainda segundo a mesma publicação, as adaptações curriculares podem ser “adequações não significativas do currículo” e “adequações curriculares significativas”, conforme os quadros citados a seguir (adaptados de MANJÓN; GIL; GARRIDO, 1995, p. 89 e MEC, SECRETARIA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL, p. 62 e 66, 2006a).

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Adequações não significativas do currículo Organizativas Organização de agrupamentos

Organização didática Organização do espaço

Relativas aos objetivos e conteúdos Priorização de áreas ou unidades de conteúdos

Priorização de tipos de conteúdos Priorização de objetivos

Sequenciação

Eliminação de conteúdos secundários Avaliativas Adequação de técnicas e instrumentos

Modificação de técnicas e instrumentos Nos procedimentos didáticos Modificação de procedimentos

Introdução de atividades alternativas ou complementares

Modificação do nível de complexidade Eliminando componentes

Facilitando planos de ação Adaptação de materiais

Na temporalidade Modificação da temporalidade

Quadro 4 - Adaptações não significativas do currículo, elaborado a partir das informações em Manjón, Gil e Garrido (1995) e MEC (2006a).

Adequações significativas do currículo

Organizativas Introdução de recursos específicos de acesso ao currículo

Relativas aos objetivos e conteúdos Eliminação de objetivos básicos

Introdução de objetivos específicos, complementares e/ou alternativos

Introdução de conteúdos específicos, complementares e/ou alternativos

Eliminação de conteúdos básicos

Avaliativas Introdução de critérios específicos de avaliação Eliminação de critérios gerais de avaliação Adaptação de critérios regulares de avaliação Modificação dos critérios de promoção

Nos procedimentos didáticos Introdução de métodos e procedimentos complementares e/ou alternativos

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Na temporalidade Prolongamento de um ano ou mais de permanência do aluno na mesma série ou ciclo

Quadro 5 - Adaptações significativas do currículo, elaborado a partir das informações em Manjón, Gil e Garrido (1995) e MEC (2006).

Observando os quadros anteriores, podemos verificar que muitas vezes a adaptação curricular não é apenas uma adaptação do currículo para o aluno, mas sim uma supressão de conteúdos, com, inclusive, modificações referentes aos critérios utilizados para a promoção do aluno e a eliminação de conteúdos básicos. Tais adaptações podem estar favorecendo para que o aluno seja empurrado pelo sistema educacional sem a devida aprendizagem.

Por tudo isso, acreditamos que é preciso rever o processo de educação dos surdos de forma a não simplesmente favorecer seu avanço na escolarização, mas sim fornecer subsídios para que possam realmente aprender e, consequentemente, participar da vida social. Entendemos que as atuais práticas pedagógicas empregadas são atividades principalmente mecânicas, com foco reprodutivo, o que não favorece o desenvolvimento da esperada aprendizagem.

Para que possamos compreender um pouco mais sobre o processo de desenvolvimento da pessoa surda, julgamos necessário fazer algumas considerações sobre os conceitos de língua, linguagem e língua de sinais, assim como citar as teorias que versam sobre o desenvolvimento da linguagem, enfocando, principalmente, o processo de aquisição da linguagem nos indivíduos surdos. Neste sentido, propomos o segundo capítulo desta Tese, que trata especificamente de tais questões.

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Capítulo 2 – Algumas considerações sobre a linguagem, sua