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CAPÍTULO I – A Maratona: Uma Perspectiva de Relações Públicas

2. Maratona

2.2. A Maratona e os Jogos Olímpicos

2.2.2. Jogos Olímpicos da Modernidade

Os Jogos Olímpicos foram “recuperados” na modernidade no final do século XIX, depois da Revolução Industrial, pelo barão Pierre de Coubertin, fundador do Comité Olímpico Internacional, em 1864. A primeira edição foi em Atenas, em 1896, e os Jogos Olímpicos de 2012 em Londres foram a 30ª Olimpíada da Era Moderna.

Em relação aos Jogos Olímpicos da Antiguidade, “Poucas foram as provas que se mantiveram nos Jogos modernos, como a corrida, o salto em altura, o lançamento do disco, a luta” (Pereira, 2012: 8), ou seja, o atletismo está presente tanto nos Jogos Olímpicos da Antiguidade, como da Moderninade. Relativamente à lista de actividades desportivas, existe uma grande diferença entre os Jogos Olímpicos da Antiguidade e da Modernidade.

Actualmente o leque de Desportos e de provas dos Jogos Olímpicos de Verão é bastante alargado, desde Desportos aquáticos como o mergulho, natação, natação sincronizada, e polo aquático, a tiro com arco, atletismo, badminton, basquetebol, boxe, canoagem, ciclismo, Desportos equestres (dressage, eventos e saltos), esgrima, futebol, golfe, ginástica (artística, rítmica e trampolins), andebol, hóquei em campo, judo, pentatlo moderno, remo, rugby, vela, tiro, ténis de mesa, taekwondo, ténis, triatlo, voleibol (de praia e de pavilhão), levantamento de peso e ainda luta livre (greco-romana e livre) (Olympic Movement, 2014).

E cada um destes Desportos tem várias provas, com diversas características. Por exemplo, o atletismo engloba as seguintes provas: 10000 metros, 100 metros, 110 metros barreiras, 1500

42 metros, 200 metros, 20 quilómetros marcha, 3000 metros obstáculos, 400 metros, 400 metros barreiras, 4x100 metros (estafetas), 4x400 metros (estafetas), 5000 metros, 50 quilómetros marcha (só tem vertente masculina), 800 metros, decatlo (só tem vertente masculina), heptatlo (só vertente feminina), lançamento do disco, lançamento do martelo, salto em altura, lançamento do dardo, salto em comprimento, Maratona, salto com vara, lançamento do peso e triplo salto (Olympic Movement, 2014).

Foram ainda criados os Jogos Olímpicos de Inverno que incluem outras modalidades, como biatlo, bobsleigh, curling, hóquei no gelo, luge, patinagem (artística e velocidade), esqui (alpino, crosse, estilo livre, combinado nórdico, saltos e snowboard).

No entanto, as semelhanças, mas também as diferenças não se resumem às provas. Numa mensagem radiodifundida em 1935, o Barão Pierre de Coubertin, fundador e mentor dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, resume a ideologia do Olimpismo, referindo que, enquanto o atleta antigo honrava os deuses, o atleta moderno exalta a pátria, a raça, a sua bandeira e nação, que o Olimpismo envolve um grupo de atletas de elite baseado na igualdade de oportunidades, e que esta elite deve comportar-se como cavalheiros, o fair-play é sua regra. Por fim destaca o culto da beleza e a ideia de trégua, de paz, que já vem dos Jogos Olímpicos da Antiguidade (Sérgio, 2012).

O Olimpismo é uma filosofia de vida que exalta e combina de forma equilibrada as qualidades do corpo, da vontade e da mente. Aliando o Desporto à cultura e à educação, o Olimpismo procura ser criador de um estilo de vida fundado no prazer do esforço, no valor educativo do bom exemplo, na responsabilidade social e no respeito pelos princípios éticos fundamentais universais (Comité Olímpico Internacional, 2011: 25).

O Olimpismo tem como objectivo que o Desporto contribua para o desenvolvimento harmonioso do Homem, promovendo uma sociedade pacífica e a preservação da dignidade humana (Olympic Charter, 2012).

Defende assim a não discriminação e a igualdade, procura a partilha e integração de diferentes culturas através do Desporto, até porque “todo e qualquer indivíduo deve ter a possibilidade de praticar Desporto, sem qualquer forma de discriminação (…), com espírito de amizade, solidariedade e fair-play“ (Comité Olímpico Internacional, 2011: 25). “Os seus postulados e ideais incluem e movem-se em torno da causa suprema da Paz, apontando como valores mais

43 importantes do movimento Olímpicos a amizade entre povos e a concorrência pacífica” (Bento, 1988: II).

Verifica-se uma manutenção de alguns valores considerados essenciais nos Jogos Olímpicos da Antiguidade, como a justiça e a igualdade.

O actual Juramento Olímpico foi escrito por Pierre de Coubertin e pronunciado pela primeira vez em Antuérpia, 1920, conforme segue: Em nome de todos os competidores, prometo que participaremos nestes Jogos Olímpicos respeitando e acatando as regras que nos governam, no verdadeiro espírito desportivo, pela glória do Desporto e em honra das nossas equipas (Mestre, 2008: 19).

Em suma, o Olimpismo defende que

O Desporto tem que constituir momento de expressão espontânea de felicidade e alegria no esforço despendido e no êxito alcançado, tem que consubstanciar combate e dureza, dinâmica e dramatismo, beleza, coragem e optimismo na vida, mas deve também e simultaneamente irradiar uma visão serena e bem-humorada sobre processos, acontecimentos e comportamentos de agrado e de desagrado (Bento, 1988: IV).

No entanto, é importante referir que um dos grandes debates no século passado foi sobre a profissionalização ou não do Desporto, debate que tem as suas raízes já na Grécia Antiga, onde já existiam atletas que eram pagos pelos seus desempenhos. Os Jogos Olímpicos eram assim criticados pelo seu especialismo, o que foge ao sagrado.

O Barão de Pierre de Coubertin n’ “O Restabelecimento dos Jogos Olímpicos” (1894/2009) refere que este problema já se punha em Olímpia e defende que “O Desporto não só não conseguirá produzir os seus benefícios morais como não resistirá se não for fundado no desapego de interesses, na lealdade e nos sentimentos cavalheirescos” (Coubertin, 1894/2009: 27).

Como refere Bento (1988), Coubertin era contra a adulteração do Desporto, da desqualificação deste através do comércio e do profissionalismo, defendendo que «O esforço é a alegria suprema; o sucesso não é um objectivo, mas apenas um meio de visar mais alto» (Coubertin citado por Bento, 1988: IV).

44 De realçar que

A noção de amador não existia no vocabulário empregue na Grécia Antiga. Apenas existia a palavra atleta, que tinha por significado alguém que compete por um prémio. Para os gregos um atleta era um especialista, alguém que se treinava com regularidade para se dedicar à competição (Mestre, 2008: 115).

No entanto, a discussão em relação ao amadorismo como qualidade para que um atleta fosse elegível a participar nos Jogos Olímpicos durou muito tempo. Pierre de Coubertin sempre defendeu que os JO deviam promover as qualidades físicas e morais que são as bases do Desporto amador. Só em 1986 se verificou a abertura dos JO a atletas profissionais.

Alguns estudiosos do Desporto, como o português Manuel Sérgio (2012), estão contra esta posição, pois esta dificultava o acesso ao Desporto aos mais pobres, era uma falsa ideia de igualdade.

E, assim, como o «homem livre», segundo o Platão das Leis, deveria «viver, recreando-se, através de certos jogos e outras diversões», sem alguma vez trabalhar; também o fair-play significa que são os nobres e a burguesia endinheirada os desportistas a que Coubertin se referia, por convicção própria, ou para escapar à ferina galhofa dos «desportistas» que o rodeavam. Para si, não existia senão um só Desporto, mas uma diferença insanável dividia, no dealbar do século XX, os Desportos nobres (a equitação, a esgrima, o remo), praticados pelos «amadores», que dispunham de ócio, e os outros Desportos, onde os proletários e os camponeses auferiam algum dinheiro (Sérgio, 2012: 10).

Por exemplo, Jim Torphe perdeu todas as medalhas ganhas em provas de atletismo nos Jogos Olímpicos de 1912 em Estocolmo por ser profissional de basebol, facto que o arrancou da miséria.

Spiridon Louis, vencedor da primeira Maratona dos Jogos Olímpicos, foi expulso pelo Barão Pierre de Coubertin do Movimento Olímpico, pois o milionário Averoff, devido a esta vitória, ofereceu-lhe refeições até ao final da sua vida (Fernandes, 2010).

Mas o próprio Coubertin, fugiu a esta discussão quando refere nas suas Memórias que

O Desporto é uma religião com igreja, dogmas, culto, mas sobretudo com sentimento religioso e, por isso, parecia-me pueril condenar o desportista que recebesse algum dinheiro pela prática do Desporto, como condenar, como incrédulo, o sacristão da paróquia porque tem um vencimento, para assegurar o serviço do santuário (Coubertin citado por Sérgio, 2012: 10).

45 Mestre (2008) partilha das ideias de Manuel Sérgio, referindo que

A verdade é que durante muitos anos, ao exigir-se normativamente a natureza de amador para que um atleta pudesse ser qualificado a participar no JO, limitaram-se as oportunidades económicas disponíveis de apoio aos atletas, pelo que durante esse longo período aqueles atletas que não dispusessem de auto-suficiência económica e não pudessem participar nos JO sem um apoio financeiro, perderam a oportunidade de participar na maior competição desportiva à escala global (Mestre, 2008: 118).

É de defender a ideia de Alexandre Miguel Mestre e Manuel Sérgio, pois a abertura a profissionais veio assegurar o cumprimento da igualdade, pois só havendo o direito de todos participarem é que há seguramente uma oportunidade para participarem os melhores. Neste momento, os atletas profissionais já podem participar nos Jogos Olímpicos, aliás, a maioria dos atletas são profissionais.

Apesar de se tratar de uma discussão longa e densa, não é o tema deste estudo, e por isso não será aprofundada. Interessa apenas perceber como a profissionalização do Desporto influenciou os Jogos Olímpicos e a Maratona, bem como os valores que lhes vão associados. É importante compreender que esta mudança pode ter alterado alguns valores associados aos Jogos Olímpicos e a algumas provas, por exemplo, um crescimento de importância atribuída aos valores económicos, principalmente nos desportos mais mediáticos, mas também contribuiu para aumentar o interesse dos espectadores e das instituições neste evento desportivo.

Segundo Manuel Sérgio (2012), a profissionalização faz regressar o utilitarismo. “O individualismo (e, por extensão, a alta competição) forma o código genético da filosofia utilitarista e da democracia neoliberal, em que estamos imersos” (Sérgio, 2012: 11). Para além de tudo isto, a ideia de competição e de vitória sobrepõe-se a outros ideais olímpicos.

Mas esta ideia de competição crescente não coloca em causa o papel social activo que os Jogos Olímpicos têm. Por exemplo, analisando a Carta Olímpica, verifica-se que o Movimento Olímpico tem como objectivo contribuir para a construção de um mundo melhor e mais pacífico, educando a juventude através da prática do Desporto, sempre em concordância com o Olimpismo e os seus valores (Mestre, 2008).

Analisando as temáticas do Livro Branco sobre o Desporto conexas com o Olimpismo, verifica-se a importância de questões como a saúde, o combate à corrupção, violência,

46 racismo, tráfico de menores e outros flagelos, a educação, o desenvolvimento sustentável, o diálogo intercultural, a cidadania, a paz e o desenvolvimento, o ambiente24, os direitos das crianças, a igualdade de género25, a não discriminação e a integração social (Mestre, 2008). Verifica-se ainda um crescimento também do Movimento Paraolímpico, que se baseia no Movimento Olímpico, “(…) o prefixo para exprime a ideia de aproximação. Em grego para significa algo de paralelo, que caminha ao lado de, o que é esclarecedor quanto ao posicionamento entre os dois movimentos” (Mestre, 2008: 97).

É dado ainda um grande destaque a valores como a igualdade, a união, a justiça e a ética. Por exemplo, o Comité Olímpico Internacional esforça-se para que a igualdade de oportunidades seja uma “realidade”, tendo em conta as diferentes realidades entre países, aposta em quotas (mínimas e máximas) de participantes em determinadas modalidades, estimulando a existência de bolsas olímpicas, entre outras iniciativas.

Na última edição dos Jogos Olímpicos de Verão que decorreram em Londres, no ano de 2012, quatro atletas participaram como independentes, sem país, como cidadãos do mundo a competir sob a bandeira Olímpica. Por exemplo, Guor Marial, atleta do Sudão do Sul, correu sob a bandeira Olímpica pois o Sudão do Sul na altura ainda não tinha sido reconhecido pelo Comité Olímpico Internacional (COI), mas foi-lhe dada a possibilidade de participar nos Jogos Olímpicos.

E estes valores são também associados aos Jogos Olímpicos pelos espectadores. Segundo um estudo realizado pelo Comité Olímpico Internacional em 1998 e 1999 com o intuito de identificar as conotações associadas ao evento, onde se tentava perceber que palavras as pessoas associam aos Jogos Olímpicos, verificou-se uma associação directa à esperança, sonho e inspiração, amizade e fair-play e alegria através do esforço (Ferrand, Torrigiani e Povill, 2006/2007).

24 “Chegamos, hoje pois, a um estádio em que o ambiente, face à sua dimensão fundamental, já é considerado o

«terceiro pilar» do Olimpismo, a par do Desporto e da cultura” (Mestre, 2008: 145).

25 Os Jogos Olímpicos de 2012 em Londres foram os primeiros JO com mais participantes mulheres do que

homens. De realçar que nos JO da Antiguidade as mulheres estavam inseridas na categoria dos “fracos” e excluídas de participar e de assistir. Só a sacerdotisa de Deméter, a Deusa das colheitas, podia assistir aos JO. Mesmo na primeira edição dos JO da Modernidade apenas participaram 19 mulheres, existiam apenas três modalidades em duas competições, para mulheres.

47 Pode-se encontrar os resultados do estudo no quadro abaixo:

Palavras Nível de Associação

Friendship Multicultural Global Participation Peace-loving Determination Festive

Fighting to be the best Patriotic Celebration Honourable Dynamic Fair competition Modern Unity respectful Belonging to this world Uncorrupted Dignified Trustworthy Eternal 8,40 8,39 8,39 8,22 8,10 8,00 8,00 7,92 7,92 7,80 7,75 7,60 7,60 7,40 7,20 7,20 7,10 7,10 7,00 7,00

Tabela 1. Resultados do Estudo realizado pelo Comité Olímpico Internacional sobre conotações associadas aos Jogos Olímpicos. Fonte: Adapted from IOC (2009) citado por Ferrand, Torrigiani e Povill (2006/2007).

Após analisar os valores que são associados aos Jogos Olímpicos da Modernidade, interessa realçar o impacto real dos Jogos Olímpicos na actualidade, que vai muito além da esfera desportiva.

Actualmente os Jogos são o maior evento desportivo do mundo e, para além de terem milhares de participantes, de envolverem milhares de Euros, de despertarem o interesse das maiores instituições de todo o mundo, assistindo-se mesmo a um galopante crescimento do denominado ambush marketing26, o impacto dos jogos é visível também a nível

26 “O ambush marketing está definido no «Olympic Marks and Imagery Usage Handbook” do COI como uma

tentativa planeada de uma parte terceira se associar directa ou indirectamente aos JO, assim ganhando o reconhecimento e os benefícios associados a ser um parceiro olímpico, quando na realidade não o é” (Mestre, 2008: 140). Esta temática será desenvolvida no Capítulo II – Ponto: 3.5. Desafios e Ameaças, p. 141.

48 constitucional. Por exemplo, existe uma Lei na Turquia, denominada Lei Olímpica Turca, que incorpora a totalidade da Carta Olímpica no sistema jurídico nacional; as cidades e estados quando se candidatam para receber os Jogos Olímpicos têm de ceder alguma independência e soberania. O próprio Papa Paulo VI referiu-se ao Comité Olímpico Internacional como a autoridade mais alta e mais qualificada para o diálogo no Desporto, reconhecendo-o como interlocutor de excelência (Mestre, 2008).

Posto isto, há bons motivos para subscrever a ideia de que os Jogos Olímpicos têm uma influência social e económica global, para além de um grande potencial comunicacional que pode ser aproveitado por várias instituições.