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CAPÍTULO I – A Maratona: Uma Perspectiva de Relações Públicas

1. Desporto e Sociedade

1.3. Tipos de Jogo

Há bons motivos para subscrever a ideia de que existem diferentes tipos de jogo e que a importância e influência social do jogo difere consoante o tipo de jogo, e o nível de importância que lhes é atribuído.

Johan Huizinga (1938/2003) refere que o jogo

[…] pode decorrer em larga medida dos dois aspectos básicos que nos apresenta: a competição por qualquer coisa e a representação de qualquer coisa. Estas duas funções podem aglutinar-se de tal maneira que o jogo «representa» uma competição, ou que se torna numa competição pela melhor representação de qualquer coisa (Huizinga, 1938/2003: 29).

Roger Caillois (1958/1990) vai mais longe e, tendo em conta a extensão e variedade dos jogos, tenta categorizá-los e divide os jogos em quatro rubricas, conforme predomine, nos jogos considerados, o papel da sorte, do simulacro, da vertigem ou da competição, que são as seguintes categorias respectivamente: Alea, Mimicry, Ilinx e Agôn.

A preferência por uma destas categorias de jogo interfere nos princípios orientadores e no futuro de uma civilização pois “O gosto pela competição, a busca da sorte, o prazer da simulação e a atracção pelo vertiginoso surgem indubitavelmente como os principais motores dos jogos, mas a sua acção embrenha-se completamente na vida das sociedades” (Caillois, 1958/1990: 105).

Alea é, em latim, o nome para um jogo de dados. Baseia-se na demissão da vontade a favor de uma espera ansiosa e passiva do curso da sorte. É utilizado para designar os jogos que são baseados numa decisão que não depende do jogador, os chamados jogos onde a sorte é o factor mais relevante. Neste jogo, o jogador tem um papel passivo.

O Mimicry é qualquer jogo que supõe a aceitação temporária de uma ilusão ou de um universo fechado e imaginário, baseia-se no gosto de revestir uma personalidade diferente. Consiste sobretudo “na encarnação de uma personagem ilusória e na adopção do respectivo comportamento” (Caillois, 1958/1990: 39).

20 O Ilinx baseia-se na busca da vertigem. Denomina o tipo de jogos

(…) que assentam na busca da vertigem e que consistem numa tentativa de destruir, por um instante, a estabilidade da percepção e inflingir à consciência lúcida uma espécie de voluptuoso pânico. Em todos os casos, trata-se de atingir uma espécie de espasmo, transe ou de estonteamento que desvanece a realidade com uma imensa brusquidão (Caillois, 1958/1990: 43).

Por fim, temos o Agôn, que é o tipo de jogo que interessa analisar neste estudo. Baseia-se na ambição de triunfar unicamente devido ao mérito numa competição regulamentada. Esta categoria inclui os jogos que surgem sob a forma de competição, “[…] como um combate em que a igualdade de oportunidades é criada artificialmente para que os adversários se defrontem em condições ideias, susceptíveis de dar valor preciso e incontestável ao triunfo do vencedor” (Caillois, 1958/1990: 33).

No entanto, como é óbvio, podem existir jogos que não sejam abrangidos nestas categorias, uma vez que estas designações não abrangem por inteiro todo o universo do jogo. E estas posturas básicas que presidem aos jogos, nem sempre se encontram isoladamente. Por exemplo,

(…) uma corrida de cavalos, típico Agôn para os jockeys, é simultaneamente um espectáculo que, enquanto tal, acentua a Mimicry e um pretexto para apostas, situação em que a competição serve de base à Alea. Contudo, os três níveis não deixam de permanecer relativamente autónomos (Caillois, 1958/1990: 93).

Ora, debruçando-nos sobre o Agôn, verifica-se que este “apresenta-se como a forma pura do mérito pessoal e serve para o manifestar” (Caillois, 1958/1990: 35).

Este tipo de jogo encontra a sua forma perfeita nos jogos e Desportos de competição e de destreza (ex: alpinismo), onde os adversários, mesmo sem se defrontarem directamente, não deixam de participar num concurso para alcançar o melhor resultado. Nos jogos de competição, o vencedor aparece como sendo o melhor numa determinada categoria de proezas.

Encontramos a ideia de Agôn fora do jogo ou nas fronteiras do jogo, em outros fenómenos culturais, como o duelo, o torneio, entre outros (Caillois, 1958/1990).

21 Segundo Friedrich Nietzsche (s.a./2003), o Agôn é a mais nobre ideia da Grécia e tinha um papel fundamental na sociedade grega, conforme expõe no seu texto Homer’s Wettkampf9. O filósofo alemão toma por guia um dos textos fundadores da cultura grega, “Os Trabalhos e os Dias”. Nesta obra, Hesíodo refere-se à existência de duas deusas da discórdia, duas Éris:

Má Éris é, para eles, a que conduz os homens a lutas de extermínio uns contra os outros; boa Éris, a que impele os seres humanos para a acção, quer esse motivo se chame inveja, rancor ou ressentimento; a acção resultante tem a ver com a emulação. E porque o grego é invejoso – mas não sente esta qualidade como um defeito, antes como efeito de uma divindade benéfica –, também sente, no caso de quaisquer excessos de honra, riqueza, brilho e felicidade, baixar sobre si o olho invejoso de um deus, e receia esta inveja (Filipe, 2003: 20).

Nietzsche (s.a./2003) considera esta uma das mais notáveis realizações do mundo helénico e que serve de base para a fundamentação da importância do Agôn, da competição, para a sociedade. Considera ele que esta competição tinha sempre como fim o bem comum, este estímulo para a acção visava o constante desafio entre forças, e para tal era importante que ninguém fosse “o melhor”, que houvesse sempre um desafio. É importante que existam sempre vários génios, que se estimulam mutuamente no sentido da acção. Esta ideia é o cerne do conceito de agôn.

Em suma, “a pedagogia popular grega reclama que cada talento ou vocação se desenvolvam pela luta” (Filipe, 2003: 22). O filósofo alemão Friedrich Schiller (1795/2002) antecipara já esta ideia, referindo que “Não houve meio de desenvolver as múltiplas potencialidades do homem senão opondo-as. Este antagonismo das forças é o grande instrumento da cultura, mas apenas um instrumento” (Schiller, 1795/2002: 40). Para Schiller (1795/2002), o ideal do Homem é alcançar a beleza através do jogo de equilíbrio, onde o sensível e o racional se harmonizam.

A competição pode ser vista como um aspecto fundamental na cultura grega, e no seu seguimento da cultura ocidental. Interessa então analisar a relação entre competição e Desporto e a importância social do Desporto na sociedade actual.

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