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Os Atos de fala pela Teoria das Ações Verbais.

No documento MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA SÃO PAULO (páginas 68-74)

CAPÍTULO II FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA LEXICULTURA : IDENTIDADE DOS

Masculino e Feminino

2.2. A Legitimidade dos Significados Lexicais.

2.2.3. Os Atos de fala pela Teoria das Ações Verbais.

A revisão da teoria das ações sociais verbais pelos atos de fala propostos por Habernas apud. Freitag et. alli (2001) possibilita a reinterpretação dos estudos desenvolvidos sobre o mesmo tema pelos filósofos de Oxford, ou mais precisamente de Searle (1981), para quem os atos de fala são ações institucionalizadas. Falar, portanto, é agir, desencadear ações transformadoras de que resultam mudanças de estados, de procedimentos, comportamentos ou atitudes, ou seja, modos de ser, de proceder no mundo para que os homens possam estar em companhia um do(s) outro(s).

Esses modos de agir pela linguagem, por um lado, fazem remissão a regras de condutas organizadas e ordenadas em língua sob a forma de modelos de comportamentos sociais, avaliados por atitudes cujos significados e, por outro lado, fazem remissão ao universo do

mundo da vida, do mundo do trabalho, do familiar, da diversão, da estética, da saúde, etc. Logo, esses diferentes mundos dos conhecimentos humanos, entrelaçados entre si, compreendem o próprio universo da vida que não se reduz a nenhum desses mundos que são constitutivos do universo que é uno, único. É nesse sentido que se pode compreender que, para Habermas, não se pode acreditar ou fazer crer que o mundo da esfera pública tenha as suas normas e regras de procedimentos totalmente indiferenciadas daquelas da esfera privada, embora ambas sejam necessariamente complementares entre si e em relação aos demais; razão por que os interesses e objetivos da vida privada diferem daqueles da vida pública

Nessa acepção, nem todas as ações da vida privada podem ser realizadas, praticadas, ou ditas na esfera pública ou vice-versa; razão por que os discursos da esfera privada diferem daqueles do mundo da esfera pública, da mesma forma que os discursos do mundo da vida não equivalem àquele do mundo do trabalho. Para esse autor, é por essa razão que os primeiros se qualificam por um maior grau de sentidos simbólicos; os segundos, por sentidos sígnicos, revestidos de sentidos instrumentais.

Nesse contexto, afirma Freitag etalli (2001), uma mesma frase tem o seu sentido distinto de outro, conforme seja enunciado sob a forma de promessa, de ordem, de afirmação, etc. – um enunciado referente a uma promessa no contexto do mundo do trabalho, não se reveste dos sentidos e valores de um enunciado referente ao mundo da vida. É por essa perspectiva que Habermas afirma que toda comunicação linguística ou transmissão de seus conteúdos carrega consigo as condições pragmáticas de seus significados a uma dada situação contextual. Para o autor, em cada situação de comunicação há quatro expectativas de validade: a) os seus conteúdos comunicados são compreensíveis; b) os interlocutores são verídicos e sabem identificar uma verdade de uma falsidade; c) identificam os conteúdos expressos como verdadeiros; d) ao expressar um ato linguístico por meio de enunciados frasais, pratica a ação referente a uma afirmação, uma promessa, uma ordem, etc. Mas, para tanto, precisa agir linguisticamente de acordo com as normas necessárias e mais adequadas que a ele pareceriam justificáveis.

Observa que a interação espontânea é estável quando existe um consenso quanto a essas expectativas de validade, acima pontuadas; mas esse consenso é desestabilizado,

quando pairam dúvidas quanto ao grau de veracidade de quaisquer delas e seus sentidos são contestados quanto a seus fundamentos:

(...) As duas primeiras podem ser problematizadas e resolvidas no próprio contexto da interação: por exemplo, a dúvida quanto à inteligibilidade dos conteúdos por meio de certas convenções linguísticas, e a dúvida quanto à veracidade do interlocutor, pela própria experiência da interação, que mostrará em que medida o interlocutor, que parecia estar sendo transparente consigo e com os outros, estava ou não sendo verídico. Mas a problematização do conteúdo proposicional – o que está sendo dito – e da norma subjacente ao comportamento só pode ocorrer fora do contexto interativo, numa forma de comunicação sui generisque Habermas chama de discurso. (cf. p.18).

Por conseguinte, no discurso todas as expectativas de validade dos valores de verdade e de mentira ficam suspensos até que uma afirmação seja confirmada ou refutada e até que a norma seja considerada legítima ou ilegítima. Assim, nas atividades discursivas todos os interesses e motivos ficam fora do circuito das interações normais, pois nelas, o único motivo admitido é a busca cooperativa da verdade por meio de argumentos cujo grau de veracidade possa ser comprovado. Se tais argumentos forem refutados, as palavras do outro não são dignas de crédito; logo, quanto maior o grau de veracidade dos argumentos que garantem e asseguram a crença sobre os conteúdos do dizer, o contrário, leva o interlocutor-ouvinte à descrença e cria a falta de confiança naquilo que o outro diz ou afirma. Tal procedimento instaura e institui um grau de legitimidade atribuído ao que é dito pelos produtores de discursos. A afirmação, quando problematizada, é debatida no discurso teórico; a norma problematizada é debatida no discurso prático ou do cotidiano. Os estudos acima buscam deslocar a compreensão dos atos de fala expressos por meio de frases que, inscritas nas atividades das práticas discursivas pelo marco da enunciação, situam tanto a inteligibilidade do que é dito no espaço ocupado pela interação quanto o grau de veracidade do dizer, nesse mesmo espaço. Contudo, tal veracidade é orientada pelas convenções socioculturais-históricas e valorativas por meio das quais o comportamento ou modos de proceder desses interlocutores asseguram as suas respectivas normas de condutas socialmente aprovadas, quando o mentir para o outro, significa o enganar a si próprio, ocultar o que ele é.

Nesse caso, o discurso será modalizado pela mentira, ou seja, o seu conteúdo passa a expressar sentidos que contradizem os significados do que nele/por ele se afirma quem é

ou são os enunciadores ou aquele de quem se fala: eles parecem ser, uns aos olhos dos outros, aquilo que, efetivamente não são – parece ser homossexual, mas não é por ser heterossexual; ou parecer ser heterossexual, mas é homossexual, por exemplo. Tratam- se de sentidos cujos valores de verdade ou de mentira são assim avaliados por meio de comportamentos socialmente padronizados quanto aos modos de proceder no campo da sexualidade. Por eles, a concepção de virilidade é reduzida apenas aos sentidos referentes apenas às práticas sociais de sexualidade e não àquelas que implicam hombridade extensiva aos valores éticos, estéticos e morais que funcionam como fundamento da vida em sociedade.

Por conseguinte, esses valores de verdade e/ou mentira são significados de recortes estereotipados, distanciados daqueles dos modos de ser e de proceder dos seres humanos sempre procederam e procedem, no mundo da vida, como seres sexuados, assexuados. Na condição de sexuados, classificam-se e sempre se classificaram como héteros ou homossexuais, independentes de serem e procederam no campo da sexualidade como homens ou mulheres, conforme gráfico abaixo:

Gráfico dos protótipos:

A leitura do gráfico acima construído pelos dados teóricos, anteriormente explicitados, orienta a produção de atos de fala assertivos que, segundo os analistas do discurso, se fazem avaliativos quando usados para modalizar atitudes, comportamentos ou modos de proceder no espaço social e, nesse caso, no campo da sexualidade. Assim, tanto os héteros quanto o homossexuais podem ser representados como “aqueles que parecem ser, mas não são héteros ou homossexuais mentira”, ou “não parecem ser, mas são héteros ou homossexuais”  verdade. Por exemplo: X é casado, pai de dois filhos e, por isso, parece ser heterossexual, mas é homossexual; portanto, oculta sua verdadeira sexualidade  parece ser x, mas é y. O contrário também pode ser assim representado: X não é casado, parece ser homossexual, mas é misógino, ou seja, é assexuado; ou X é solteiro, mas tem um namorado, ou vive maritalmente com fulano; logo, é homossexual. Essa modalidade do “ser X, mas não parecer ser” e, portanto, qualificam variadas situações que, segundo o gráfico acima, são previstas e previsíveis entre os

comportamentos prototípicos, não só entre os animais que se tipificam como racionais como entre aqueles que se contrapõem aos primeiros, aos irracionais.

Os exemplos acima se explicitam sob a forma de modelos de matizes culturais de organização e ordenação diferenciadas variáveis de sociedade para sociedade, por meio dos acontecimentos ou fatos sociais são avaliados de forma positiva ou negativa, quando comparados entre si. Segundo Laraia (op.cit. 2001: pp.12 e 13.), Montaigne, já no século XVI, não se espantou ao tomar conhecimento sobre os costumes antropofágicos dos Tupinambás, ao contrário do espanto e surpresa demonstrada pelo Padre José de Anchieta que os qualificara de bárbaros e selvagens e , assim, se pronúncia na época: (...) na verdade, cada qual considera bárbaro o que não pratica em sua terra.” Consciente do relativismo cultural existente entre membros das diferentes sociedades humanas, assim avalia a barbárie:

(...) Não me parece julgar bárbaro tais atos de crueldade, mas que o fato de considerar tais defeitos não nos leve à cegueira acerca dos nossos. Estimo que é mais bárbaro comer um homem vivo do que o comer depois de ; e é pior esquartejar um homem entre suplícios e tormentos e o queimar aos poucos, ou entregá-lo aos cães e aos porcos, a pretexto de devoção e fé, como não somente o lemos mas vimos ocorrer entre vizinhos nossos contemporâneos. E terminou ironicamente, depois de descrever vários costumes daqueles índios Tupi: “Tudo isso é interessante, mas, que diabo, essa gente não usa calças!”

Os estudos desenvolvidos por esse antropólogo possibilitaram considerar que o gráfico acima tem por referência um modelo de organização de conhecimentos do mundo natural de caráter ou da cultura universal por meio do qual a homossexualidade e a assexualidade não são valorizadas ou tampouco desvalorizadas, quando compreendidas como valores naturais, próprias dos humanos. Todavia, em situações sobre as quais incidem a valorização da continuidade da espécie, do ato de reprodução, sobre eles passam a incidir preconceitos; por exemplo, a redução do campo de trabalho, por um lado e, por outro, o aumento do número de trabalhadores, naturalmente poderia ser a razão de avaliações negativas sobre tais comportamentos, carregadas de preconceitos.

No documento MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA SÃO PAULO (páginas 68-74)