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A melhor técnica de aplicação da Teoria pelos Tribunais de Contas

5. A DECRETAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

5.3. A melhor técnica de aplicação da Teoria pelos Tribunais de Contas

Como foi estudado no capítulo Da Desconsideração da Personalidade Jurídica, a Teoria Menor da desconsideração não exige a prova da fraude ou do abuso da personalidade, caracterizado este último tanto pelo desvio de finalidade quanto pela confusão patrimonial.

Essa formulação encontra-se disciplinada no Art. 28, § 5º do CDC, pois o parágrafo consagra como critério suficiente para a desconsideração o fato de a personalidade jurídica ser “de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”. Em outras palavras, prescinde-se tanto do abuso, como da fraude, bastando a insolvência da pessoa jurídica para redirecionar a responsabilidade para os sócios e dirigentes, ou quiçá menos que isso, como afirmam alguns, tendo em vista o amplo espectro de incidência do parágrafo quinto58:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

[...]

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. (negritou-se)

A Teoria Menor, segundo a qual a insolvência da entidade seria bastante para levantar o véu da personalidade jurídica e autorizar a responsabilização dos sócios ou administradores, embora atraente, não pode ter lugar no âmbito dos Tribunais de Contas, sob pena de se atingir, inescrupulosamente, sócios e administradores de boa-fé.

Tal formulação ignora o princípio da autonomia da pessoa jurídica e da separação patrimonial existente entre sociedade e membro, ferindo as normas legais de limitação de responsabilidade dos sócios e administradores frente às obrigações sociais, sobretudo daqueles que não concorreram para o dano. Insolvência não é sinônimo de má-fé; esta não se presume. Daí porque não se poder admitir que a responsabilidade da sociedade seja compartilhada pelos sócios, e vice-versa, fora dos casos de fraude e abuso, que ensejam a desconsideração ordinária ou mesmo a desconsideração inversa.

Além disso, a aplicação da Teoria Menor, pela especialidade das leis que a preveem, deve se restringir às relações de consumo e à Lei de Crimes Ambientais, sendo a Teoria Maior, constante do Art. 50 do CC/2002, a matriz de referência para a aplicação do instituto.

Dessa maneira, a responsabilidade pelos danos ocasionados ao erário deve ser, em princípio, imputada à pessoa jurídica contratada, na qualidade de sujeito autônomo de direitos e obrigações, em respeito à separação e autonomia patrimoniais e à limitação de responsabilidade dos sócios (efeitos diretos da personificação), cuja personalidade jurídica poderá e deverá ser desconsiderada nos casos estritos de fraude e abuso (Teoria Maior), com o redirecionamento da responsabilidade pelas obrigações assumidas tão somente aos sócios/administradores de má-fé.

Ademais, admitir que a Teoria Menor seja aplicada pelos Tribunais de Contas ensejará, na prática, verdadeiro reconhecimento de responsabilidade objetiva dos sócios da pessoa jurídica por ato que é próprio da empresa, ideia veementemente combatida neste estudo.

A implantação da Teoria Menor acarretaria consequências antieconômicas para a própria Administração, pois inibiria a contratação de diversas empresas com o Poder Público, com redução do mercado competitivo e das possibilidades de escolha da proposta mais

vantajosa, tendo em vista o temor gerado pela transferência quase absoluta dos riscos do contrato não somente à pessoa jurídica, mas às pessoas dos sócios ou administradores, em regime de solidariedade ou mesmo de responsabilidade integral.

Outra questão relativa à melhor técnica para a aplicação da teoria diz respeito ao rito, ou procedimento, que deve ser seguido pelo Tribunal. Questiona-se, por exemplo, se deve haver limitação dos legitimados a requererem a aplicação da disregard doctrine, tal qual previsto no Art. 50 do CC/2002. Ou, ainda, se o Tribunal poderá decretar de ofício a medida, dispensando-se o requerimento de qualquer legitimado. E se o próprio relator poderá conceder o pedido, ou se deverá submetê-lo à apreciação do órgão colegiado, Câmara ou Plenário.

De antemão, importa salientar que os processos de contas possuem natureza bastante distinta da dos processos judiciais, no que tange à existência de partes litigantes. A relação processual instaurada, no mais das vezes, não é angular, como ocorre no processo judicial, com a participação do Estado-juiz, da parte autora (polo ativo) e da parte ré (polo passivo), mas sim linear, entre Tribunal e indivíduo, eis que o próprio Tribunal de Contas é parte no processo, promovendo o feito de Tomada de Contas Especial e, ao mesmo tempo, julgando-o (ALMEIDA, 2001).

Assim, considerando que não há litígio, propriamente dito, e que o próprio Tribunal desempenha o papel de contraparte e, a um só tempo, de julgador, entende-se que a medida deve ser suscitada por pessoa ou órgão independente, a exemplo dos Ministério Público Especial que atua junto ao Tribunal de Contas, em respeito ao princípio do juiz natural e da imparcialidade do juízo.

Mas se poderia cogitar de o Ministério Público de Contas olvidar ou mesmo entender não ser o caso de aplicação da medida, quando na verdade se afigurava ser a hipótese. Então, nesses casos, pergunta-se: a pessoa jurídica deverá responder, injustamente e em prejuízo de si, pelos danos ocasionados ao erário em razão da fraude dos seus sócios ou administradores, com a impunidade destes, pelo simples fato de que não houve quem suscitasse a questão?

A resposta só pode ser não. Em tais casos, entende-se que devem ser havidos por legitimados para requererem a desconsideração também os demais sócios e administradores

da pessoa jurídica, os quais se veriam indiretamente prejudicados caso a pessoa jurídica da qual são membros viesse a ser responsabilizada.

Outrossim, entende-se que nos processos de Denúncia, formulados pelos legitimados do Art. 234 do RITCU59, e nos de Representação, formulados pelos legitimados do Art. 237

do RITCU60, bastaria a suscitação da matéria pelo denunciante ou representante que

comunicasse a irregularidade, de modo a garantir a imparcialidade e equidade do juízo feito pelo Tribunal.

Resta saber, finalmente, se a matéria pode ser decidida pelo Relator ou se deverá ser submetida a algum órgão colegiado. Nesse ponto, cabe reproduzir a lição do Ministro Walton Alencar Rodrigues, no voto proferido na Tomada de Contas Especial nº 013.685/2009-1:

Contudo, necessário avaliar se o ato pode ser praticado pelo relator do processo ou se indispensável a deliberação de órgão colegiado.

Embora a desconsideração da personalidade jurídica dispense a propositura de ação autônoma, podendo ser concedida incidentalmente no próprio processo de conhecimento ou de execução, tal medida não prescinde do exame do conjunto probatório pelo juízo competente.

Nos termos do art. 109 do CPC, compete ao juiz da causa principal decidir sobre a ação declaratória incidente. No TCU, cabe aos órgãos colegiados o julgamento da

causa principal e das questões incidentais. Ao relator, é reservada a prática de atos processuais, por meio de despacho (arts. 11 da Lei 8.443/1992, e 162, § 3º, do

CPC).

Indispensável a análise do conjunto probatório acerca do abuso da personalidade jurídica por sócios ou administradores da empresa responsável pelo dano. Não se trata, portanto, de mero chamamento das pessoas físicas aos autos, em substituição à pessoa jurídica, mas do julgamento da conduta daquelas no uso da pessoa jurídica.

Assim, a proposta de desconsideração da personalidade jurídica, nos casos de abuso de direito, deve ser submetida à deliberação do colegiado competente para julgar o processo em que ocorre a questão incidental.

Ao decidir pelo levantamento do véu da personalidade jurídica, deverá o Tribunal indicar os administradores e sócios responsáveis pelo abuso de direito, os quais responderão pelo dano imposto ao Erário.

Somente após a deliberação do Tribunal, será possível citar as pessoas naturais responsáveis pelo abuso da personalidade jurídica. (BRASIL. TCU, 2010b – negritou-se)

59 “Art. 234. Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para denunciar

irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União”;

60“Art. 237. Têm legitimidade para representar ao Tribunal de Contas da União: I – o Ministério Público da

União, nos termos do art. 6º, inciso XVIII, alínea c, da Lei Complementar nº 75/93; II – os órgãos de controle interno, em cumprimento ao § 1º do art. 74 da Constituição Federal; III – os senadores da República, deputados federais, estaduais e distritais, juízes, servidores públicos e outras autoridades que comuniquem a ocorrência de irregularidades de que tenham conhecimento em virtude do cargo que ocupem; IV – os tribunais de contas dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, as câmaras municipais e os ministérios públicos estaduais; V – as equipes de inspeção ou de auditoria, nos termos do art. 246; VI – as unidades técnicas do Tribunal; e VII – outros órgãos, entidades ou pessoas que detenham essa prerrogativa por força de lei específica”;

Assim, a desconsideração da personalidade jurídica, como ficou consignado pelo relator, deve ser submetida à deliberação do colegiado competente para julgar o processo em que ocorre a questão incidental.

Eis as principais observações que se julgam pertinentes no tocante à processualística em torno da aplicação da disregard doctrine no âmbito dos processos que tramitam junto aos Tribunais de Contas.