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CAPÍTULO I – A Maratona: Uma Perspectiva de Relações Públicas

2. Maratona

2.4. A Maratona na Actualidade

A carga de esforço desta prova afastou durante anos corredores de meio-fundo e fundo, mas “agora surge pujante e serenamente nas principais capitais do mundo, com milhares de participantes (…)” (Fernandes, 2010: 20).

Apesar da associação óbvia aos Jogos Olímpicos, verifica-se uma autonomização da Maratona em relação aos Jogos Olímpicos, uma vez que, nas Maratonas da actualidade, existe uma recuperação dos valores do amadorismo27, em comparação com o especialismo do profissional, que vigora nos Jogos Olímpicos e em outros eventos desportivos. Quando a Maratona se torna profissional, transforma-se em algo especializado e abandona a esfera do sagrado. Mas, neste momento, a Maratona, para além da vertente profissional, tem cada vez mais corredores amadores, verificando-se assim uma recuperação dos valores do amadorismo.

53 A Maratona, na actualidade, tem vindo a ganhar cada vez mais destaque, crescendo muito nos últimos anos e tornando-se uma prova popular, aberta a federados e não federados. Actualmente, em cada domingo do ano, em diversos pontos do mundo, acontecem Maratonas com milhares de atletas inscritos, algumas com mais de quarenta mil pessoas (Soares, 2012).

Para além dos feitos agonísticos da Maratona, a corrida de 42,195m exerce uma atracção crescente no universo dos corredores diletantes. Desde a década de 1970 que a Maratona é uma prova que tem conhecido sucesso imparável no número de praticantes, sendo também uma área emergente de negócios (Soares, 2012: 11).

E este fenómeno está alinhado com o crescimento da corrida, cada vez mais as pessoas correm como forma de exercício e de lazer, “há pessoas na rua a correr ao final da tarde nas marginais, em todo o país, a andar, a caminhar, a correr” (Rafael Marques, entrevista, 2013, apêndice 6: 10).

No entanto, “O que fará correr tanta gente, semelhante distância? Em meu entender, a mística da Maratona: o desafio da longa distância, a vontade de se superar, a satisfação de cumprir um objectivo que pareceria inalcançável num primeiro momento. Mas, sobretudo, o prazer de correr” (Soares, 2012: 11).

A Maratona é vista como um desafio, a meta de qualquer corredor de fundo, seja um corredor profissional ou um corredor que apenas gosta de fazer jogging28. Apesar do esforço necessário, o sentimento de superação é algo indiscritível para quem já correu uma Maratona. “No final, o corpo pode ficar moído, com diversas marcas do esforço realizado, mas a mente atinge uma espécie de nirvana, em versão ocidental” (Soares, 2012: 11).

Como refere a Presidente da Boston Athletic Association, Joann Flaminio, (entrevista, 2013, apêndice 5), para muitos dos participantes, a Maratona de Boston é a experiência de uma vida. O nível de envolvimento com a prova é elevado.

E este entusiasmo é algo partilhado pelos corredores, mas também pelos espectadores. Na realidade, as grandes provas desportivas, como as que acontecem nos Jogos Olímpicos provocam entusiasmo nos espectadores. No entanto, as corridas, e principalmente as corridas de meio-fundo e fundo, são especiais para os espectadores:

54 Sempre me impressionaram os velocistas dos 100 metros (com Carl Lewis infalivelmente na dianteira), os nadadores das estafetas em equipa, os saltadores da vara e das barreiras, e mais ainda os resistentes das longas distâncias – tendo por corolário óbvio os homens e as mulheres da Maratona (Melo, 2012: 14).

O entusiamo é também partilhado por Mário Zambujal (2012), quando refere que o atletismo é a modalidade que mais o entusiasma, e que são as provas da Maratona e as corridas de fundo que prefere

(…) como espectador, por darem mais tempo a saboreá-las que o afogadilho dos sprints, dos saltos e dos lançamentos. Mais ainda mais, como bom «portuga», desde que Carlos Lopes e a Rosa Mota nos presentearam com proezas que terão levado alguns desprevenidos a procurar Portugal no mapa-mundi (Zambujal, 2012: 13).

A ideia da identificação com os atletas também está presente neste excerto. Na realidade, por exemplo, quando os atletas Carlos Lopes e Rosa Mota estavam a correr, estavam a representar todo um país, uma nação, era algo mais do que uma corrida.

E mesmo nesta altura em que surgiu a profissionalização, o negócio, a política, a publicidade e a especulação, “e no meio de tudo isso foi aumentando o espectáculo” (Jorge, 2012: 13) e o número de provas desportivas, a Maratona continua a ter um espaço especial nos atletas e nos espectadores. Lídia Jorge (2012), quando se refere aos Jogos Olímpicos, refere que

Gosto muito de tudo, ou de quase tudo, mas como tenho de sobreviver à fartura, manter-me-ei sempre fiel à herança do soldado Filípides. Histórias que recebemos na infância e que nunca mais se despregam da parede da nossa imaginação. É da Maratona que falo. É a essa prova que não quero faltar (Jorge, 2012: 13).

A Maratona funciona como uma espécie de narrativa onde se pode ver “um esforço continuado, uma prova de resistência funda, como se houvesse naquelas horas, suas surpresas, voltas e reviravoltas, o tempo e os acidentes próprios onde se espelha o percurso humano, com sua esperança, resistência ou desistência, sua perda e seu triunfo” (Jorge, 2012: 13). Em suma, como referido no ponto I desde capítulo, o espectador de Desporto tem tendência a “mitificar” o desportista como se fosse um semideus, um herói dos tempos modernos, e há Desportos e provas, como a Maratona, onde esta “mitificação” é maior.

55 Actualmente cada vez mais pessoas participam em Maratonas, estes eventos são abertos a toda a gente, de todas as idades e com diferentes capacidades físicas. Verifica-se um aumento por exemplo das mulheres que se inscrevem e terminam as Maratonas.

Neste momento, para além dos corredores profissionais e dos corredores da região que pretendem correr determinada Maratona, verificam-se fenómenos como o Turismo de Maratona onde várias pessoas decidem o seu destino de férias tendo em conta as provas da Maratona: aproveitam para conhecer determinada cidade e correr uma Maratona. Aliás, existe uma relação muito próxima entre o turismo e os eventos desportivos (Pedersen, Miloch e Laucella, 2007; L’Etang, 2006; L’Etang, 2013; Duarte, 2009).

Verifica-se ainda uma aposta em provas adjacentes à Maratona, uma aposta crescente em corridas de cadeiras de roda, e ainda um aumento de provas mais curtas associadas à Maratona, como corridas e caminhadas com distâncias entre os 6 quilómetros e os 10 quilómetros, e corridas dirigidas para crianças.

Confirma-se também uma crescente aposta em Meias-Maratonas, como é visível em Portugal onde muitas cidades já têm a sua própria Meia-Maratona, mas, mesmo nestes casos, a relação com a Maratona está presente, começando logo no nome. Estas tendências permitem à Maratona aproximar-se das pessoas, mantendo no entanto o seu carácter mítico e a sua representação da superação. O crescimento da preocupação com a saúde, o culto do corpo e o facto de a Maratona e a corrida serem um Desporto “barato” são aspectos que também não podem ser esquecidos nesta análise.

Um exemplo: A Maratona de Boston

Analisando uma Maratona em específico, neste caso a Maratona de Boston29, verifica-se que para o Vice-presidente para a área da Comunicação Corporativa da John Hancock, Roy Anderson, um dos principais patrocinadores da Maratona de Boston, a missão da Maratona é a “promoção de um estilo de vida saudável através do Desporto, especialmente a corrida»

29 A análise é centrada na Maratona de Boston, pois as entrevistas exploratórias focaram-se nesta Maratona, a

56 com profissionalismo e integridade”30 (entrevista, 2013, apêndice 3: 1). Verifica-se um destaque às questões da saúde através da prática desportiva.

Robert Brown, professor e especialista em comunicação, realça o facto de a Maratona de Boston ser uma das mais antigas, enumerando valores como “coragem, resistência humana, concorrência, e aquilo a que o psicólogo Abraham Maslow chamou de «self-actualization»"31 (Robert Brown, entrevista, 2013, apêndice 4: 1). Refere que a Maratona é vista como algo heróico, associado à capacidade de superar desafios aparentemente impossíveis. Neste sentido, a Maratona de Boston é clássica, mas também romântica e humanística.

A Presidente da Boston Athletic Association, Joann Flaminio (entrevista, 2013, apêndice 5), destaca o facto de ser a mais antiga e prestigiada Maratona do mundo, um evento de topo e de sucesso, o que só é possível graças a uma boa relação com a comunidade e com os atletas, à qualidade da corrida, respeitando a tradição e a história desta Maratona. Refere ainda que esta Maratona é um evento de desempenho, ao contrário de um evento de lazer onde acabar é o único objectivo, e este é um ponto de diferenciação em relação a outras Maratonas.

Compreende-se assim que a Maratona preserva alguns dos valores clássicos, mas começa também a ser associada a novos valores. Verifica-se ainda que a prova da Maratona tem uma identidade32 própria genérica, e que cada Maratona tem a sua identidade e os seus valores específicos.

30 “«promoting a healthy lifestyle through sports, especially running» with professionalism and integrity” (Roy

Anderson, entrevista, 2013, apêndice 3: 1).

31 “courage, human endurance, competition, and what the psychologist Abraham Maslow famously called «self-

actualization»" (Robert Brown, entrevista, 2013, apêndice 4: 1).

32 Podemos definir identidade como os significados e os valores que alguém tem como membro de um grupo, no

desempenho de um papel, ou como pessoa. A identidade representa as ideias, crenças e práticas de uma pessoa, grupo ou colectivo (Stets e Burke, 2003). Para Taylor, a identidade significa “a maneira como a pessoa se define, como é que as suas características fundamentais fazem dela um ser humano” (Taylor et al, 1994: 45).

A nível organizacional, a identidade é a essência da organização, logo permite distinguir as organizações umas das outras; é composta por elementos tangíveis e intangíveis, sendo que nos elementos intangíveis estão presentes os valores e princípios que orientam toda a actividade da organização. A identidade organizacional é construída com base nas mensagens e actividades da organização (Löwensberg, 2006).

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2.4.1. As Seis Grandes Maratonas

Analisando o fenómeno das Maratonas na actualidade é importante referir as maiores e mais importantes Maratonas que constituem o World Marathon Majors: Tokyo Marathon, Boston Marathon, Virgin Money London Marathon, BMW Berlin Marathon, Bank of America Chicago Marathon e a TCS New York City Marathon33. Todos os fenómenos referidos no ponto anterior são verificáveis nestas seis Maratonas.

Estas seis Maratonas envolvem milhares de pessoas em cada prova, têm grande atenção mediática e são utilizadas como parte integrante das estratégias de comunicação de muitas instituições.

De acordo com o website oficial do World Marathon Majors, em Janeiro de 2006, as Maratonas de Boston, Londres, Berlin, Chicago e Nova Iorque lançaram o World Marathon Majors (a Maratona de Tóquio juntou-se a estas cinco Maratonas em 2013), série de provas que oferece um prémio de 1 milhão de dólares americanos a ser dividido entre os maratonistas de topo masculinos e femininas. Com a criação deste Majors, os organizadores destas cinvo corridas pretenderam “promover o Desporto, aumentar a consciencialização dos seus atletas e aumentar o nível de interesse na corrida de elite entre os entusiastas da corrida” (World Marathon Majors, s.a.).

Para além destas seis corridas, foram incluídas mais duas corridas neste Majors: a Maratona dos Campeonatos do Mundo da IAAF e a Maratona dos Jogos Olímpicos.

Cada uma das seis Maratonas que fazem parte deste Majors têm uma participação massificada de corredores não profissionais, que completam o mesmo percurso que as elites, têm lugar num dos maiores mercados internacionais, uma história com mais de 25 anos e são consideradas como as melhores na área da corrida (World Marathon Majors, s.a.).

Em conjunto, estas seis Maratonas atraem anualmente mais de 5 milhões espectadores na estrada, mais de 250 milhões de telespectadores, 300.000 inscrições e 150.000 participantes. Geram ainda mais de 80 milhões de dólares para projectos de solidariedade em todo o mundo e um impacto económico de mais de 400 milhões de dólares (World Marathon Majors, s.a.).

33 Em 2012, ano em estudo nesta investigação, a Maratona de Nova Iorque ainda era denominada ING New York

58 Como é possível verificar, o impacto da Maratona é uma realidade. A vertente de negócio e o potencial comunicacional são enormes, e tidos em conta pelos organizadores destas seis Maratonas.

Estas Maratonas serão exploradas mais à frente neste estudo, pois, para responder à questão de partida desta investigação, será analisada a comunicação das Maratonas que faziam parte do World Marathon Majors em 2012.