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Capítulo 4 Bases Epistemológicas e Metodológicas da Pesquisa

4.4 Instrumentos e procedimentos de pesquisa

Ao traçarmos um estudo acerca da dimensão da subjetividade precisamos utilizar instrumentos que sejam propiciadores de comunicação direta e indireta entre os sujeitos participantes. Conforme González Rey (2005), instrumentos são ferramentas interativas delineadas e interpretadas pelo pesquisador. Os instrumentos devem, principalmente, favorecer as relações entre os sujeitos participantes propiciando a produção intelectual com sentido subjetivo pelo pesquisador.

Para favorecer a aproximação e a expressão dos participantes da pesquisa, com o intuito de construção de indicadores e elaboração de hipóteses, em geral, é necessária a utilização de múltiplos instrumentos. Os instrumentos utilizados nesta pesquisa foram constituídos de indutores de natureza individual e grupal, escrita e não escrita, aberta e semi-aberta, estruturados em constante contato e imersão no processo educacional estudado. Como a epistemologia qualitativa é um processo de permanente construção, os instrumentos foram sendo definidos ao longo da pesquisa.

Neste processo, optamos pelo uso dos seguintes instrumentos: entrevistas, dinâmicas conversacionais, grupo de discussão, observação e análise documental. A seguir descrevemos a utilização de cada instrumento selecionado:

Entrevistas

A entrevista pode ser usada como uma forma de aproximação entre o pesquisador e os sujeitos participantes, pois permite o início de uma conversação. Como pondera González Rey (2002), na epistemologia qualitativa a entrevista tem o propósito de converter-se em diálogo.

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Em nossa pesquisa este instrumento foi utilizado como uma forma de levantamento de informações iniciais. As questões direcionadoras da entrevista foram inicialmente semi-estruturadas facilitando o acesso à informações pertinentes a iniciação do trabalho. Com o passar do tempo e a aproximação entre os sujeitos participantes as entrevistas foram cada vez menos estruturadas, favorecendo o enriquecimento da prática dialógica.

As entrevistas foram realizadas individualmente com os professores participantes e em grupo com os alunos de cada etapa escolar. Por termos um amplo campo de pesquisa, envolvendo três segmentos do processo educativo, apresentamos o delineamento da pesquisa em cada esfera educacional.

Nos anos iniciais do Ensino Fundamental entrevistamos individualmente a professora regente (Marta) e a professora responsável pelo curricular específico (Elen). As alunas (Ana e Maria) foram entrevistadas juntas. As entrevistas com as professoras foram gravadas e transcritas. As entrevistas com as alunas foram filmadas e transcritas, já que neste caso há uso de língua portuguesa e Libras. Vale ressaltar que só entrevistamos as alunas após um período de convivência objetivando que estas, acostumadas com a presença da pesquisadora, ficassem mais a vontade.

Nos anos finais do Ensino Fundamental entrevistamos individualmente o professor regente de Ciências (pois nesse caso há um leque de oito disciplinas com professores diversos, então decidimos por centrar na área de formação da pesquisadora, pois acreditamos que isto pode ter implicações diretas no processo de aproximação e interpretação), a intérprete educacional que acompanha as aulas de Ciências, a professora responsável pelo atendimento na sala de recursos, e os alunos participantes. Novamente optamos por gravar e transcrever a entrevista realizada com o grupo docente. Com os alunos a gravação não seria suficiente (já que há uso de língua portuguesa e Libras) então, optamos inicialmente por filmar as entrevista com os alunos. Porém, a presença da filmadora estava inibindo o grupo e, por apenas duas alunas fazerem uso exclusivo de Libras, optamos por gravar e transcrever toda a conversação. Neste caso, com as alunas que faziam uso exclusivo de Libras, a pesquisadora procurou sinalizar e falar ao mesmo tempo, falando também as respostas que eram sinalizadas por elas.

No Ensino Médio temos três disciplinas diretamente ligadas ao ensino da área de Ciências (Química, Física e Biologia) e, neste caso, optamos por acompanhar as aulas de Química, por esta ser a área específica de graduação da pesquisadora. Entrevistamos individualmente a professora regente de Química (Lívia), o professor intérprete (João), o professor responsável pelo atendimento referente à Química na sala de recursos (Rodrigo) e os alunos. Novamente optamos por gravar e transcrever

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a entrevista com os professores e filmar e transcrever a entrevista com o grupo de alunos.

As entrevistas costumavam ocorrer na sala de aula dos professores que, por serem salas ambiente, nos proporcionam boas condições de conversação durante os intervalos de aula e horários vagos, assim como nas salas de recursos, nas salas de professores, ou em algum outro local dentro do espaço escolar, o que foi definido em particular para cada escola e participante.

Além das entrevistas iniciais ocorreram outras situações transitórias entre entrevistas e conversação. Quando tais situações eram imprevistas, e não podiam ser gravadas ou filmadas, a pesquisadora realizava anotações em um diário de campo, assim que possível.

A transcrição das entrevistas foi um momento ímpar na realização deste trabalho devido a grande complexidade da transcrição da expressão em Libras para a língua portuguesa. Tais transcrições foram realizadas o mais imediatamente possível após as entrevistas no intuito de favorecer o registro escrito.

A partir das entrevistas foi possível identificar aspectos que mereciam ser aprofundado em momentos posteriores, o que impulsionou a realização de novas entrevistas ou pontos para a conversação.

Na primeira entrevista com o grupo de professores (regente, intérprete e que atua na sala de recursos – atendimento educacional especializado), realizada individualmente, buscamos explorar aspectos relativos à vida profissional, como o percurso até se tornar professor, suas opções, satisfações e insatisfações com a profissão.

Na entrevista posteriormente direcionada aos professores buscamos estimular a conversação sobre como é a efetiva inclusão dos alunos surdos, como tais alunos têm a aprendizagem favorecida ou dificultada, as estratégias de avaliações e o papel do intérprete e do professor regente e da sala de recursos neste processo.

Na entrevista direcionada aos intérpretes nutrimos conversações acerca do olhar do intérprete quanto ao processo de inclusão dos surdos, como a aprendizagem deles pode ser favorecida ou dificultada, como ocorre a avaliação destes alunos, e qual o seu papel, do professor regente e da sala de recursos neste processo. Os mesmos questionamentos foram feitos aos professores da sala de recursos multifuncionais.

Com os alunos buscamos informações acerca de seu processo de escolarização, como acreditam aprender, o que o auxilia este processo, o que pode dificultar sua trajetória escolar, como e com quem tiram dúvidas, qual o papel do

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intérprete, do professor regente e da sala de recursos e como se vê daqui a alguns anos.

Dinâmicas Conversacionais

A partir das entrevistas passamos a conhecer um pouco mais cada um dos participantes da pesquisa. Os questionamentos abordados nas entrevistas nos permitiram avaliar pontos que necessitavam de maiores aprofundamentos. Nesse sentido, realizamos dinâmicas conversacionais que entendemos como o momento de conversações espontâneas entre os participantes e a pesquisadora que tem o objetivo de favorecer a aproximação, participação e afloramento de informações relevantes. Nas dinâmicas conversacionais adotamos uma condução natural e humanizada que acreditamos ser importante para a aproximação.

Embora tal conduta possa parecer simples, exige muita perspicácia por parte do pesquisador para conseguir encaminhar a conversação e favorecer o surgimento de informações relevantes. O pesquisador deve atuar como um “facilitador da dinâmica” (Gonzáles Rey, 2005). Nesse sentido, optamos por utilizar este instrumento ao longo de todo o trabalho.

Com o intuito de favorecer a participação e entrosamento dos participantes, as dinâmicas conversacionais não foram gravadas ou filmadas, até mesmo porque na maioria das vezes ocorriam espontaneamente. Todas as informações referentes a tais conversações foram anotadas no diário de campo, preferencialmente, no mesmo dia de sua ocorrência.

Vale ressaltar que os diálogos propiciados pelos momentos da dinâmica conversacional, assim como as observações, produziam outras questões merecedoras de novos diálogos. Com isso, novas temáticas surgiam, propiciando novos questionamentos e reflexões bastante frutíferas ao trabalho e ao grupo.

As dinâmicas conversacionais favoreceram o conhecimento dos referenciais teórico-metodológicos que orientaram o trabalho docente, reflexões sobre o trabalho pedagógico como um todo, compreensão acerca da identidade surda e suas possíveis implicações para o desenvolvimento do processo educativo do sujeito surdo.

Também propomos uma dinâmica conversacional diferenciada ao apresentamos um breve resumo do livro “Ecopiratas: uma aventura ecológica em Fernando de Noronha” e um pouco da história do autor do livro (Beto Junqueyra). Neste caso, esta atividade foi filmada com o intuito de facilitar as análises. O livro utilizado nesta atividade trata-se de uma obra infanto-juvenil que narra a aventura de um casal de primos, que pouco se relacionavam, e foram passar férias juntos em Fernando de Noronha. O diferencial deste livro é que a menina protagonista é surda,

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comunica-se em Libras e em língua portuguesa em sua modalidade escrita. Nesta história, o avô deles é ouvinte e comunica-se tanto em língua portuguesa quanto em Libras. Segundo o autor do livro, a ideia de escrever esta história vem de sua infância. O autor relata que possuía muitos tios surdos e nas reuniões familiares os adultos conversavam em Libras entre si, porém, ele não dominava a língua de sinais e assim sentia-se excluídos desses momentos de conversação. Algumas partes do livro foram propositalmente comentadas com os alunos para suscitar conversações, posicionamentos e reflexões. Todos os três grupos participantes receberam um exemplar do livro para que pudessem ler posteriormente.

Tal instrumento foi uma oportunidade para o grupo refletir sobre a surdez, trocar experiências e vislumbrar novas possibilidades de identificação, resultando em um espaço de enorme crescimento.

Ressaltamos a importância deste instrumento na pesquisa que muito contribuiu fornecendo indicadores e elementos fundamentais à construção de hipóteses.

Observação

A técnica da observação é amplamente utilizada para possibilitar a leitura da realidade pesquisada. Neste instrumento o pesquisador tem um contato direto com o grupo participante, o que favorece o estabelecimento de relações e aproximações com os sujeitos.

As observações ocorreram em variados espaços da escola, principalmente nas salas de aula, sala de recursos, sala de professores, espaço de coordenação, pátios, portaria (entrada e saída dos alunos), atividades extraclasse, como passeios e visitações e sala de leitura. A frequência das observações foi de uma a duas vezes por semana, ao longo do primeiro semestre de 2010, além de momentos complementares no segundo semestre. Propositalmente as observações começaram no início do ano letivo para percebermos o processo de acolhimento e recepção aos alunos. Todos os momentos de observação foram relatados em diário de campo, preferencialmente no mesmo dia da realização da observação. As anotações do diário de campo foram analisadas sempre em conjunto com os demais instrumentos. As observações permitiram ampliar a reflexão acerca dos elementos presentes nos diversos instrumentos.

Buscamos, durante as observações, centrar nosso olhar nas propostas didáticas e metodológicas e no estabelecimento de relações entre os participantes da pesquisa.

Sempre que em sala de aula a pesquisadora procurou adotar uma postura menos participativa, com o intuito de não interferir na prática pedagógica. Em

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momentos de observação fora de sala, a pesquisadora assumia uma postura mais participante, favorecendo a aproximação com os sujeitos.

Grupo de Discussão

Tal instrumento foi utilizado com o intuito de permitir um momento coletivo para as conversações entre os participantes da pesquisa, acerca dos conteúdos estudados na escola. A partir das observações realizadas principalmente nas aulas de Ciências (anos iniciais e finais do Ensino Fundamental) e Química (Ensino Médio), identificamos os principais conceitos trabalhados e durante o grupo de discussão procuramos perceber o entendimento dos alunos acerca de tais conceitos. Consideramos que este instrumento muito favoreceu análises acerca da compreensão e aprendizado dos alunos no que se refere aos conteúdos estudados.

As contribuições de indicadores e elementos oriundas dos debates propiciados pelo grupo de discussão poderiam passar despercebidas com o uso de outros instrumentos, como as entrevistas ou as dinâmicas conversacionais.

Com cada etapa educacional (anos iniciais e finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio) foi realizado um grupo de discussão, tendo em vista as observações de aulas. O momento propício para a realização de tais grupos foi definido pela pesquisadora e o critério utilizado para esta definição foi o início e a finalização da abordagem de um ou mais conceitos pelo professor regente.

Os grupos focais ocorreram na própria instituição de ensino, no horário das aulas, durante a aula de língua portuguesa como segunda língua para surdos – o que foi diretamente negociado com a professora desta disciplina. Isto facilitou a presença e participação de todos.

Tais grupos iniciaram a partir do questionamento sobre o que haviam estudado nas aulas de Ciências ou Química e em seguida uma conversação sobre aplicações de tais conceitos foi estimulada. A condução deste instrumento objetivava a percepção da formação e correlação de conceitos estabelecida pelos alunos. A partir das conversações iniciais retiramos palavras e expressões consideradas “instrumentos de provocação” e a anotamos primeiramente no diário de campo e em um momento posterior tais instrumentos de provocação foram anotados no quadro. Tais ferramentas de provocação são definidas por Cobern (1994, 1995, 1996, 2000), Cobern e Aikenhead (1998), Cobern e Loving (2001) e também por El-Hani e Sepúlveda (2007), como ferramentas que tem “o intuito de incentivar o entrevistado a „pensar em voz alta‟ e conversar mais livremente sobre o tema em pauta” (EL-HANI E SEPÚLVEDA, 2007, P. 177). El-Hani e Sepúlveda (2007) por meio de instrumentos de provocação realizaram diversas pesquisas sobre a concepção de “natureza” de estudantes.

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Cobern também cita o uso destes instrumentos em averiguações acerca das concepções de “evolução”, “ciências” entre outros.

Segundo Cobern (2000) para verificarmos se conceitos científicos tem influência e fazem parte do pensamento das pessoas não devemos fazer perguntas diretas sobre tais conceitos, mas investigar se tais conceitos fazem parte do pensamento cotidiano da pessoa. Nesse sentido, El-Hani e Sepúlveda (2007) sugerem que a elaboração do mapeamento das concepções é uma boa ferramenta para investigar a existência e integração do pensamento conceitual e propõe que este mapeamento seja feito a partir da conversação estabelecida com as ferramentas de provocação. Para Cobern (1996), quando um conceito faz realmente parte do pensamento conceitual este passa a ocupar posição central, e não marginal, no pensamento do indivíduo. Assim, Cobern (1995) utiliza mapas conceituais para avaliar a compreensão de conceitos, conforme sua aparição e organização central ou marginal.

Como nas aulas observadas diversos conceitos foram trabalhados e estão diretamente ligados a outros conceitos, propomos, a partir dos instrumentos de provocação anotados, a elaboração conjunta de uma rede conceitual. Assim, foi possível analisar a formação e as possíveis articulações que tais alunos fazem sobre os conceitos estudados.

Análise documental

A análise documental é um instrumento para a aquisição de informações documentadas. Tal instrumento foi bastante útil para a averiguação da trajetória educacional traçada por cada um dos alunos participantes.

Após o contato inicial com as escolas, autorização da direção e aproximação com o grupo docente, a análise documental referente a pasta de cada aluno foi realizada nas secretarias das referidas instituições de ensino, com a presença e ajuda dos próprios professores regentes – o que facilitou o acesso às informações.

Este instrumento também foi utilizado observando os registros nos diários dos professores, durante a análise do projeto político pedagógico da escola, a proposta curricular da SEDF, e as orientações da SEDF pertinentes à inclusão.

O acesso a pasta do aluno objetivou a obtenção de informações acerca da trajetória escolar de cada aluno. A análise dos registros nos diários dos professores almejou identificar informações acerca da prática pedagógica e inferir sobre os referenciais teóricos que sustentem tais práticas. Os estudos dos projetos político pedagógico, da proposta curricular da SEDF e das orientações da SEDF objetivaram

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identificar aspectos simbólicos como valorações e referenciais teóricos e campos da subjetividades sociais embutido em tais documentos.