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A Virilidade entre os Povos Tribais

No documento MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA SÃO PAULO (páginas 34-40)

1.3 A Virilidade Humana ao Longo do Processo Civilizatório.

1.3.1. A Virilidade entre os Povos Tribais

A busca por essa história móvel que faz remissões às qualidades viris dos seres humanos, continuamente desconstruídas-reconstruídas, desorganizadas-reorganizadas no tempo e pelo tempo não são produtos apenas da vida social, mas também, da vida econômica, mercantil, religiosa, psicológica, enfim, cultural. Para os historiadores da

antropologia, ela pode agregar valores de elegância e graciosidade em contraposição àqueles de truculência, do combate, da força bruta, ou vice-versa. Observam ainda que a virilidade não se refere apenas a comportamentos efeminados, visto que os seus valores também são interpretados pelo princípio da honra, do combate mesmo para qualificar o comportamento do guerreiro que sempre recorre à espada e não às palavras, às atitudes viris de gentilezas para manter-se honrado. Assim, os termos “gentleman” ou “lady” para

os ingleses têm por referência as normas de “cortesia e foram incorporadas para se referirem aos modos de proceder da mulher ou do homem “sábio”, equivalente ao areté a que se referia Aristóteles ou à virilidade a que se referiam os latinos. Tratam-se de termos que se referem à formação humanística, de modos de agir, de proceder e de ser que qualificam usos, costumes hábitos dos grupos humanos, diferenciados entre si, conforme estados de processos civilizatórios distintos.

Considerado o fato de os homossexuais, que são pessoas que se relacionam com outras do mesmo sexo, sempre terem existido entre quaisquer grupos humanos, é preciso ponderar a possibilidade de se identificar estudos que antecedem àqueles das primeiras civilizações humanas, sob a forma de registros rupestres, conforme quadros abaixo. Pontua-se que essa pintura se refere à região da Serra da Capivara, do Estado do Piauí e nela é possível identificar a rotina de caçadores-coletores, bem como a participação de animais em práticas sexuais desses homens pré-históricos.

Figura 1- Registro rupestre, Serra da Capivara-PI

Fonte:

http://www.ufpi.br/20sic/Documentos/RESUMOS/Modalidade/Humanas/Hebert%20Rogerio%20do%20Nasci mento%20Coutinho.pdf. - Acesso em 12/09/2013.

Nesse contexto e considerados os estudos de Paz (Cf. 2002) entre os nativos das duas Américas ibéricas - a do Sul e a Central e a América do Norte – foi possível identificar resultados mais sistematizados sobre o tema, de modo a melhor explicitar o sentido, talvez universal da cultura humana quanto a sentidos de caráter mais universal. São aqueles que, embora valorizem a heterossexualidade atividade necessária para a manutenção e preservação da vida humana na Terra, apresentam um olhar sobre a homossexualidade por uma perspectiva que coloca em relevo o ponto de vista cultural, sem deixar que sobre ele prevaleça uma perspectiva simplesmente ideológica.

Esse autor se detém em pontuar para seus leitores que o Novo Mundo - seja ele focalizado pelo modelo colonizador europeu ou pelo neocolonialismo da América do Norte -sempre foi representado por uma perspectiva permansiva que valoriza os extremos sociais: o barão, o navegante, o fundador e civilizador e o “patucho” - o deserdado, o migrante, o pária da sociedade desenvolvida. No espaço dessas relações de contrariedades, busca descrever o comportamento, o modo de ser e de proceder ou de agir do homem latino-americano, como representação da sua identidade. Assim procedendo, pontua que “Quem teve a visão da Esperança não a esquece. Busca-a embaixo de todos os Céus e entre os homens” Paz (op.cit.: p.22) razão pela qual a esperança é um marco da identidade do patucho. Reitera a necessidade de não se pode abandonar o trabalho incansável de resgatar a identidade do homem latino da qual mexicano partilha. Adverte que tal necessidade se justifica diante de investidas da América anglo-saxônica e do seu incansável e neurótico sistema de diferenciações, pois essa outra América é historicamente exterior àquela do ”pachuco” que sabe como se lançar fora de si para não ser como aquilo que o rodeia: um norte americano anglo-saxão. O “pachuco”, segundo Paz, é um homem que não se deixa revelar quem realmente ele é, exceto essa sua vontade de não ser esse seu outro; mas não se trata apenas de diferenças econômicas como se quer fazer crer.

Esse matiz antropológico é uma herança da cultural que aproxima o indígena das civilizações dos astecas e dos maias e que também se faz presente nas comunidades indígenas centro e sul-americanas, cujos homens são ariscos e corteses. Expressa esse seu modo de ser não só pelo da palavra, pois o silêncio, a cortesia, a depreciação pelo uso da ironia também fazem referência a sentidos que desvelam a resignação para

expressar sua solidariedade e solidão, o que faz com que muitas vezes sejam qualificados como ariscos, desconfiados ou mesmo resignados. São sentidos por meio dos quais eles buscam zelar não só por suas intimidades, mas também pela intimidade alheia, pois não só as palavras, mas um simples gesto pode significar um agrado ou uma ofensa: palavras ou suspeita de palavras resultam em usos de significações suspensas – razão pela qual as reticências, figuras, alusões são bastante frequentes em suas atividades de fala. Assim, numa disputa verbal fazem opção pelo silêncio e não pela injúria, pois essa preferência funciona como uma muralha capaz de estabelecer o distanciamento do outro: um índice de quem se faz impassível, distante de si mesmo. Essas estratégias, afirma Paz (op.cit. p.200) têm por referência sentidos de hombridade, de virilidade, pois nada há de mais significado para a cultura indígena do que o não se deixar rachar, ou penetrar pelo outro, por suas condutas ou atitudes.

Nessa acepção em que a concepção de virilidade é expressa pelo esforço de jamais “se abrir”, ainda que esse homem possa a vir a se curvar em razão de uma força maior, superior que sobre ele se abate, quando se é vencido pelo inimigo, por exemplo. Entendem que o rachar-se, segundo Paz (2002; p.33) é uma posição assumida por aqueles que são covardes, destituídos dos princípios e dos sentidos de hombridade. Trata-se de um homem que

Puede doblarse, humillarse, “agacharse”, pero no “rajarse”, esto es, permitir que el mundo exterior penetre em su intimidad. El “rajado” es de poco fiar, um traidor o um hombre de dudosa fidelidade, que cuentalos secretos y es incapaz de afrontar lospeligros como se deve. Las mujeres som seres inferiores porque, alentregarse, se abrem. Su inferioridade es constitucional y radica em su sexo, em su “rajada”, herida que jamás cicatriza. (...) Toda abertura de nuestro ser entraña uma dimisión de nuestra hombría..1

Esse modelo de representação de virilidade, quando se refere à mulher – para pontuar seu modo de ser, agir ou se comportar, no espaço público das sociedades civilizadas - valoriza suas atitudes recatadas, de modo que o pudor feminino tem caráter defensivo para proteger sua intimidade. Para o homem essa proteção está na reserva das palavras; razão por que entregar-se a confidências sempre é uma atitude é perigosa, seja para

1

Pode dobrar-se, humilhar-se, ‘agachar-se”, mas não ‘rachar-se’, isto é, permitir que o mundo exterior penetre em sua intimidade. O ‘rachado’ é de pouca confiança, um traidor ou um homem de duvidosa fidelidade, que lhes conta segredos e é incapaz de enfrentar os perigos como se deve. As mulheres são seres inferiores porque, ao entregar-se. Se abrem. Sua inferioridade é constitucional e reside no seu sexo, em sua “rachada”, ferida que jamais cicatriza. (...) Toda abertura de nosso ser entranha uma renúncia à nossa masculinidade”.

aquele que faz confidências como para aquele que as ouve; por isso ele jamais deve se abrir e tampouco se entregar a sentimentos que revelem quem ele é na sua intimidade para não correr de ser invadido na terra da sua solidão.

Nesse contexto, Paz situa o tema da homossexualidade entre os povos das Américas ibéricas onde a mulher representa o marco da vida, de perpetuação da espécie que é, por essência, impessoal e, nesse fato “radica su impossibilidade de tener uma vida personal. Ser Ella misma, dueña de su deseo, de su pasión o su capricho, es ser infiel a sí misma (...) no condena al mundo natural2. Tampoco el amor sexual está teñido de luto”3, Cf. Paz

(2002: p.40 e 41) como nos países ibéricos – pois, o perigo não está no instinto próprio, mas em assumir esses desejos instintivos de modo individual, como se pudesse ter controle sobre eles. Nessas sociedades, sempre são as mulheres que cativam os homens, seja pela agilidade de seus espíritos, seja pelo movimento de seus corpos; mas elas sempre esperam que eles deem voltas ao redor delas: aguardam para serem festejadas. Assim e à semelhança de um ídolo, ela é a senhora, a dona da sua força cuja eficácia e poder estão na busca do que é sempre secreto para o homem: o seu sexo oculto, que só se torna ativo pela força do cosmo; é na mulher, pela mulher e com ela comungado que os homens se tornam senhores da terra, da água, do ar e do fogo de suas próprias paixões.

Essa interpretação dos conhecimentos referentes ao mundo natural por esses povos indígenas não exclui, por um lado, a concepção de uma má mulher, contudo, essa imagem sempre está associada à ideia de uma atividade sexual insatisfatória, contraposta à de abnegada mãe, ou mesmo daquela que busca os seus homens e os abandona: uma mulher sem pudores, de alma petrificada. Trata-se de uma mulher maldosa, tão independente quanto seu macho: concepção que transcende a sua fisiologia e a sua função natural e social. Por outro lado e nesse mesmo contexto, situa-se a homossexualidade masculina, sempre concebida com indulgência, quando se trata à ação do macho que é ativo, pois “El passivo, al contrario, es um ser degradado y abyecto”.4

Representado por palavras de duplo sentido que fazem alusões à obscenidade, ele se

2 Ser ela mesma dona de seu desejo, de sua paixão ou de seu capricho, é ser infiel a si mesma (...) não condena ao mundo natural.

3 Tampouco o amor sexual está tingido de luto. 4

qualifica como um ser ambíguo, aquele que é o vencido, pessoa que não se pode contestar e que se ocupa em tragar, absorver as palavras que ouve para propagá-las aos adversários a quem se submete. Trata-se de um homem perdido por ser deixar ser possuído, violado pelo inimigo dos não homossexuais. Assim e por essa mesma razão sempre foram impedidos pelos povos indígenas de exercerem o papel social de guerreiros – mas apenas os passivos, pois manter relações homossexuais com o vencido, na condição de homossexual ativo, era descobrir estratégias para vencer os guerreiros inimigos.

Esse modelo de representação das relações homossexuais que, segundo Paz, (2002: p.44.45 e 46), atribui significativo valor ao “no abrirse” y, simultaneamente, rajar, herir al

contrario, adverte sobre os caminhos da mentira” que, se por um lado nos leva à autenticidade, por outro, um excesso de

“sinceridad puede nos condicirmos a formas refinadas de la mentira. Quando nos enamoramos nos abrimos , mostramos nuestra intimidad, ya que uma viejar adición quiere que el que sufre de amor exhiba sus feridas ante la que ama. Pero al descobrir sus llagas de amor, el enamorado transforma su ser em uma imagem, em um objeto que se entrega a la contemplação de La mujer – e de si mismo. Al mostrasse, invita a que lo contemplen com los mismos ojos piadosos com que él se contempla. La mirada ajenaya no lo desnuda; lo encubre de piedad. Y al presentarse como espectaculo y pretender que se le mire com los mismos ojos com que él se ve, si evade Del juego erótico, pone a salvo su verdadero ser, lo substuye por una imagem. Subtrae su intimidad, que se refugia em sus ojos que son nada más contemplación y piedad de si mesmo (....). Lo amor es una tentativa de penetrar en outro ser, pero so lo puede realizarse a condicion de que la entrega sea mutua. No se trata tanto de penetrar la realidade, através de um cuerpo, como de violar”.5

Nesse e por esse contexto sociocultural-histórico, tornou-se possível identificar a questão da homossexualidade entre povos da civilização egípcia e greco-romana.

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“sinceridade pode nos conduzir a formas refinadas da mentira. Quando namoramos, abrimo-nos, mostramos nossa intimidade, já que uma velha redução quer que aquele que sofre de amor, exiba suas feridas diante da pessoa que ama. Porém ao descobrir suas chagas de amor, o namorado transforma seu ser em uma imagem, em um objeto que se entrega a contemplação da mulher – e de si mesmo. Ao mostrar- se, convida a que o contemplem com os mesmos olhos piedosos com que se contempla. O olhar ‘ajenaya’ no o desnuda; encobre de piedade. E ao apresentar-se como espetáculo e pretender que se olhe com os mesmos olhos com que ele se vê, si evade do jogo erótico, põe a salvo seu verdadeiro ser, o substitui por uma imagem. Subtrai sua intimidade, que se regurgita em seus olhos que são nada mais do que contemplação e piedade de si mesmo (...) O amor é uma tentativa de penetrar em outro ser, porém só pode realizar-se essa condição desde que a entrega seja mútua. Não se trata tanto de penetrar a realidade, através de um corpo, como de violar”. (Cf. Paz, 2002: pp. 44,45,46).

No documento MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA SÃO PAULO (páginas 34-40)