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Esquemas de Compreensão Sociocognitivos: os Estereótipos.

No documento MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA SÃO PAULO (páginas 77-83)

CAPÍTULO II FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA LEXICULTURA : IDENTIDADE DOS

Masculino e Feminino

2.2. A Legitimidade dos Significados Lexicais.

2.2.5 Esquemas de Compreensão Sociocognitivos: os Estereótipos.

A diferença entre o protótipo e o estereótipo, no campo da Lexicologia, assegura o fato de que a concepção de estereótipo não se refere a modelos mentais diferentes daqueles denominados por prototípicos, pois ambos respondem pelos processos de representações de conhecimentos de mundos. Mas esses segundos se referem a representações, sempre compreendidas como significados que se revestem de valores sociais atribuídos pelos diferentes grupos de pessoas ou indivíduos às qualidades de um corpo, objeto ou indivíduo. Assim, os modelos estereotipados fazem remissões a qualidades que, necessariamente, não decorrem de experiências comuns e tampouco de saberes que, organizados, ordenados e orientados por conhecimentos que, necessariamente, são avaliados por diferentes concepções de verdade por alguém que pertence ou convive com diferentes grupos que têm pelo menos uma perspectiva do que avalia como verdade que é comum a todos eles.

Nessa acepção, por exemplo, ao afirmar que o urubu é uma ave que se alimenta de carniça, é fazer uso de um esquema mental prototípico para identificar um urubu; mas denominar uma pessoa por “urubu” é cancelar, por ignorância ou por preconceito, o esquema prototípico dessa ave, bem como a sua função de ser ela um tipo de ave que se alimenta não só de carne em estado de putrefação ou carniça; pois, na ausência desse seu alimento preferido, ela também é caçadora. Ser caçadora, portanto, não é uma qualidade que se sobressai entre o comportamento rotineiro dos urubus, pois caçar e matar para comer um animal vivo é um comportamento de todo e qualquer urubu; mas desde que a carne putrefata esteja em falta no território por ele habitado.

Nesse caso, a definição das qualidades de um urubu é concebida pelo estabelecimento explícito e rigoroso de suas predicações verdadeiras: aquelas que se referem ao mundo de conhecimentos, cuja veracidade possibilite que ele seja representado por todos os traços ou semas da classe a que ele pertence. Para que tal definição tenha o valor de verdade, é preciso que ela não só afirme ser o urubu uma ave, ou seja, uma das espécies do mundo animal – que é vertebrado, bípede, tem o corpo coberto de penas, que voa e é

ovíparo, ou seja, partilha todas as qualidades com todas aquelas que têm existência nesse mundo real – de modo que essas suas qualidades garantem a sua identidade entre todas as aves existentes.

Todavia, como elemento ou ser do mundo animal ela também se alimenta de frutas, sementes, ou de outros seres vivos como insetos, peixes, crustáceos e outros animais como cobras, ratos, etc, como é o caso das águias; mas, em se tratando do urubu, embora ele partilhe com a águia esta característica, dela se diferencia por não ter o hábito frequente de caçar.

Nessa acepção, a definição de urubu – como qualquer outra – se tipifica por partilhar qualidades comuns a todas as aves, por um lado e, por outro, com as aves caçadoras de animais vivos, ainda que sua qualidade específica é se alimentar de restos de alimentos, mas putrefatos. Sob este viés, temos a ideia de categorização, isto é, temos um modelo já construído de “urubu”, que ao ser comparado à águia, anteriormente, pinguim, sabiá, pintassilgo, entre outros, percebemos que muitos termos ora se aproximam da ideia prototípica, ora se afastam.

É nessa acepção que os linguistas norte-americanos ou os anglos saxões, falam de sentidos intencionais – qualidades comuns quanto à espécie – e extensionais: aquelas que partilham com outros gêneros dessa mesma espécie e aquela que a ele dá ou assegura identidade – ser um abutre, em se tratando do urubu.

A posição acima sobre semântica intencional e extensional proposta por Rodolf Carnap (1978), linguista americano, visa a diferenciar, por um lado, semas genéricos e específicos dos significados lexicais propostos pelos linguístas franceses. Putman (1970) pontua que o objetivo do seu colega estadunidense foi substituir a semântica dos semas genéricos e específicos da linguística francesa por aquela da intenção e da extensão. Para Lara (1996) a semântica do protótipo e aquela do estereótipo, por sua vez, não incide diretamente sobre definições que visam a explicitar conceitos por meio de definições, pois elimina-se do campo dos estudos linguísticos a concepção de signo. Todavia, a linguística moderna ou textual mantém a concepção de definição e pondera ser o protótipo revestido de valor de verdade que não é objeto de refuta, visto ter por

referência saberes socialmente partilhados; assim, ninguém discute ou questiona se o cão late, o gato mia, etc. Já o estereótipo por fazer referência a representações valorativas e implicar, por um lado, não só recortes ou cancelamentos de conceitos genéricos e de usos por meio dos quais as qualidades de um ser, objeto ou indivíduo geralmente são transferidas de um campo do conhecimento ou de uma categoria para outra e têm os seus valores modificados. Esses valores tanto podem ser positivos ou negativos – X é um doce de pessoa; X é a flor ou animal mais belo que já vi; X é um homem peçonhento; X tem uma língua de cobra; etc. – mas, nesses casos, os significados colocados em jogo são ideológicos e têm a função de valorizar ou desvalorizar as qualidades do que é denominado. Não se trata, portanto, de definições, mas de proposições cujos sentidos não são socialmente partilhados.

Assim, quando se afirma que “Um dado homem ou tipo de homem é um urubu” ou “uma cobra”, um escorpião, etc., são transferências de sentidos que, socialmente partilhadas, visam a qualificar o caráter, os procedimentos de um ou de alguns homens ou grupos sociais. Essas posições ideológicas são aquelas que não têm, no primeiro plano, referencias definicionais ou enciclopédicas, mas opiniões que se revestem de valores éticos ou estéticos, por exemplo.

Esses valores éticos ou estéticos são construídos no/pelo discurso, conforme a ideologia preponderante. Por ideologia, Chauí (2008: pp. 113-114) nos diz:

“(...) um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o qual devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir a tais diferenças à divisão da sociedade em classes a partir das divisões na esfera da produção. Pelo contrário, a função da ideologia é a de apagar as diferenças como de classes e de fornecer aos membros da sociedade o sentimento da identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para todos, como por exemplo, a Humanidade, a Liberdade e a Igualdade, a Nação ou o Estado”.

Observadas as considerações acima, ainda podem ser consideradas também quando deslocadas para o campo da sexualidade, visto que a sociedade está ancorada num modelo prototípico de virilidade e tudo aquilo que se afastar, será objeto de rejeição, de desprestígio. Essa coerção social é construída a partir dos meios de comunicação, dos livros, dos discursos oficiais. A finalidade é transmitir à sociedade que há uma coesão em relação aos ideais e uma forma de manter uma organização. Suscita-se que há igualdade entre todos, em relação às oportunidades ao emprego, aos estudos, renda, tolerância às diferenças raciais, á sexualidade.

Aquilo que se afasta do modelo e que suscita uma avaliação em relação ao procedimento temos o conceito de estereótipo. Segundo Possenti (2010: p. 40)

“[...] a identidade é uma representação imaginária não significa necessariamente que não tenha amparo do real. Significa apenas que não é o seu espelho, sua cópia. Segundo, e como consequência, o estereótipo também deve ser concebido como social, imaginário e construído, e se caracteriza por ser uma redução (com frequência negativa), eventualmente um simulacro. Assim, o simulacro é uma espécie de identidade ao avesso – digamos, uma identidade que um grupo em princípio não assume, mas que lhe atribuída de um lugar, eventualmente, pelo Outro”.

Verificamos que a representação prototípica de procriação foi e é fundamental em todas as épocas de vivências da humanidade, estando ela intimamente associada, por um lado, à noção “virilidade”, implicando a valorização não só da sexualidade, mas também, da ético, da coragem e se fazendo extensiva à valorização da qualidade procriadora da mulher, conforme Capítulo I. A não virilidade, representada como falta de coragem, de hombridade e/ou desprovida de valores éticos, por outro lado, .é discriminada socialmente, reservando ao homossexual o papel de covarde, falador ou incapaz de guardar segredos, por se dobrar diante do inimigo. Segundo Focault (1988:P.9), a procriação, está e sempre esteve inscrita nas sociedades humanas e, por ela

O casal, legítimo e procriador, dita a lei. Impõe-se como modelo, faz reinar a norma, detém a verdade, guarda o direito de falar, reservando-se o princípio do segredo. No espaço social, como no coração de cada moradia, um único lugar de sexualidade reconhecida, mas utilitário e fecundo: o quarto dos pais. Ao que sobra só resta encobrir-se; o decoro das atitudes esconde os corpos, a decência das palavras limpa os discursos. E se o estéril, insiste, e se mostra demasiadamente, vira anormal: receberá este status e deverá pagar as sanções”.

As práticas sexuais eram regidas por um discurso voltado à proibição, que tinha por objetivo silenciar. A relação matrimonial era regulada e vigiada, as demais práticas, segundo o mesmo autor, “tornavam-se mais confusas”. Segundo o mesmo autor (op.cit: p. 45), “o contra-a-natureza’ era marcado por uma abominação particular”. Dentre as práticas sociais condenáveis, o autor cita: o adultério, o incesto, sadismo, necrofilia, a sodomia, a perversão, avaliadas como comportamentos patológicos.

Segundo Foucault (1984: p.269), desde a Civilização Grega a relação sexual é representada por uma perspectiva bastante reducionista, ou seja, apenas como penetração, valorizando o penetrador em detrimento do penetrado, o ativo em detrimento do passivo. Essa posição de passividade se faz extensiva à mulher cuja representação social faz dela, e por essa relação, um objeto frágil, subserviente e inferior, enquanto o homem afeminado causa a vergonha, a desonra, exceção feita ao escravo e/ou eunuco que era objeto de prazer.

Nessa acepção, a heterossexualidade sempre foi e é a norma socialmente aceita e por ela os seus atores tornam-se sujeitos; a homossexualidade, por sua vez, não é regulamentada por norma, o que impediu e impede a voz social desse grupo humano. Quando essa voz se reveste de autoridade para ser ouvida, ela somente se faz presente nos discursos da medicina, da psiquiatria, dos endocrinologistas ou nos discursos humorísticos, e nos discursos jurídicos penais. Hoje, esses discursos jurídicos começam a se fazer extensivos à jurisdição do direito civil voltado para aqueles referentes à constituição da família, do casamento, da adoção e partilha ou sucessão de bens materiais. Entretanto, a sua voz modulada por estereótipos continua a ter a função de expressar marginalização e fazendo recair sobre ele o preconceito sobre a conduta feminina e intensificando o processo da sua marginalização. Segundo Berger e Luckmann (1974: p. 33):

“O senso comum contém inumeráveis interpretações pré-científicas e quase- científicas sobre a realidade cotidiana, que admite como certas. Se quisermos descrever a realidade do senso comum temos que nos referir a estas interpretações, assim como temos que levar em conta seu caráter de suposição indubitável (...)”.

Essa dimensão pré-científica ou quase-científica faz com que o senso comum tenha grande força na construção da construção das representações desse modelo de realidade social. É no espaço por ele ocupado que o vocabulário se faz altamente

produtivo para designar o homossexual por meio de estereótipos pelos seus comportamentos diferenciados, como a modulação da sua voz, seu modo de andar, enfim, seus gestos de linguagem e, por esses procedimentos, a ele é reservado o lugar social delimitado à periferia ou becos do espaço social (cf. glossário abaixo, item 2.3). Nesse contexto de rejeição e privilegiando o princípio da gradação, entrelaçado àquele da flexibilidade, implicados nos modos de nomear o homossexual por esse comportamento estereotipado, contrário e contraditório aos padrões instituídos pelas normas e regras de condutas sociais foi possível considerar, pelo gráfico, abaixo, um conjunto de vocábulos por meio dos quais eles são representados em língua portuguesa do Brasil. Considerou- se, para tanto, a concepção de contínuo semântico do conhecimento humano, tendo por parâmetro o quadro prototípico da página 74.

Gráfico dos estereótipos

Observa-se que a valorização positiva dos significados acima, desliza entre valores que numa escala onde os valores positivos estão entrelaçados àqueles que são negativos e, por meio dessa escala descendente entre o “+” e o “-“, os significados positivos(+) vão sendo gradativamente suplantados pelos os negativos (-). Buscou-se considerar o conjunto de formas vocabulares que, por suas interpretações referentes os conhecimentos do mundo cotidiano e, por elas, os significados referentes a palavras que denominam os homossexuais. Essas formas têm a hétro (+) e a homossexualidade (-)

como marco desse procedimento avaliativo: duas formas entre as quais esse vocabulário está distribuído pelo grau desse processo de avaliação.

No documento MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA SÃO PAULO (páginas 77-83)