• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I – A Maratona: Uma Perspectiva de Relações Públicas

2. Maratona

2.2. A Maratona e os Jogos Olímpicos

2.2.1 Jogos Olímpicos da Antiguidade

Os Jogos Olímpicos da Antiguidade foram um evento pedagógico e desportivo ímpar cujo início remonta ao século VIII a.c., mais precisamente ao ano de 776 a.c., e que terminaram no século V d.c.. Eram organizados e realizados no Santuário de Olímpia, na Grécia (Pereira, 2012; Mestre, 2008).

Apesar de ser difícil calcular com exactidão estas datas, Carlos Gomes (2007) afirma mesmo que não se conhece com rigor a data de realização dos primeiros Jogos Olímpicos, foi “a partir dos cálculos do sofista Hípias, que conseguiu elaborar o registo dos vencedores olímpicos desde 776 a.c., que esta data se torna tão importante que leva à fixação do calendário e a sua prevalência sobre os demais” (Pereira, 2012: 8).

Como já referido em relação aos Jogos Olímpicos na generalidade, também os Jogos Olímpicos da Antiguidade não se resumiam à competição desportiva.

Os Jogos – não apenas os Olímpicos – nunca se resumiam a encontros de índole desportiva. Tinham origem mítica, isto é, uma origem captável num reconto, literalmente «abocanhada» pelos homens já que só as palavras lhe conferiam uma existência e uma actualização. Os Jogos eram eco, contraponto, celebração do episódio fundador. O louro e a oliveira das coroas não eram símbolos convencionais como as nossas medalhas. Vinham directamente das árvores divinas (a de Apolo e a de Zeus) – e a glória, esse kleos almejado, que escorre dos ombros vencedores sobre a sua família e a sua terra, tal como a «fama», significa aquilo que é dito, o relato dos feitos que precede e se sucede ao homem, o seu texto (Correia, 2012: 9).

Os Jogos eram essencialmente religiosos, eram uma cerimónia dedicada aos deuses. Os Jogos Olímpicos eram o palco da relação entre o homem e as forças divinas,

(…) serviam como um espaço de comunicação entre os mortais e os Deuses, logo eram o evento perfeito para unir a força física com a espiritual, para transpor a mitologia para a arena desportiva. Ao serem nobres, respeitosos e honestos, os atletas estavam a honrar os JO e consequentemente a agradar os Deuses (Mestre, 2008: 23).

Mas como surgiram os Jogos Olímpicos? Maria Helena da Rocha Pereira (2012) evidencia duas das mais conhecidas hipóteses para responder à questão sobre a origem dos Jogos Olímpicos. Uma primeira versão refere que “derivam de um primitivo duelo, no género do «Juízo de Deus» medievais, para apaziguar a vítima no seu túmulo (Meuli)”, a segunda versão

38 defende que a origem dos Jogos está relacionada com “competições fúnebres, do tipo das em honra do Pátrocolo, no penúltimo campo da Ílidia (Popplow)” (Pereira, 2012: 8).

No entanto, seja qual for a verdadeira origem, a criação dos Jogos Olímpicos está relacionada com o sentimento de unidade. Na Grécia Antiga o sentimento de unidade nacional não era muito forte, os gregos estavam bloqueados pelo sentimento “bairrista” de cidadão de determinada cidade-estado, esqueciam-se que tinham algo em comum, o facto de serem todos gregos. E foi no sentido de resolver esta questão que “(…) os deuses decidiram apadrinhar a criação dos chamados festivais pan-helénicos, que é o mesmo que dizer festividades comuns a toda a Grécia, e que tinham como justificação a concelebração do culto a um Deus particular” (Carrito e Carvalho, 1988: XI).

À época, as Cidades-Estado Gregas estavam constantemente em guerra, pelo que, fazendo fé na mitologia, o Rei de Elis, Ifitos, na procura da paz, visitou o Oráculo em Delphi e foi aconselhado a quebrar o ciclo de conflito em cada quatro anos, substituindo a guerra por competições atléticas amigáveis (Mestre, 2008: 21).

Até 684 a.c. os Jogos antigos tinham a duração de apenas um dia, depois estenderam a sua duração para 3 dias e para 5 dias no século V a.c. Esta evolução revela o desenvolvimento dos jogos que, inicialmente dedicados a deuses do Olimpo, se tornaram uma competição mais abrangente que visava a união do mundo grego e que incluía manifestações culturais e de intercâmbio cultural, chegando a incluir concursos de música, canto, poesia, drama, entre outras actividades (Duarte, 2009).

Ao nível desportivo, os jogos Gregos compreendiam

(…) as competições equestres (carros de quatro cavalos, carros de mula, cavalos de sela); corrida (estádio para homens, estádio para rapazes); diaulos (corrida de dois estádios); dolichos (corrida de quatro estádios); corrida revestido de armas; luta para homens e luta para rapazes; pugilato para homens e para rapazes; pancrácio (luta e pugilato combinados); pentatlo (salto, corrida, disco, dardo, luta) (Pereira, 2012: 8).

Os Jogos Olímpicos eram um espectáculo com uma grande vertente cívica, um símbolo da consciência pan-helénica, promoviam uma sensação de unidade e de igualdade entre diferentes estados/cidades independentes e eram uma celebração do Desporto, da união, mas acima de tudo uma celebração religiosa (Crowther, 1999).

39 Eram celebrados em Olímpia em honra do Deus Zeus, o pai de todos os deuses gregos. Antes do surgimento destes jogos existiam competições menores, sempre dedicadas a Deuses, mas esta competição marcou a diferença por unir todos os gregos e porque implicava as chamadas “Tréguas Sagradas”23 em toda a Grécia, “(…) Ifitos, conjuntamente com Lycourgos, legendário legislador de Sparta, bem como Cleosthenes, de Pisa, assinaram um tratado de longa duração por via do qual se instituiu então a Ekecheiria, que ficou conhecida por «Trégua Olímpica» ou «Trégua Sagrada»” (Mestre, 2008: 21).

A “Trégua Olímpica” consistia na proclamação formal da inviolabilidade das regiões nas quais se desenrolavam as festas religiosas e/ou competições desportivas. Durante este período o território de Olímpia era considerado neutro, a tropa que ali entrasse tinha de depor as armas até ao momento da sua saída, e os que se deslocassem para os jogos, desde atletas, artistas e espectadores, tinham imunidade e liberdade de movimentos, mesmo que passassem por territórios de cidades hostis ou em guerra com as suas cidades natais. Quem não o cumprisse era severamente castigado (Mestre, 2008).

É importante realçar que nesta época a relação entre Desporto e guerra era muito próxima. Os atletas utilizavam a guerra como um treino para os Desportos e os Desportos como um treino para a guerra, os desportos dos Jogos Olímpicos da antiguidade eram também exercícios militares (Philostratus citado por Crowther, 1999).

A consciencialização da importância das tréguas “fundamentou-se, de igual modo, no profundo carácter religioso associado ao evento, dedicado aos Deuses” (Mestre, 2008: 22). Em suma, os Jogos tinham como valores base

(…) o respeito pelo individuo, pela sua individualidade, mas também pela sua inserção num contexto colectivo e societário; a proclamação e defesa de valores como a virtude, a tolerância, a honestidade, a justiça, a equidade. A ética e a moral, a estética e a pedagogia, estavam bem disseminados (Mestre, 2008: 17).

A questão da igualdade era tão importante que o primeiro objectivo de Herakles, a quem se atribui a criação das regras dos Jogos Olímpicos da Antiguidade, era assegurar igualdade de oportunidade entre todos os atletas concorrentes, chegando ao ponto de até a própria alimentação fornecida ser igual para todos os atletas (Mestre, 2008).

23 Por altura dos Jogos eram decretadas as “Tréguas Sagradas”, todas a guerras e conflitos eram interrompidos

40 Outra questão bastante relevante e um valor directamente associado aos Jogos Olímpicos da Antiguidade é o valor da Justiça.

Os políticos e os legisladores gregos estavam bem cientes dos valores e das bases do Desporto: as competições entre atletas e as discussões em torno de diferentes concepções filosóficas tinham um denominador comum: vencer o oponente de forma honesta, dominando-o sempre por meios justos e correctos (Mestre, 2008: 17).

Contudo, o sentimento de glória para a sua cidade de origem estava sempre presente, a ideia de agôn fazia parte do dia-a-dia da Grécia Antiga e materializava-se plenamente nos Jogos Olímpicos, até porque o lema dos Jogos é Citius, Altius, Fortius (mais longe, mais alto, mais forte), a ideia de vitória e de superação estava sempre presente.

No entanto, a glória e a forma como se ganhava era mais importante do que a vitória em si, o que deu origem a várias sanções. Existiam “severas sanções para quem considerasse a vitória como mais importante do que o cumprimento das regras” (Mestre, 2008: 21)

Na altura não se competia por bens materiais, “O esplendor da vitória decorria sobretudo da honra que ela proporcionava ao laureado” (Pereira, 2012: 8). A vitória nos Jogos trazia não apenas honras para a sua cidade-estado, mas também para o vencedor, que era visto como um herói, estando mais próximo dos deuses. Os atletas lutavam e competiam não pela riqueza, mas apenas pela superioridade, o prémio era uma coroa de oliveira brava. Os vencedores eram recebidos como heróis nas suas cidades, chegava-se mesmo a encomendar uma ode a um grande poeta (Pereira, 2012).

No entanto, segundo Alexandre Miguel Mestre,

(…) os atletas recebiam prémios materiais ou financeiros pelas suas vitórias. É certo que a coroa de oliveiras era o único prémio oficial, mas a verdade é que os atletas recebiam prémios materiais da parte das suas Cidades-Estado. Segundo o autor romano Plutarco, um vencedor olímpico cidadão de Atenas podia receber até 500 dracmas, sendo que numa inscrição ateniense do século V a.c. consta que os atletas olímpicos vencedores recebiam comida grátis e alojamento vitalício (Mestre, 2008: 115).

Após uma época de glória, que coincidiu com o período clássico da Grécia Antiga, os Jogos começam a apresentar alguns sinais de decadência, “Perdido o sentimento de devoção aos deuses, os participantes nos Jogos passam a procurar o triunfo como meio de acesso a honrarias e a benefícios materiais. Facto sintomático, o estádio, peça central do ritualismo dos

41 Jogos, passa a estar localizado fora da zona votiva” (Gomes, 2007: 23), os Jogos começam a perder a sua essência, facto que está relacionado com a ideia de profissionalismo.

E quando a Grécia foi conquistada por Roma (146 a.c.), mudou a filosofia vigente nos Jogos. Os Romanos viam os Jogos como um espectáculo desportivo que tinha apenas um objectivo: satisfazer os espectadores, o que ameaçou as ideias de agôn e de competição justa. As competições desportivas entre atletas foram substituídas por outros eventos (Duarte, 2009). Os Jogos Olímpicos da Antiguidade terminam no ano de 393, através de édito lavrado pelo bispo de Milão D. Ambrósio. Contudo, esta decisão não foi suficiente para acabar definitivamente com este legado, pois no final do século XIX surgem os Jogos Olímpicos da Modernidade.