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Capítulo 3 O desenvolvimento cognitivo

3.2 Algumas contribuições de Jean Piaget acerca da cognição humana

3.2.1 Piaget e Construtivismo

Surge, principalmente a partir das considerações de Piaget sobre a necessidade de reflexão, a ideia do construtivismo, pois a educação deve ser um processo de construção de conhecimento entre alunos, professores e demais envolvidos. Segundo Coll (1994, p. 136) “a concepção construtivista situa a atividade mental construtiva do aluno na base dos processos de desenvolvimento pessoal que a educação escolar trata de promover”. Na concepção construtivista “aprendemos quando somos capazes de elaborar uma representação pessoal sobre um objeto da realidade ou conteúdo que pretendemos aprender” (COLL; SOLÉ, 2006, p. 19). O conhecimento, nesta perspectiva é construído e reconstruído com a participação e contribuição ativa dos alunos na qual o professor age como mediador entre o aprendiz e a cultura, e não simplesmente algo transmitido e repetido (COLL; SOLÉ, 2006). Tais ideias afetam, diretamente, a prática pedagógica do professor. É importante que este realmente reflita sobre a sua própria prática e como se constitui o conhecimento para então optar por uma abordagem diferente do simples treinamento / adestramento.

Para Becker (2001), a ideia do construtivismo significa que nada está pronto e acabado. O conhecimento é visto como algo em constante construção. Portanto, é uma teoria que visa interpretar o mundo do conhecimento a partir daquilo que os alunos já conhecem, seus conhecimentos prévios, e com a mediação do professor.

Segundo Coll (1994), a partir de situações de aprendizagens significativas o aluno é capaz de construir, modificar, diversificar e coordenar seus esquemas mentais de forma a estabelecer redes de significados que potencializam seu constante desenvolvimento.

Na perspectiva construtivista orientar a aprendizagem é, portanto, oportunizar uma sequência de desequilibrações (momentos em que os alunos são levados a refletir e questionar) que levam a criança a fazer esforço para a reequilibração (momentos em que os alunos novamente tem a sensação de domínio de conhecimento). Cabe ao professor atuar como um agente provocador de desequilíbrio, fornecendo subsídios para um novo equilíbrio, para que o aluno seja sempre estimulado a alcançar uma nova situação de equilíbrio pelo aumento de conhecimento. Porém, parece-me que muitos professores acabam por “poupar” os alunos deste desafio, principalmente quando tais alunos possuem alguma deficiência.

Como principais características do modelo construtivista, podemos destacar que nesta perspectiva, diferentemente das posturas tradicionais nas quais o professor é o centro do processo de ensino e o aluno é visto como uma tabula rasa que deve reter conhecimentos transmitidos, o ensino é sempre centrado no aluno, o qual deve

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estar envolvido no processo de aprendizagem no sentido de possibilitar a construção do conhecimento. O papel do professor passa a ser o de direcionar a aprendizagem como orientador, elaborando perguntas e fomentando discussões que auxiliem o aluno a construir ativamente seu conhecimento. O método de ensino, até então coercivo e repetitivo passa a centrar-se no aluno que responderia de acordo com suas experiências pessoais e personalidade aos estímulos do professor. O tempo deixa de ser um fator preocupante; os debates e discussões precisam instigar a reflexão. Para a perspectiva construtivista os conhecimentos prévios dos alunos devem ser considerados e utilizados como alavancas que favorecem não só o interesse pelo tema a partir da contextualização, mas também alicerçam a suposta construção do conhecimento, que deve ser sempre pautada na participação e reflexão.

Entretanto, convém salientar que os conteúdos estudados já fazem parte do arcabouço cultural e toda a tentativa de “reconstrução” destes enfoca um encontro do que já está estabelecido socialmente e não exatamente uma real busca de respostas quaisquer. Esta é uma das razões que justifica a presença do professor como direcionador desta “reconstrução”. Caso os alunos não tenham a orientação adequada podem alcançar conclusões diferentes das socialmente elaboradas. Isto justifica a necessidade de um trabalho conjunto e compartilhado (COLL; SALÉ, 2006).

Por outro lado, inúmeros autores tecem críticas à epistemologia construtivista (MOREIRA, 1999, 2005, 2008, 2009; MATTHEWS, 1994; LABURÚ, 2001). Segundo a literatura, o enfoque construtivista corre o risco de conduzir a pouca ou nenhuma atenção aos conteúdos conceituais, possibilitando que os alunos permaneçam com seus conceitos espontâneos e sem real entendimento dos conceitos científicos pertinentes. Isso ocorre porque muitas vezes os alunos permanecem com seus conceitos espontâneos limitados e esses são respeitados e entendidos como uma concepção alternativa do conhecimento, porém, esta concepção pode nunca chegar a concepção científica. Outro ponto de questionamento é o preparo do professor perante o desafio de instigar constantemente seus alunos, o que não é uma tarefa fácil. Muitas vezes, apesar das tentativas do educador, seus alunos não desejam se envolver em debates e discussões. Sem o envolvimento e a participação ativa dos alunos todo o sistema fica comprometido. Além disso, há críticas quanto à constante necessidade de reinvenção daquilo que já é uma realidade, o que sem o direcionamento adequado do professor, pode levar os alunos a conhecimentos não corretos (MATTHEWS, 1994).

Neste sentido vale refletirmos a educação dos surdos nos dias atuais. A literatura tem afirmado e, também verificamos ao longo de nosso trabalho, que sujeitos surdos são incluídos nas escolas regulares, avançam no processo de progressão da escolarização, porém não demonstram avanços nos conhecimentos ditos escolares.

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Que tipo de atitudes pode estar contribuindo para estes resultados? Segundo Piaget (1976) e Piaget; Inhelder (1976), durante o desenvolvimento cognitivo há a mudança de um estágio de desenvolvimento para outro. Tal mudança ocorre baseando-se nos processos de assimilação, acomodação e equilibração.

A assimilação, como já citado acima, se refere aos esquemas mentais elaborados pelo sujeito para interpretar a realidade. Para que ocorra a assimilação o indivíduo deve impor-se ao meio, na ótica de compreendê-lo. Ao não conseguir compreender algo com os esquemas atuais, novos esquemas surgem (momento chamado de acomodação), o que possibilita o desenvolvimento. Ao processo de assimilação – acomodação Piaget chama de equilibração. O surgimento de novos esquemas faz com que o individuo avance no desenvolvimento cognitivo. Todo o processo de equilibração é estimulado pela atuação do outro social que tem o papel de instigar o desenvolvimento. No ambiente escolar tal papel deve ser principalmente desempenhado pelos professores. Entretanto, os dados inicialmente apresentados nos fazem inferir que tais sujeitos não estão avançando como deveriam no desenvolvimento cognitivo. Possivelmente isto ocorra porque tais indivíduos não estão realmente sendo instigados a avançar. Estariam, na verdade, sendo empurrados pelo sistema educacional sem que tenham que realmente adquirir conhecimentos. Isso faz com que fiquem acomodados no processo de desenvolvimento cognitivo.

Além dessas questões, é preciso levar em consideração o importante papel que a linguagem tem no processo educacional. Piaget e Inhelder (1976) comentam que na criança ouvinte a linguagem aparece mais ou menos ao mesmo tempo que o pensamento semiótico, porém, nas crianças surdas, a aquisição da linguagem só ocorre após os processos de imitação, jogo simbólico e imagem mental. Os autores comentam sobre a língua de sinais desenvolvida naturalmente pelos sujeitos surdos e afirmam que esta é ao mesmo tempo social (construída coletivamente) e procedente de significantes de caráter imitativo que intervém diretamente no jogo simbólico.

Os autores afirmam que o grande problema referente à aquisição da linguagem é que esta está diretamente relacionada ao pensamento e as operações lógicas. Assim, os indivíduos surdos acabam por desenvolver língua de sinais, porém, devido a questões sociais, este desenvolvimento ocorre com atraso (quando comparado ao desenvolvimento da linguagem nos indivíduos ouvintes) e, este repercute em um atraso que pode ser sistemático na lógica. Porém, o autor afirma que não se pode falar em carência, pois comenta que os mesmos estágios evolutivos são evidenciados nos surdos, apenas ocorrem com atraso devido à ausência da linguagem (PIAGET; INHELDER, 1976).

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Para aprofundarmos nossa compreensão acerca do papel do outro e também da importância da tarefa desafiadora para o tão almejado desenvolvimento, passaremos a seguir a rever algumas ideias de Vygotsky, que muito contribuem para esse entendimento.