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A Marginalização, a Inversão e a Reintegração: práticas sociais do aprendiz varão.

No documento MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA SÃO PAULO (páginas 51-57)

1.3 A Virilidade Humana ao Longo do Processo Civilizatório.

1.3.5. A Marginalização, a Inversão e a Reintegração: práticas sociais do aprendiz varão.

Nas fases que se seguem à educação dos homens viris, a aprendizagem referente às praticas de homossexualidade são asseguradas por procedimentos que qualificam pela marginalização: um rito de passagem que, segundo Vigarello (cf.p.37), não deixa de manter similaridades com aquelas das sociedades tribais, dentre as quais se situam as indígenas a que nos referimos na seção anterior desse mesmo Capítulo. A marginalização implica em afastar os aprendentes do espaço ocupado pelos limites dos lugares da cidade, após ser simulado um rapto pelo seu amante: papel não raramente representado por um eunuco: um escravo castrado, mas, necessariamente, nem sempre. Assim, (...) “todos aqueles que acompanharam o rapto e, após ter festejado e caçado com ele ao longo de dois meses”, retornam à cidade, devendo-se considerar o fato de que, em Atenas, ao receber seus equipamentos militares, passa a fazer marchas por regiões distantes da cidade e guarnições nos fortes, “interditando” a presença dos novos guerreiros na cidade. (cf. p. 36 e 37).

É nesses lugares às margens dos padrões de convivência estabelecidos para a vida citadina que os procedimentos de “inversão” são impostos “legalmente”, de modo a prever o tempo de sua duração e um relatório da vida que o aprendente teve com seu amante, bem como a escolha dos presentes finais, assim como a necessidade de o amante ser do seu mesmo estrato social e se destacar por suas qualidades morais. Todas essas questões são fixadas pela lei que exige, mais tarde, do aprendente a fazer uso da sua virilidade para perpetuar o corpo cívico da sociedade, ou seja, submetendo-se ao poder de uma mulher que o domine e gere um filho seu - por esse procedimento que dele fazia o pai de um varão, mantinha-se a sua reintegração à sociedade e ao mundo político grego. Contudo, mesmo quando se educava o aprendiz como invertido, a sua posição natural era a do homossexual ativo, devendo-se considerar ser o homem – jamais a mulher – o centro das relações matrimoniais, onde o amor é um sentimento dele excluído, ou seja, dissociado do casamento. Assim, nesse espaço onde a reintegração do jovem homem educado estava associado à sua condição de pai de um varão e às atividades políticas, a mulher nunca teve nada a dizer.

A reintegração do jovem educando orientada por regras da legislação educacional e valores de cidadania não excluía padrões éticos e estéticos da beleza viril, socialmente aceitos cujo modelo de representação era expresso por atributos da força física e da virilidade. Exceção feita a deuses específicos ou representantes da função fálica – quando o seu pênis - os caracteres sexuais são pouco evidenciados, pois as suas representações, principalmente sob a forma de estátuas nuas, tinham o propósito de exaltar a beleza física da totalidade de seus corpos e realçar este ou aquele atributo divino. Assim, entre as representações de deuses e/ou heróis nus mais musculosos e já idosos prevalece a expressividade enlanguescida, devendo-se considerar que os heróis são dotados de órgãos sexuais modestos e, não raramente pequenos, pois a obscenidade para os gregos não estava na exposição desse seus membros. Os membros volumosos - para os homens de uma cultura onde o estar nu era legítimo – fazia-se objeto da sátira ou comédias, pois a pequenez era sinônima de boa educação.

Esse modelo de virilidade se fazia presente em manter a pele queimada pelo sol cuja tonalidade se assemelhasse às cores misturadas do cobre e do estanho, bem como o corpo não depilado – ao contrário das mulheres cuja pele se qualificava pela brancura- pois a depilação expressa o desejo do adulto em conservar seu aspecto adolescente. O uso de cabelos longos – embora caracterize a postura da aristocracia, no período clássico - é visto como marca de feminilidade: hábito entre os bárbaros que os deixavam soltos, acrescentando-se o uso de roupas finas e alguns tipos de adornos, pois as roupas grotescas qualificavam o homem viril. .Vigarelo (2013) conclui que, ao denigrir a imagem feminina, os autores da Grécia antiga, exaltavam a masculinidade do homem grego pois o discurso de desvalorização da mulher é mais simples e mais apropriado para ressaltar aquele da virilidade do cidadão da época. Ressalta, por fim o autor, que as relações sexuais entre homens adultos não está ausente das relações que distinguem esses cidadãos pela valorização de seus desejos viris: satisfazê-los é sempre uma necessidade primeira. Contudo, ao satisfazer seus desejos sexuais com outro homem, a virilidade jamais é atribuída àquele que se deixa penetrar, visto que o reconhecimento papel social do macho numa reação social é atribuída àquele que não muda sua posição, ou seja, não se deixa dominar como se fora uma mulher. (cf. 41 a 50)

Nesse contexto, cabe ressaltar o sentimento de repúdio sobre o incesto, sobre o contato bucogenital e a prostituição entre pederastas; entretanto, quando distantes de suas mulheres, ao frequentarem lugares coletivos que lhes eram reservados, todos eles dão vazão a seus desejos sexuais, seja por meio de práticas sexuais com mulheres ou com outros homens – principalmente com as ou os escravos. Contudo, não havia coação e tampouco pagamento por essas práticas, pois o significado de “pudor” implicava o não constrangimento, a não obrigação em servir e tampouco não se oferecer ou provocar o amante, mas esperar o momento de ser venerado como amante. Vender o corpo ou assumir posição feminina nessas práticas era um ato infame e perverso quanto o estupro ou o incesto; valores contrários à virilidade. Assim, beber e seduzir são atividades valorativas, desde que seja excluído o beijar-se como ato sedutor visto que por ele se dá a escravidão aos desejos do outro: atitude imprópria para um homem livre; todavia o abraço entre dois homens anuncia o sucesso da sedução. Nesse sentido, durante um banquete aristocrático – cujo propósito é a reunião entre companheiros para consolidar laços familiares e reforçar a solidariedade entre/dos guerreiros – a bebedeira reforça a coesão do grupo e, ao mesmo tempo afirma o caráter superior dos participantes. Trata-se de uma reunião que não se faz extensiva a todos os cidadãos, os convivas são escolhidos e, no centro do espaço desse tipo de banquete, há uma linha divisória que separa, de um lado, os cidadãos e, do outro, os jovens adultos reduzidos ao mesmo papel das mulheres convidadas para participarem dos prazeres oferecidos. Nesse contexto, o homem se mantém como centro do universo feminino, onde o sentimento é excluído ou mantido sobre controle e, ainda que o macho grego busque o amor do outro macho, a sua preocupação era se tornar o pai de um herdeiro varão, visto que o casamento faz parte da estratégia política e econômica do Estado. Logo, a preocupação ou objetivo era a construção de uma identidade masculina dominante; assim a virilidade, a glória das armas, uma mulher legítima e o poder eram três grandes sinais da civilização grega. (cf. p. 61 a 70.)

1.4 . A Homossexualidade pela Educação Romana.

O peso da cultura romana é imposto nas regiões da velha Europa pela colonização latina, ao longo dos séculos a que foram submetidos os diferentes povos que habitavam suas terras ocidentais, dentre as quais estiveram aqueles da Península Ibérica, da França e

Romênia – regiões que herdaram a língua daquele Império e, dos povos ibéricos, a América Central e do Sul são herdeiros de sua língua e cultura. Na América do Norte, seus herdeiros, são os mexicanos. Segundo Thuillier (2013), respeitadas as diferenças idiomáticas das línguas neolatinas – português, espanhol, francês e romeno – o termo virilidade encontra no léxico latino o matiz do vocabulário de que essas línguas fazem uso para expressarem o significado de virilidade, conservando, ainda hoje, seus sentidos semelhantes. O único termo que desapareceu foi o vocábulo “vir”: origem, de onde tudo se desdobra que, substituído pelo termo “homem” passa a designar tanto o “varão” quanto o gênero “humano”. A concepção de “virilidade”, por sua vez, também sofreu tênues mudanças de significação, mas mantém semelhanças com aquela que os romanos a ela atribuía, quando bem traduzidos, observa-se que o termo “viritas” designa tanto o adulto quanto o órgão sexual masculino. Já “eunuco” é aquele cuja virilitas foi retirada: adolescentes castrados por mercadores de escravos para serem valorizados por certos clientes do velho Império. Assim, o termo “vir” – homem concebido no sentido de macho – também pode se remeter aos órgãos sexuais masculinos e, sem os órgãos da sua virilidade, poetas como Catulo faz referência ao gênero feminino para descrever um eunuco, que se torna um vir sterelis, um sem servir: uma metade de homem na idade de sua iniciação, como serão os galli, os sacerdotes castrados: um “hermafrodita”: meio homem, meio mulher. (cf.p.74)

Thuillier (2013), nesse contexto e pontuando diferenças e semelhanças entre os gregos e os romanos, afirma que o aparecimento da barba no rosto do adolescente, fazia com que seus cabelos longos e encaracolados fossem cortados para se diferenciar a criança do adolescente – embora os cabelos encaracolados simbolizassem o bom uso da virilidade. Ressalta, ainda, o significado do “vir” como “esposo”, visto que o sexo do homem é o que permite a uma jovem “romper o cinto virginal”: marca de honra reivindicada pela mulher romana, em cujos epitáfios se grafava univira: mulher de um único homem. – contentar-se com um único homem era para ela uma glória. O mesmo, mas bastante raro são registros era o inverso, um homem ter relações sexuais apenas com sua esposa, atitude não compartilhada pela grande maioria dos romanos que viviam e conviviam com várias parceiras. A abstinência sexual, por sua vez, fosse com homens ou mulheres, é fato excepcional, a não ser para os impotentes: aqueles que possuem “a vara mais lânguida e

pendente do que a haste da acelga (...) que nunca se elevou acima da metade da sua túnica” . (cf. p.75 e 76).

Uma referência significativa que aponta semelhança com a cultura grega é o fato de os textos romanos – múltiplos e variados sobre o tema –considerarem que os rapazes, antes do casamento, mantinham apenas relações sexuais com outros garotos: aqueles com quem eram iniciados em práticas “invertidas”. Todavia e à semelhança da cultura europeiado tempo do império romanos, até o século XIX – e no Brasil até o século XX, período pós-revolução sexual - o jovem era iniciado nessas práticas por uma prostituta. Essa oposição entre o comportamento sexual masculino e feminino, não excluído o homossexualismo entre homens e mulheres, trazia consigo preconceitos quanto a essas práticas referentes aos homossexuais egípcios entre os romanos, principalmente aqueles cuja pele era branca como a neve e tinham os cabelos lisos, mesmo que o ativo fosse o romano. O marco desse preconceito estava na valorização da tez e do corpo bronzeado do homem romano que, à semelhança do grego, era norma de virilidade.

Todavia, afirma Thuillier (2013), no campo da sexualidade, a distância que separa o cumprimento das regras e a conduta normativa dos cidadãos sempre esteve pautada pelos comportamentos da vida privada que não alcançavam grau significativo de propagação na esfera da vida pública. Embora o autor faça referência à existência de uma lei para impedir experiências homossexuais, dela se conhece muito pouco, a não ser que a sua função era impedir a prostituição forçada de crianças e sua castração aos olhos de clientes adultos. Outra legislação que, embora situasse as mulheres livres e as casadas no topo da hierarquia das conquistas dos homens viris - em detrimento do escravo, mesmo quando liberto – essa outra lei visava a condenar as mulheres adúlteras a várias penas. Entretanto, mesmo antes dessa lei, grande era o risco de os maridos ou os pais de uma donzela exercerem a justiça privada sobre os amantes, pois esses eram sexualmente violentados e mutilados pelos pais dessas donzelas ou de suas mulheres. Os estudos desse autor ainda incidem sobre as dimensões imponentes do órgão sexual masculino e sobre a felação, para ressaltar que as dimensões de imponência dos cidadãos eram traduzidas por “bem membrado, bem provido pela natureza”: os “onobeli”. Em razão desse “grandes membros, os gregos os comparavam ao “asno” e assim eles eram denominados. Já os romanos, quando eles tinham grande quantidade de pelos no

tórax, nas costas, nádegas, além dos pubianos, denominava a eles por “ursos”. Mas a busca por esse tipo de homem-urso, geralmente, se dava nas regiões dos portos, onde eles caçados ou identificados entre os marinheiros e, segundo o autor, um dos Imperadores romanos, Cômodo, muito os estimava. Essa estima era expressa pela alta recompensava àqueles de pênis impressionante, mas sempre chamando a um deles de “seu asno”: um homem ideal para servir a todos os outros. Essa mesma predileção recai sobre o Imperador Elagabal que tinha a mania de fazer procurar por toda a cidade e para sua satisfação pessoal aqueles que fossem sexualmente dotados de partes “mais viris” (cf.p.77 e 78). Convém ressaltar que, para o código de avaliação moral dessas práticas culturais entre os romanos, referente à situação do invertido – assim como para os gregos - é objeto de exclusão, pois não se atribui ao invertido qualquer valor de virilidade. Logo, a virilidade entre os romanos também se qualificava pelo valor atribuído ao homossexual ativo - à semelhança dos gregos - seja qual for o modo de penetração, ou quem seja o parceiro penetrado. O mesmo critério de avaliação é topicalizado quanto ao ato de felação; contudo, quando se compara a literatura com os textos jurídicos sobre o tema, torna-se difícil considerar o alcance dessas leis que existiam há muito tempo. No caso de práticas legalmente condenadas também não é possível considerar qual foi o alcance de suas coerções sociais.

Apresentamos, abaixo, sob a forma de síntese dados registrados por Thuillier (2013), ao longo de seus estudos, por meio de investigações que têm grau de frequência significativa entre os historiadores do Império Romano, mas nem sempre abonadas ou reiteradas por investigações no campo da literatura da época. Sabemos que, ao contrário dos gregos,  Os romanos valorizaram sobremaneira a cultura guerreira, assim: muitos são os textos que topicalizam a perspectiva sombria para os vencidos que, tanto eram executados como também sofriam violações em massa de suas mulheres livres, virgens, casadas ou de seus cidadãos-guerreiros: assim, não só o domínio dos perdedores mas também a penetração no plano sexual era estratégia de humilhação, e dela fazia parte:  A penetração feita por bolas de funda de chumbo, sob a forma de azeitonas chamadas glandes, visando o traseiro masculinos e femininos;.

 Relações entre imperadores e seus garotos amantes não são reprovadas pela opinião pública, mas chorar a sua morte, como se fora uma mulher sentimental, é não ser um

homem viril que sempre deve ocultar e superar seu sofrimento – nesse caso, o autor chama a atenção para o uso dessa regra em comunidades da periferia das cidades modernas;

 Abraçar a própria esposa em público ou diante da própria filha, também é um ato de despudor a que não se presta um homem viril; pois a impotência é ser dominado por expressões sentimentais sempre vista como desvirilidade, um ato de impotência próprio da feminilidade extensiva a expressões de sentimentos de cólera– uma diferença entre os romanos e os bárbaros sempre incapazes de controlar seus sentimentos.

No documento MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA SÃO PAULO (páginas 51-57)