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A Virilidade entre os Greco-Romanos e os Modernos:

No documento MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA SÃO PAULO (páginas 44-51)

1.3 A Virilidade Humana ao Longo do Processo Civilizatório.

1.3.3. A Virilidade entre os Greco-Romanos e os Modernos:

A virilidade entre os gregos, ao contrário dos egípcios, é assegurada por grande quantidade de documentos por meio dos quais é possível retratar o ideal desse homem

como membro de um grupo sexual. Assim o tema em questão pode ser identificado não só nas epopeias, mas também a vários textos do período do imperial, estendendo-se aos elogios feitos aos atletas vencedores, às narrativas de Plutarco, às comédias de Aristófanes, aos diálogos de Platão e, por meio desses seus discursos, mantém um grau de coerência inquestionável. Todavia, comparados esses textos com aqueles expressos por meio de imagens, é possível identificar que as representações sobre a virilidade do homem grego não se mantiveram unívocas, ao longo dos modelos valorativos ou ideológicos das formações sociais citadinas que se seguiram aos matizes da cultura grega, expressos por essa vasta literatura. Alain Corbin, Courtine e Vigarello (2013), ao se ocuparem dessa vasta literatura e considerando o distanciamento entre esses matizes primeiros, pontuam as anedotas ou piadas de gêneros dos gêneros do discurso da época que provocam o riso, cuja função é colocar em relevo “a moral” da sociedade daquela época e afirmam ser o riso o resultado das utopias humanas: sonhos do que poderia vir a ser, não fosse o homem um produto da própria natureza. Assim, por essa modalidade de discurso, o que se busca é falsear a autoridade da tradição, segundo os autores.

Vigarello pontua que o termo “andreia” expresso em língua grega equivale ao termo “virilidade” usado pelos falantes da língua latina e, juntamente com os seus vocábulos derivados, se faz presentes nas línguas modernas para denominar “o mais perfeito dos seres masculinos”. A “andreia” grega traz como referência a guerra, a bravura, o domínio sexual por meio de um quadro de significações valorativas que não tipifica apenas “o ser homem”, mas aquele que “vale mais” e, nessa acepção, são qualidades que deixam de representar apenas o sexo varonil, ou seja, o que melhor representa as qualidades maximizadas de “o masculino”. Trata-se de um polo significativo que faz referência à coragem, à afirmação pessoas, associada ao domínio sexual, ou seja, a um modo de formação, de educação e, em contraposição, tem-se o polo que hierarquiza ou classifica os covardes, os indecisos, os medrosos. Em relação à homossexualidade, essas são qualidades atribuídas parceiro sexual que assume ou exerce a posição de passividade, por ser o alvo da ação sexual do outro: o macho propriamente dito.

Esse modelo de formação, pressuposto pelos atenienses se faz extensivo à sociedade grega espartana onde a educação do jovem era voltada para o combate que, à semelhança do cavaleiro medieval, estava convencido de ascender aos postos superiores

pelas lutas vencidas. O modelo de aprendizagem austera dos códigos da força e dominação, moldada pela construção da virilidade, se fazem extensivos por longo tempo e extrapola os limites da civilização antiga, perpassa a medieval e, ainda, alcança a civilização do mundo moderno. Assim, no Século das Luzes (XVIII), os higienistas reclamam sobre a perda da “virilização” e “da força da educação”, em razão do esquecimento da austeridade, dos modelos herdados dos clássicos. Ideal idêntico se inscreve entre os higienistas dos modernistas do nosso tempo presente, visto que os nossos padrões intelectuais e morais, ainda hoje, perpassam os modelos greco-romanos, embora eles tenham sofrido e sofram mudanças no tempo e no espaço. (cf. p. 12).

Essas mudanças respondem, por exemplo, pela ruptura entre a condenação do homossexual e a valorização da castidade: posição do modelo cristão, ou pela transformação do cavaleiro medieval em cavalheiro. O primeiro, um homem casto, cuja força é adquirida na indissociabilidade com aquela do seu cavalo, e o tema das lutas sangrentas funciona como índice de temperamento de força assegurava e garantia sua filiação e hereditariedade. A essas qualidades acrescentam-se o comer e o beber sem medida, a proximidade bastante íntima entre a arte da equitação e a arte do amor. O segundo, o cortesão ou cavalheiro, deve saber manejar seu cavalo com delicadeza e firmeza, obrigar o animal a ziguezaguear exibindo o seu porte garboso que deverá dançar nas pistas de equitação e, conduzido por ele com delicadeza, gestos firmes, contudo delicados. Esse animal não mais é adestrado para combates truculentos, tampouco o seu dono. O homem viril das cortes palacianas dos séculos XVI e XVII agora é educado para as etiquetas, cultua a sua postura, flexibiliza o seu corpo, reforça sua aparência, aprende a comer com garfo e faca, e não mais come e bebe de forma desmedida. A leveza e a graciosidade suplantarão a truculência, a graciosidade, as antigas deselegâncias; os exercícios físicos não visam apenas ao treinamento militar, mas promovem o seu bem estar, a compostura e o apelo às aparências distintas. Hoje, na nossa modernidade dos séculos XX e XXI, essas mesmas qualidades são exploradas de forma mais extensiva e por um maior número da população citadina, à semelhança do antigo universo palaciano, acima pontuado. Nesse caso, a virilidade tem por marco a leveza e a elegância, o vigor da postura refinada e a força do que não se deixa quebrar. (14 e 15)

A andréia, considerada no campo da formação do cidadão perfeito, aquele que dispensa os bons conselhos e é o mestre da palavra, também diferencia o homem da mulher pelo acesso à palavra política, à eloquência da persuasão – hoje, esse acesso já se faz extensivo às mulheres. Embora a guerra e a política sejam lugares da sociedade grega que expressar a andréia dos seus cidadãos, essa expressividade também se faz presente na capacidade de imposição do desejo sexual, de dominar a casa onde o cidadão grego habita e não são menos significativos, pois tudo o que se refere ao domínio público e se realiza aos olhos de todos é de fundamental importância. Essa mesma posição se faz presente na nossa modernidade, onde o espaço privado invade o público e vice-versa. Nessa acepção, afirma Vigarello (p. 20, 21) que as mulheres também podem expressar sua andréia, exemplificando o fato de

(...) Electra convidar sua irmã Cristomis para vingar o seu pai Sófocles. Heródoto, segundo o autor, também não hesita em julgar viril Àrtemis de Halicarnaso, ao afirmar que sua conduta guerreira e a sabedoria de suas opiniões se igualam àquelas dos melhores generais do Grande Rei, por ocasião da segunda guerra médica: o gênero não é mais questão de sexo, mas de comportamentos e virtudes, no topo dos quais figura a coragem. (....) entre aquilo que diferencia infalivelmente o homem da mulher está o acesso à palavra política, à eloquência que persuade.”

Nesse contexto, é considerado o fato de os gregos atribuírem à educação função prioritária à formação da virilidade, sem excluir do seu campo as qualidades físicas referentes à beleza e à força física, de modo que as cidades reservavam lugar próprio para a educação de seus varões, por um lado. Os seus pensadores, por outro, ocuparam- se com comparações entre diversos sistemas educacionais da época, mas voltados tão somente com a educação de crianças e jovens do sexo masculino.

Hoje, esses jovens não se reduzem apenas aos meninos, pois a educação também se faz extensiva às meninas e, por essa educação se faz responsável à família e as instituições escolares públicas e privadas, bem como as religiosas: todas responsáveis por um modelo de formação do homem viril capaz de ser representado ou se autorrepresentar pelas qualidades psicofísicas, sociais ou morais daqueles que se compartam ou agem em conformidade com a “andréia” pressuposta pela cultura do mundo moderno.

1.3 4. A Homossexualidade pela Educação Grega.

No contexto de compreensão da andréia e/ou da virilidade, acima pontuado, tem-se a cultura como marco da formação educacional das crianças, jovens e adultos das sociedades dessas civilizações antigas; contudo, a relação entre educação e cultura não se qualificava pelas significações de meio e fim, como na nossa sociedade moderna. Ao se educar por ser educado, aprende-se a cultuar e a cultivar os padrões, as normas dos matizes culturais, socialmente instituídas pela educação, ou vice-versa, isto é, ao aprender as normas referentes a esses matizes, a esses padrões, esses aprendentes se educam. Desse modo, os aprendentes ao se educarem pela cultura e se aculturarem pela educação, tornando-se eles próprios produtores de cultura e se faziam mestres: educador-professores. No percurso de essa sua formação, o modelo educacional era reiterativo, fosse entre os gregos ou os romanos, voltado para a distinção entre o bem e o mal, a rejeição daqueles que eram muito falantes, para a arte de ridicularizar ou de zombar, para obediência aos mais velhos, a coragem e a guerra como valores maiores do padrão de virilidade. Acrescenta-se a necessidade do controle constante dos mais velhos sobre suas crianças – “Não havia um só instante nem um único lugar em que o jovem que cometesse uma falta não encontrasse uma pessoa mais velha para reprimi-lo.” (cf. p. 27); logo, todo e qualquer adulto era responsável pela educação de suas crianças.

Os traços comuns dessa cultura educacional pela educação cultural, ou vice-versa, inscrevem-se em rituais que se articulam em três fases que, para os autores que a tematizam, compreendem a marginalização, a inversão e a reintegração, todas elas comuns na sociedade espartana e na ateniense, sem deixar de se referirem à de Creta. Sintetizamos, abaixo, os traços mais relevantes desses matizes, sob a forma de ritos, orientados pela perspectiva de:

 Resistir ao inimigo até à morte custe o que custar e, quando morto em combate, não exaltar os ferimentos, as cicatrizes, mas sim a “boa morte”: aquela por meio da qual o cidadão morre pela sua pátria; razão pela qual os nomes desses homens eram escritos nos seus túmulos – os túmulos dos demais não tinham registros dos nomes dos seus mortos, exceção feita às mulheres que faleciam durante o parto. A coragem individual de nada valia, quando se menosprezam as leis e a obediência – um soldado, mesmo doente,

que fugisse ao combate é objeto de desonras: nenhum cidadão ascenderá o fogo de sua casa e, muitos deles, se matam por enforcamento;

 Estar convencido de que não pertencem a si mesmos, mas à pátria, deixando-se instruir-se pelos mais velhos e, para tanto, continuamente se encontrarem com eles para manter o hábito da convivência e não querer viver cada um o seu mundo particular, mas em comunidade, envolvendo-se, enovelar-se com todo o conjunto ao redor de um chefe;  Aprender música, pois a flauta e a lira dão ritmo ao exercício do combate, como ocorre na guerra com clarim e os tambores.

Assim, o ponto mais constante que separa e aproxima o sistema de ensino dessa civilização antiga, prevê as seguintes normas de conduta referentes ao período do ensino primário, comum a todos os povos desse modelo de sociedade, mas observada a seguinte condição:

 Após a sua conclusão, no início da fase da adolescência, os jovens dos meios mais abastados passavam a frequentar mestres escolhidos e pagos pelos pais, enquanto a grande maioria desses aprendentes retoma o caminho da roça ou da oficina familiar – Logo, o sistema de ensino grego não era para todos, apenas mais tarde ele será gradativamente implantado. Entretanto, é preciso considerar que:

 Os ritos de iniciação à virilidade antecedem à própria fase da adolescência, pois o raciocínio justo e o injusto eram indissociáveis da boa e da má conduta, razão por que a sua aprendizagem começava no caminho para a escola de música, quando:

a) em fila e sem dar um pio, todos caminhavam pelas ruas, sem mantos – viviam nus – mesmo que estivesse nevando;

b) na sala de aula e sempre com as pernas bem fechadas, o professor a eles ensinava o canto de algum hino, fazendo vibrar os fortes acordes da tradição ancestral;

c) se algum deles inventasse bobeiras ou modulasse um timbre de voz destoante, era violentamente espancado;

d) nas aulas de ginástica, durante as refeições sempre acompanhadas pelo mestre dessa disciplina, os meninos deviam:

e) sempre se sentar com as pernas estendidas para frente, para não mostrar nenhuma indecência aos estranhos;

f) caso se levantassem, deviam alisar a areia, tomando o cuidado de não deixar a seus enamorados nenhuma impressão de seus encantos, considerado o fato de que:

g) nenhum garoto podia untar de óleo o seu corpo abaixo do umbigo e, dessa forma, sobre os genitais cresceria uma penugem orvalhada como um fruto;

h) ninguém aveludava a voz para se aproximar do amante ou restituía a si mesmo com olhares esguios;

j) quando se sentava à mesa, ao educando não era permitido: j.1) atribuir-se os melhores bocados; j.2) servir-se da cabeça do rabanete; j.3 ) roubar plantas medicinais como a erva doce ou o selino dos anciãos; j.4) não praticar a gula; j.5) não dar gargalhadas; j.) não cruzar as pernas.

No contexto de procedimentos ritualísticos, o educando no seu primeiro ano escolar estava voltado para a sua formação militar, pois o objetivo era treinar os meninos para a guerra. No segundo ano escolar, aprendiam a combater, a lançar o arco, a arremessar o dardo e a manusear a catapulta.

Seguidos a esses dois primeiros anos, por um lado, tem-se a convivência com os adultos voltada para o “aprender sobre a defesa da cidade” - assegurada pela valorização da coragem no combate, na obediência às leis e respeito aos deuses. Observado, por outro lado, os parâmetros acima bem como a articulação os ritos articulados na formação do cidadão em três fases – marginalização, inversão e reintegração – topicalizamos, no item subsequente, aqueles referentes à inversão que implicava em fazer o educando a vivenciar experiências referentes às práticas homossexuais. Assim, os estudos acima tiveram a função de orientar o modelo de contexto situacional capaz de atribuir maior grau de compreensão sobre as práticas homossexuais dos povos das civilizações estudadas, nesse primeiro Capítulo: origem dos nossos matizes sociocultural históricos, dos quais os brasileiros são herdeiros tanto quanto daqueles dos povos das sociedades indígenas e africanas.

1.3.5. A Marginalização, a Inversão e a Reintegração: práticas sociais do aprendiz-

No documento MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA SÃO PAULO (páginas 44-51)