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A decretação da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito dos tribunais de contas

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FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

JONATHAN JULIÃO ALVES

A DECRETAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE

JURÍDICA NO ÂMBITO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

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JONATHAN JULIÃO ALVES

A DECRETAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO ÂMBITO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para a obtenção de grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Profº Francisco de Araújo Macedo Filho.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

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JONATHAN JULIÃO ALVES

A DECRETAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO ÂMBITO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para a obtenção de grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em 25/11/2013

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________ Profº Francisco de Araújo Macedo Filho (Orientador)

Universidade Federal do Ceará – UFC

___________________________________________ Profª Janaína Soares Noleto Castelo Branco

Universidade Federal do Ceará – UFC

___________________________________________ Profº William Paiva Marques Júnior

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AGRADECIMENTOS ESPECIAIS Agradeço em especial:

Ao Cordeiro de Deus, por haver-me escrito o nome no Livro da Vida.

Ao Profº Francisco Araújo Macedo Filho, por aceitar tão prontamente a tarefa de orientar este trabalho e por tê-lo feito com maestria;

À Profª Janaína Soares Noleto Castelo Branco, pela solicitude e prontidão em se integrar ao corpo de examinadores;

Ao Profº William Paiva Marques Júnior, por ter recebido e aceitado com alegria o convite de compor a banca examinadora;

À Profª Fernanda Cláudia Araújo da Silva, que me auxiliou na revisão deste trabalho, com ricos conselhos;

A todos os professores que participaram da minha formação, cujos ensinamentos permitiram-me alcançar este primeiro degrau;

A minha família, em especial aos meus pais, Edmar Alves de Oliveira e Regina Lúcia Lopes Julião Alves, que sempre me amaram, apoiaram-me em meus sonhos e acreditaram em mim;

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“Quando os dias forem bons, aproveite-os bem; mas, quando forem ruins, considere: DEUS fez tanto um quanto o outro, para evitar

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RESUMO

O presente estudo tem por intuito analisar a possibilidade de aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica no âmbito dos Tribunais de Contas. Trata-se, como é convencional, de remédio jurídico que busca solucionar casos de disfunção da personalidade jurídica, caracterizados pela fraude ou pelo abuso do direito à personificação, cometidos pelos dirigentes da entidade em prejuízo dos sócios ou mesmo de terceiro, que poderá vir a ser o Poder Público, situação esta que nos interessará de perto. Em que pese não haver previsão expressa do instituto na Lei de Licitações ou nas Leis Orgânicas dos Tribunais de Contas, discutir-se-á sobre o cabimento da medida no cerne dos processos que tramitam junto a essas Cortes, verificando-se se o instituto consiste em matéria reservada à jurisdição do Poder Judiciário ou se poderá ser aplicado também no âmbito dos Tribunais de Contas, à luz dos princípios constitucionais informativos da Administração Pública. Para tanto, será pertinente estudar a natureza jurídica dos Tribunais de Contas, suas competências constitucionais, especialmente a judicante, assim como o caráter jurisdicional ou não dos seus provimentos, para, finalmente, chegarmos a uma conclusão fundamentada. Também merecerá atenção a problemática procedimental em torno da aplicação da medida pelos Tribunais de Contas, tendo em vista a natureza peculiar dos processos de contas.

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ABSTRACT

This study is meant to examine the possibility of application of the Doctrine of Piercing the Corporate Entity in the context of Courts of Accounts. It is, as conventional, a case of jurisdictional medicine that seeks to resolve cases of dysfunction of the legal personality, characterized by fraud or the abuse of the right to legal personification committed by the directors of the organization to the detriment of the partners or a third party, which may be the Government; situation which concerns us closely. Despite there is no express provision in the Bidding Law or the Organic Laws of Courts of Accounts, we will discuss the importance of the measure at the heart of the processes which move along these courts, checking to see if the institute is involved with matters reserved to the jurisdiction of the judiciary or could be applied also in the Courts of Accounts, in light to constitutional principles governing public administration. Therefore, it will be pertinent to study the legal nature of the Courts of Accounts, their constitutional powers, especially the adjudicative, as well as the jurisdictional nature of their pronouncements or not, to finally come to a reasoned conclusion. Also, attention should be drawn to procedural issues surrounding the application of the measure by the Courts of Accounts, in view of the peculiar nature of the accounts processes.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 10

2. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ... 14

2.1. Histórico do instituto ... 14

2.2. Conceito e efeitos da personalidade jurídica ... 15

2.3. Positivação da teoria no ordenamento jurídico brasileiro ... 16

2.4. Hipóteses de aplicação da Teoria da Desconsideração ... 18

2.5. As duas formulações da Teoria da Desconsideração: Teoria Maior e Teoria Menor 22 2.6. Enunciados do CEJ/CJF ... 25

2.7. Despersonalização vs. Desconsideração ... 26

2.8. Desconsideração vs. Responsabilidade civil... 28

2.9. Institutos similares na CLT e no CTN ... 30

2.10. Finalidades do instituto da Desconsideração ... 31

3. OS TRIBUNAIS DE CONTAS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ... 33

3.1. Breves notas sobre a função de controle ... 33

3.2. Os Tribunais de Contas na Constituição da República ... 38

3.3. Controle técnico pelos Tribunais de Contas ... 41

3.4. Natureza jurídica, independência e autonomia ... 44

4. OS TRIBUNAIS DE CONTAS: PRINCIPAIS COMPETÊNCIAS E PODER DE CAUTELA ... 51

4.1. Distinção entre função, competência e atribuição ... 51

4.2. Competência fiscalizadora ... 52

4.3. Competência sancionadora ... 53

4.4. Competência julgadora ou judicante ... 54

4.5. Poder geral de cautela dos Tribunais de Contas ... 65

5. A DECRETAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS ... 69

5.1. Exposição de precedentes jurisprudenciais: STJ e TCU... 69

5.2. Críticas negativas e positivas à aplicação do instituto ... 82

5.3. A melhor técnica de aplicação da Teoria pelos Tribunais de Contas ... 87

5.4. Princípios condicionantes da aplicação da medida ... 91

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 93

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1.

INTRODUÇÃO

A razão do presente estudo se deve à problemática em torno da possibilidade ou não de decretação da Desconsideração da Personalidade Jurídica no âmbito dos Tribunais de Contas no Brasil.

É possível verificar na jurisprudência de cortes como o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE-CE) casos reiterados de deferimento da medida, geralmente em processos de Prestações de Contas, Denúncias e Representações, nos quais se comprovam desfalque ou desvio de numerários públicos por parte de determinadas empresas, ocasião em que se procede à conversão do feito em Tomada de Contas Especial (TCE), com vistas “à apuração dos fatos irregulares, à perfeita identificação dos responsáveis e ao ressarcimento do erário” (Arts. 197-200 do RITCU c/c Arts. 8º e 47 da LOTCU).

Importante notar que, somente depois de autorizada pelo relator a conversão do processo em Tomadas de Contas Especial, é que se pode proceder à decretação da desconsideração da personalidade das pessoas jurídicas, desde que presentes seus requisitos, obviamente – a fraude ou o abuso –, com o intuito de se viabilizar a responsabilização de sócios e administradores que hajam se utilizado da entidade para locupletar-se às custas do erário.

Todavia, não é entendimento pacífico que tais órgãos estejam autorizados, legal ou constitucionalmente, a proceder ao deferimento de medida tão drástica.

No âmbito do Tribunal de Contas do Estado do Ceará, por exemplo, verifica-se farta jurisprudência relativa à matéria, especialmente a partir do caso emblemático do “Escândalo dos banheiros fantasmas”, como foi noticiado na mídia local e nacional, em meados de 2011.

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O TCE-CE, após determinar várias inspeções nas cidades interioranas alcançadas pelos convênios, verificou que muitas “unidades sanitárias” encontravam-se, de fato, inacabadas ou sequer haviam sido iniciadas, embora vultosas somas de dinheiro tivessem sido repassadas às Associações e Prefeituras.

Na maioria dos casos em que foram constatadas irregularidades, os representantes legais das entidades convenentes, geralmente presidentes comunitários e prefeitos, juntavam ardilosamente, nas Prestações de Contas enviadas à Secretaria das Cidades, notas fiscais frias, recibos, declarações e atestados de recebimento falsos, emitidos em conluio com as empreiteiras “contratadas”, burlando, assim, o controle estatal.

Os fraudadores contavam com a debilidade do controle da Secretaria, que não dispunha de recursos humanos suficientes para acompanhar o regular cumprimento dos convênios, e, não raro, também contavam com a corrupção de alguns agentes públicos dentro da própria Secretaria do Governo, que encobriam a fraude em troca de propinas.

Com a denunciação do esquema criminoso, vários dirigentes das pessoas jurídicas, além de servidores públicos, prefeitos e secretários municipais, tiveram sua prisão decretada pelo Judiciário cearense, a pedido da PROCAP (Procuradoria de Crimes contra a Administração Pública), do Ministério Público do Estado Ceará, órgão que presidiu as investigações.

Talvez o caso mais notório tenha sido o da prisão do prefeito municipal de Ipu, Sr. Sávio Pontes, decretada pelo desembargador Francisco Darival Beserra Primo, em 15 de junho de 2012. Sávio Pontes foragiu-se do município e se apresentou no dia 21 de junho de 2012 no Quartel do Corpo de Bombeiros, em Fortaleza, onde ficou preso (O POVO ONLINE, 2012, on-line).

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A partir de casos como esse, tem-se aberto fecundo espaço para o debate acerca do cabimento ou não da decretação da disregard doctrine pelos Tribunais de Contas, discussão que se afigura das mais relevantes, por sua repercussão jurídica, social e institucional.

Jurídica, porque se abrem novos rumos no tocante à exportação da teoria do Direito Civil-Societário para o Direito Administrativo. Social, porque importa diretamente em condições mais favoráveis para a reparabilidade dos cofres públicos, em face das fraudes cometidas por dirigentes de pessoas jurídicas no âmbito dos contratos administrativos, convênios e outros instrumentos congêneres. E institucional, porque poderá implicar no reconhecimento de competências mais amplas em favor dos Tribunais de Contas, na maior eficácia dos seus provimentos e, consequentemente, no aumento da credibilidade institucional dessas Cortes perante a sociedade brasileira.

Nesse sentido, alguns questionamentos pertinentes serão suscitados, de forma a experimentar a questão sob diferentes ângulos e excitar um raciocínio crítico sobre o assunto. Enumeram-se alguns deles:

i. A Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica traz, como um de seus fundamentos, a exigência de sua aplicação por uma autoridade jurisdicional? ii. A Constituição de 1988 conferiu aos Tribunais de Contas o exercício de parcela

da função jurisdicional?

iii. Considerando que foi obra da Doutrina e da Jurisprudência alienígenas lançar as bases da Teoria, muito antes de ela ser positivada, permitindo-se, assim, que o magistrado dela fizesse pleno uso a partir de uma interpretação eminentemente principiológica do ordenamento jurídico, não se poderia cogitar, à luz dos princípios que informam a Administração Pública, da formulação de critérios próprios que permitam a aplicação do instituto pelos Tribunais de Contas?

iv. Raciocinar a Teoria em termos conceitualmente rígidos e herméticos, sem permitir-lhe um novo redimensionamento à luz da atividade judicante dos Tribunais de Contas, não daria azo à violação do Princípio Republicano, cuja tônica é a preservação da coisa pública e da ordem social e econômica, e, por conseguinte, à frustração dos ideias de Justiça Social e de Bem-Estar comum? v. Caso se negue aos Tribunais de Contas o poder de decretar a medida, como

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dessas Cortes, em decorrência da impunidade dos sócios/administradores de má -fé, às vezes acompanhada da penalização injusta e ilegal da pessoa jurídica? vi. Considerando que a constatação da fraude ou do abuso na gestão e uso da pessoa

jurídica importa em reconhecer, obrigatoriamente, a responsabilidade do sócio/administrador e, a um só tempo, a irresponsabilidade da pessoa jurídica, como, pois, admitir a penalização da entidade, em patente violação de seus direitos e do princípio da intranscendência da pena? Não se estaria atentando contra o próprio Estado Constitucional de Direito?

Eis alguns dos questionamentos que deverão nortear a construção deste trabalho, na tentativa de chegar-se a uma conclusão a mais consentânea possível com o Direito e a Justiça, priorizando-se a proteção dos direitos dos prejudicados, especialmente do ente político lesado, mas também, e com o mesmo desvelo, da pessoa jurídica abusivamente manipulada.

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2.

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Trata-se de instituto concebido na jurisprudência inglesa e norte-americana, no início do século XIX, e bastante desenvolvido pela doutrina alemã durante o século XX, especialmente por Rolf Serick (FILHO, 2009).

A teoria foi imaginada, originalmente, para duas hipóteses específicas de disfunção ou má utilização da personalidade societária, a saber, a fraude ou o abuso da personalidade jurídica, tendo por maior finalidade a de resguardar os interesses de credores eventualmente prejudicados, os da própria pessoa jurídica, primeira vítima da disfunção, bem como os interesses dos sócios ou administradores de boa-fé da entidade, indiretamente lesados, em face da disfunção perpetrada pelos dirigentes fraudadores ou incursos em abuso de direito.

2.1. Histórico do instituto

Costuma-se fixar como marco histórico da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica o caso State versus Standard Oil Co., julgado pela Corte Suprema do Estado de Ohio, em 1892 (COELHO, 2004), ou mesmo, como afirma Suzy Elizabeth Cavalcante Koury (2011), o caso Bank of United States versus Deveaux, julgado em 1809 pelo juiz Marshall, da Suprema Corte dos Estados Unidos.

Outros autores ainda, como Rubens Requião (2003) e André Luiz Santa Cruz Ramos (2010), fixam-no como sendo o caso Salomon versus Salomon & Co. Ltd., ocorrido na Inglaterra, em 1897, e essa tem sido a opinião mais aceita.

Na ocasião, a sentença do juiz de primeiro grau, que aplicou a teoria a fim de responsabilizar pessoalmente o sócio Aaron Salomon por débitos da sociedade foi mantida pela Corte de Apelação (Court of Appeal), mas reformada, em última instância, pela Câmara dos Lordes (House of Lords) (REQUIÃO, 2003).

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Lorde Herschell chegou ao ponto de afirmar que o resultado lógico da premissa de que “a formação da empresa e tudo o que se lhe seguiu foram um mero esquema para permitir ao recorrente exercer negócios em nome da empresa” não poderia ser outro senão que “a empresa não havia sido validamente constituída e, portanto, não tinha existência legal” (INGLATERRA. Câmara dos Lordes, 1897, p. 8-9).

Na primeira metade do século XX, conforme registra Vanessa Ribeiro C. S. Souza (2006), Rolf Serick, na Alemanha, foi responsável por sistematizar a teoria, com o cuidado de estabelecer critérios objetivos para a sua aplicação, que deveria efetivar-se em situações excepcionais. O autor alemão, anota José Marcelo Pinheiro Filho (2009, p. 26), entendia que a aplicação da teoria com o fim de coibir a fraude não passava “de aplicação específica do princípio geral, segundo o qual um instituto jurídico não pode jamais ser tutelado pelo ordenamento jurídico, se servir de instrumento para fraudar a lei”. Mais tarde, a teoria da desconsideração irradiou-se para outros países, sendo desenvolvida em países como França, Itália, Argentina e Espanha (ClÁPIS, 2006).

2.2. Conceito e efeitos da personalidade jurídica

O ordenamento jurídico brasileiro confere às pessoas jurídicas personalidade distinta da de seus membros, segundo anota Carlos Roberto Gonçalves (2009). A propósito, o Código Civil de 1916 trazia a seguinte disposição, que não mais consta do Código de 2002: “Art. 20. As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros”, por despicienda que seria.

Por seu turno, Mamede (2004, p. 241-242) afirma que a criação desses “atores não humanos” implica a distinção não só entre a pessoa jurídica e os seus membros, mas entre ela e os seus prepostos (praeponere, em latim), aqueles que se põem à frente das atividades que serão havidas como atos da empresa. Segundo ele, o véu da personalidade jurídica cobrirá esses dois grupos de pessoas de maneira análoga às fantasias que vestem os atores no cenário teatral.

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independente da de seus sócios, de modo que se estes deixam de existir, ela continua a subsistir no mundo jurídico, só desaparecendo com a dissolução, liquidação e baixa no registro competente.

2.3. Positivação da teoria no ordenamento jurídico brasileiro

Antes de ser positivada, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica foi introduzida, no meio acadêmico brasileiro, por Rubens Requião, na obra intitulada “Aspectos Modernos do Direito Comercial”, publicada em meados da década de 1970 (MARTINS, 2006), e paulatinamente foi sendo aplicada por juízes e tribunais no país.

Cristiano Farias e Nelson Rosenvald (2008 apud MUNIZ, 2011, p. 9), por sua vez, afirmam que Requião traduziu a monografia de Rolf Serick e, posteriormente, a publicou sob o título “Abuso de direito e fraude através da personalidade Jurídica”, o que seria o verdadeiro marco inicial de desenvolvimento da teoria no Brasil.

Atualmente, o instituto encontra-se positivado no Código Civil de 2002, na cláusula geral do Art. 50, e em outros microssistemas legais, tais como o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a revogada Lei Antitruste (substituída pela nova Lei Antitruste) e a Lei de Crimes Ambientais (MUNIZ, 2011).

Em ordem cronológica, teve-se em 1990 a edição do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), que, em seu Art. 28, caput e § 5º, trouxe disposições expressas acerca do instituto:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§ 1° (Vetado).

§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. § 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.

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Em 1994, a antiga Lei Antitruste (Lei nº 8.884/1994) trouxe disposição quase idêntica à do Art. 28, caput, do CDC:

Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por administração. (negritou-se)

Em 1998, a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) trouxe preceito que equivale, mutatis mutandis, à regra do Art. 28, § 5º do CDC:

Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

Em 2002, o Código Civil concedeu novo tratamento à matéria, refletindo, com fidelidade, os contornos originais da disregard doctrine, que havia sido, de certa forma, desfigurada naqueles outros diplomas. Trata-se de dispositivo que se alinha aos ideais da Teoria Maior da desconsideração, por delimitar sua aplicação apenas aos casos em que houver abuso da personalidade jurídica (RAMOS, 2010, p. 342), o que será abordado mais adiante no tópico As duas formulações da Teoria da Desconsideração. Eis em seu inteiro teor o Art. 50 do CC/2002:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. (negritou-se)

Em 2011, a nova Lei Antitruste ou Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/2011), sem qualquer inovação, reafirmou, em seu Art. 34, caput e parágrafo único, a mesma regra da lei revogada, apenas reestruturando o antigo dispositivo.

Acerca desses diferentes diplomas, o Enunciado nº 51 do CEJ/CJF afirma, com razão, que a teoria foi autenticamente positivada no Art. 50 do Código Civil (2002), embora antes dele já houvesse regulamentação no CDC (1990), na antiga Lei Antitruste (1994) e na Lei de Crimes Ambientais (1998), os quais devem ser observados, por sua especialidade, nos respectivos ramos da Ciência Jurídica:

Enunciado nº 51 do CEJ/CJF:

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Sobre as peculiaridades desses sistemas, serão tecidos os devidos comentários no tópico As duas formulações da Teoria da Desconsideração.

Finalmente, registre-se que inúmeros foram os termos cunhados pela doutrina para se referir à teoria da desconsideração da personalidade jurídica: Teoria do Superamento (Itália), Teoria da Penetração (Argentina), Disregard of legal entity ou Lifting the corporate veil (Estados Unidos), Mise à l'écart de la personalité morale (França) e Durchgriff der juristichen person (Alemanha) (CASILLO, 1979 apud BESOUCHET, 2011, p. 23).

2.4. Hipóteses de aplicação da Teoria da Desconsideração

Marçal Justen Filho, em meados da década de 1980, já definia o instituto da desconsideração como um artifício jurídico consistente:

[...] [n]a ignorância, para casos concretos e sem retirar a validade de ato jurídico específico, dos efeitos da personificação jurídica validamente reconhecida a uma ou mais sociedades, a fim de evitar um resultado incompatível com a função da pessoa jurídica. (1987, p 56-57 – negritou-se)

Por seu turno, Suzy Koury (2011) afirma que a teoria da desconsideração consiste em subestimar os efeitos da personificação jurídica no caso concreto, penetrando na sua estrutura formal para evitar que simulações e fraudes possam lograr seus fins escusos, bem como para solucionar casos em que o respeito à forma societária levaria a soluções contrárias à sua função e aos princípios consagrados pelo ordenamento jurídico.

Ensinam Comparato e Calixto Salomão Filho (2008 apud JOANES, 2010, p. 37), que “a disfunção societária é exatamente o critério teórico para aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica” (negritou-se).

As várias modalidades de disfunção ou desvirtuamento da personalidade jurídica em casos específicos, dos quais vêm se ocupando o Direito nacional e comparado desde longas datas, correspondem, exatamente, aos pressupostos de aplicação do instituto (ARAUJO, 2010).

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abrangiam também o “erro”, o “dolo” e a “simulação”, vícios do negócio jurídico. Assim, na jurisprudência anglo-americana, costumava-se adotar a teoria da desconsideração como sanção também aos vícios de vontade ou de consentimento, especialmente aqueles três.

No mesmo sentido, elucida Alexandre C. Silva (2009, p. 78): “o conceito de fraude, embasador da aplicação da desconsideração, é mais amplo no direito norte-americano do que no direito brasileiro, abrangendo os conceitos de erro, dolo, simulação e fraude contra credores.

Todavia, acerca das hipóteses elásticas admitidas no direito estadunidense, obtempera, oportunamente, David Massara Joanes (2010, p. 52):

A nosso ver, não é possível a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica em situações devício de consentimento, como o erro e o dolo pois, nesses casos, o vício recai sobre a própria manifestação volitiva. Não vislumbramos como um vício do consentimento poderia caracterizar abuso do direito à personificação e, via de consequência, possibilitar a desconsideração da personalidade jurídica.

Entendemos que, em algumas situações de simulação, quando o negócio jurídico simulado for praticado valendo-se, de alguma forma, da autonomia patrimonial da

pessoa jurídica ou de sua existência autônoma e distinta da pessoa de seus sócios, seria possível a desconsideração da personalidade jurídica. Entretanto, não é a simulação em si que permite a desconsideração, mas sim o abuso da personalidade jurídica. (negritou-se)

Assim, uma vez entendido que os vícios de vontade não podem ensejar a aplicação do instituto da desconsideração, pois possuem tratamento jurídico diverso – a saber, a anulabilidade do negócio jurídico, que se vê fatalmente atingido em seu plano de validade –, passa-se a elencar os casos que ensejam sua aplicação.

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as origens do instituto e prosseguisse invocando a fraude como fundamento para aplicação da teoria, em geral dispensando a investigação de qualquer elemento subjetivo (dolo e má-fé).

Sobre o real significado de fraude, conceitua Joanes (2010, p.44):

[...] a definição que melhor se adapta à teoria da desconsideração da personalidade jurídica é a cunhada por Karl Larenz [1978 apud PEREIRA, 1994, p.15]. Segundo o autor, fraude é o “meio pelo qual o agente consegue alcançar um resultado proibido através de atos que não contrariam as palavras da lei, mas que contrariam o seu sentido. [...] o ato que aparentemente não viola qualquer disposição legal, está na verdade frustrando a finalidade de uma norma jurídica, já que por meio dele alcançou-se, ainda que não diretamente, o resultado nela previsto (ou pelo menos a

ele equivalente) e por ela proibido”. (negritou-se)

Segundo o conceito um tanto abstrato de Larenz, vê-se que a averiguação da fraude pode dispensar o elemento psíquico, embora seja mais comum associá-la ao dolo e à má-fé.

A segunda hipótese consiste no “abuso da personalidade jurídica”, expressão empregada no Art. 50 do CC/2002 e que integra o gênero “abuso de direito”. Como o próprio nome indica, aquele caso ocorre quando há abuso de um direito em específico: o “direito à personificação jurídica”.

Parafraseando Requião, Flávia M. Clápis afirma que o abuso da personalidade jurídica não deve ser confundido com a fraude, pois “a fraude deriva da intenção de prejudicar terceiros ou credores, sendo que no abuso de direito não existe propriamente trama contra o direito de credor, mas sim o uso inadequado de um direito, mesmo que não se tenha atentado ao titular do direito o propósito de prejuízo do direito de outrem” (REQUIÃO, 1988 apud CLÁPIS, 2006, p. 172).

O abuso também não se confunde com os atos ilícitos. Conforme anota Roberta M. Besouchet (2011, p. 27), “enquanto no ato ilícito [...] a violação se dá quando ocorre afronta direta a um comando legal, no abuso [...], embora se esteja aparentemente agindo no exercício de um direito, valores que justificam o reconhecimento desse direito pelo ordenamento jurídico estão sendo violados”. E conclui, dizendo: “[...] a desconsideração da personalidade jurídica pressupõe a licitude dos atos praticados, revelando-se o objetivo ilícito apenas depois da desconsideração, já que o abuso vem ocultado pela pessoa jurídica”.

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Resta dizer que muitos autores, entre os quais o próprio Cavalieri e Paulo Nader, e em igual sentido caminhou o CC/2002 (Art. 187), acreditam que o abuso de direito configura ato ilícito. Contrariamente, Gustavo Tepedino, filiado a uma doutrina mais moderna do abuso de direito, embora minoritária, busca conferir-lhe papel autônomo na ciência jurídica:

A ultrapassada concepção do abuso de direito como forma de ato ilícito, na prática, condicionava sua repressão à prova de culpa, noção quase inerente ao conceito tradicional de ilicitude. No direito civil contemporâneo, ao contrário, a aferição de abusividade no exercício de um direito deve ser exclusivamente objetiva, ou seja, deve depender tão-somente da verificação de desconformidade concreta

entre o exercício da situação jurídica e os valores tutelados pelo ordenamento civil-constitucional. Além disso, a associação do abuso com o ilícito restringe as hipóteses de controle do ato abusivo à caracterização do ato ilícito, deixando escapar um sem-número de situações jurídicas em que, justamente por serem lícitas, exigem

uma valoração funcional quanto ao seu exercício. (TEPEDINO, 2004 apud

JOANES, 2010, p. 54).

Cavalieri rebate tal entendimento, de que o ato ilícito, ainda que na modalidade de abuso de direito, demandaria a aferição de culpa. Para ele, o abuso, embora com características próprias e conteúdo especial, deve ser tratado também como ilicitude, tal qual ocorre com os outros atos ilícitos de forma geral. E se o impasse residiria na complicada tarefa de verificar a culpa para provar a ilicitude da conduta dita abusiva, a solução do problema está no fato de que, em se tratando de abuso, o elemento culpa será dispensado, pois agora o critério deve ser o objetivo-finalístico: basta verificar se a conduta ultrapassa os limites da boa-fé objetiva, dos bons costumes ou dos fins sociais e econômicos do direito.1

Não obstante o entendimento dessa corrente, majoritária, de que o tratamento jurídico do abuso do direito deve ser o da responsabilidade civil, com o ajuizamento de ação reparatória, é preciso notar que no Direito Societário há uma peculiaridade não compreendida por muitos e que não permite que o abuso da personalidade receba o mesmo tratamento dos atos ilícitos lato sensu. Consiste no fato de que o abuso do direito à personificação não diz respeito a direito próprio do agente fraudador, mas a direito de outrem (sociedade), em nome de quem ele atua. Como, nesses casos, o direito à personificação, titularizado pela pessoa jurídica, é utilizado pelo seu dirigente de maneira abusiva, não se mostra possível a responsabilização do agente, por via de ação reparatória, já que a vontade do agente é, até que se prove o contrário, a própria vontade da pessoa, ou seja, o ato, à primeira vista, foi praticado pela sociedade, sobre quem recai incontinenti a responsabilidade. Assim, em matéria de Direito Societário, continua válido e em pleno vigor o instituto da disregard, como meio de

1 Nesse sentido, o Enunciado nº 37 do CEJ/CJF: “A Responsabilidade civil decorrente do abuso do direito

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desvincular a vontade do agente da vontade da pessoa jurídica e autonomizar a responsabilidade daquele.

A hipótese de abuso da personalidade, à luz da doutrina clássica da desconsideração (Teoria Maior), presente no CC/2002, poderá revelar-se sob as modalidades de confusão patrimonial ou de desvio de finalidade. A confusão patrimonial ocorre com a mistura dos patrimônios da sociedade e dos sócios ou, ainda, da sociedade e de outras integrantes do mesmo grupo. Pode também haver “confusão aparente de personalidades”, quando “mais de uma sociedade aparece perante terceiros como se fossem um grupo”, embora sem efetiva mistura patrimonial (CLÁPIS, 2006, p. 151). Já o desvio de finalidade corresponde ao uso anormal da pessoa jurídica, com adulteração de sua finalidade institucional. Por “finalidade” entenda-se “objeto social”, e não só isso, mas também “função social” da pessoa jurídica.

Com o advento do CDC é que as possibilidade até então elencadas passaram a compreender também o excesso de poder; a infração da lei; o fato ou ato ilícito; a má administração que implique falência, insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica; e o ressarcimento frustrado, conforme anota Mamede (2004), inovação que para muitos autores consistiu em verdadeira atecnia legislativa, o que será abordado adiante.

2.5. As duas formulações da Teoria da Desconsideração: Teoria Maior e Teoria

Menor

Duas foram, basicamente, as formulações desenvolvidas e aplicadas no Brasil para a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, cada uma com peculiaridades próprias. São elas a “Teoria Maior” e a “Teoria Menor”, expressões cunhadas por Fábio Ulhoa Coelho (RAMOS, 2010).

A primeira delas encontra-se prevista no Art. 50 do CC/2002, nos mesmos moldes em que primeiramente concebida no direito anglo-americano, enquanto a segunda, conforme entendem alguns autores, no Código de Defesa do Consumidor, pouco sofisticada e com consequências mais gravosas para aqueles que a suportam. Reproduzem-se os dois dispositivos, respectivamente:

(24)

efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. (negritou-se)

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por administração.

[...]

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. (negritou-se)

Quanto à Teoria Maior, contemplada no CC/2002, há duas concepções ou vertentes de interpretação que buscam explicar a expressão “abuso da personalidade jurídica”: a subjetivista e a objetivista.

Para a primeira corrente doutrinária, é necessária a demonstração inequívoca do ânimo de lesar credores (elemento subjetivo) para caracterizar o abuso da personalidade jurídica. Mister a demonstração, no caso concreto, da intenção de fraudar, burlar, lesar, ou seja, do animus abutendi, pois, no entender dessa corrente, a aferição da subjetividade do agente é pressuposto para sua aplicação. Para a segunda corrente doutrinária, que prevalece na jurisprudência dos tribunais, a simples conduta, objetivamente considerada, do agente que provoca a comunicação do seu patrimônio com o da pessoa jurídica ou o desvio dos objetivos sociais seria bastante para evidenciar o abuso da personalidade jurídica, autorizando a decretação da medida, sem aferição de culpa.

Por outro lado, a Teoria Menor da desconsideração não exige a prova do abuso da personalidade, que alguns dizem equivaler ao elemento “fraude”, caracterizado, como dito, pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. No entender dos privativistas, a Teoria Menor encontra-se disciplinada no Art. 28, § 5º do CDC, pois o parágrafo consagra como critério suficiente para a desconsideração o fato de a personalidade jurídica ser “de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”. Em outras palavras, prescinde-se do abuso, bastando a insolvência da pessoa jurídica, ou quiçá menos que isso (afirmam alguns), tendo em vista o amplo espectro de incidência do § 5º2.

O critério da insolvência, que nada tem que ver com as construções originárias da teoria, mereceu duras críticas da doutrina, como anota Santa Cruz (2010).

(25)

Por outro lado, obtempera Gladston Mamede que não se trata de uma “ampla e irrestrita desconsideração da personalidade jurídica”, a caracterizar um rompimento com o princípio da autonomia patrimonial, mas sim de uma “hipótese genérica” criada pelo legislador, para fugir do perigo da tipificação, com o intuito de permitir ao juiz do caso dizer, para além das hipóteses expressamente tipificadas na lei, mas sempre de maneira fundamentada, se “o fato identificado [no caso concreto] é motivo suficiente para permitir a desconsideração da personalidade jurídica” (2004, p. 258).

Ocorre que a lei não ofereceu parâmetros mínimos ao juiz para decidir, malgrado o magistrado esteja sempre obrigado, conforme argumentou o autor, a fundamentar sua decisão e a demonstrar que “o motivo é suficiente”, idôneo para aplicar a medida. Ora, que a decisão deve ser fundamentada, isso não se discute, todavia o texto do § 5º, não oferecendo critérios mínimos nem limites objetivos ao livre convencimento do juiz, cedeu enorme terreno à insegurança jurídica.

Sem parâmetros bem definidos, a repercussão prática não poderá ser outra senão a de que os juízes aplicarão, ao seu talante, como de fato o vêm fazendo, o instituto da desconsideração no âmbito das relações de consumo, bastando que haja a insolvência da pessoa jurídica e o prejuízo aos consumidores, o que põe em cheque a autoridade do princípio da separação e autonomia patrimoniais e as regras de limitação de responsabilidade. O argumento geralmente invocado, insuficiente a nossos ver, diz respeito à hipossuficiência dos consumidores diante do desequilíbrio contratual ocasionado pelo poder econômico das empresas e à impossibilidade de transferir para eles os riscos empresariais.

Dessarte, não andou bem o legislador com a terminologia acriteriosa do § 5º do Art. 28, haja vista que, se o caput já cuidara de elencar casos de ilicitude, e mesmo de insolvência (quando decorrente esta de má administração), não era recomendável a redação do § 5º, sob pena de se permitir, injustamente, a responsabilização indiscriminada dos sócios da pessoa jurídica, ainda que verificada a ausência de má-fé.

(26)

para o prejuízo e que sequer colaboraram para a insolvência da pessoa jurídica, o que contraria Enunciado nº 07 do CEJ/CJF3.

Vê-se, portanto, que é procedente a crítica dirigida, por parte da doutrina, à Teoria Menor da desconsideração, que tentou ampliar as hipóteses de aplicação de forma generalizada, isto é, para além dos casos de fraude e abuso, elegendo como critério suficiente de aplicação a “insolvência”, ou mesmo que isso em determinados casos, o que enseja, na prática, enorme insegurança jurídica.

2.6. Enunciados do CEJ/CJF

Acerca da desconsideração da personalidade jurídica, merecem ser compilados os Enunciados editados nas I, III e IV Jornadas de Direito Civil, realizadas pelo Centro de Estudos Jurídicos do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF), os quais seguem transcritos em seu inteiro teor:

Enunciado nº 07 do CEJ/CJF:

Art. 50: Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido. (negritou-se)

Enunciado nº 51 do CEJ/CJF:

Art. 50: A teoria da desconsideração da personalidade jurídicadisregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema. (negritou-se)

Enunciado nº 146 do CEJ/CJF:

Art. 50: Nas relações civis, interpretam-se restritivamente os parâmetros de

desconsideração da personalidade jurídica previstos no Art. 50 (desvio de finalidade social ou confusão patrimonial). (Este Enunciado não prejudica o Enunciado n. 7) (negritou-se)

Enunciado nº 229 do CEJ/CJF:

Art. 1.080: A responsabilidade ilimitada dos sócios pelas deliberações infringentes da lei ou do contrato torna desnecessária a desconsideração da personalidade

3

(27)

jurídica, por não constituir a autonomia patrimonial da pessoa jurídica escudo para a responsabilização pessoal e direta. (negritou-se)

Enunciado nº 281 do CEJ/CJF:

Art. 50: A aplicação da teoria da desconsideração, descrita no Art. 50 do Código Civil, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica. (negritou-se)

Enunciado nº 283 do CEJ/CJF:

Art. 50: É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.

Enunciado nº 285 do CEJ/CJF:

Art. 50: A teoria da desconsideração, prevista no Art. 50 do Código Civil, pode ser invocada pela pessoa jurídica, em seu favor.

Como visto, os verbetes são bastante esclarecedores e abordam assuntos importantes, como o direcionamento da responsabilidade unicamente aos sócios que hajam incorrido no ato irregular (nº 07); casos que não configuram aplicação da teoria, e sim responsabilidade direta dos sócios por força de lei (nº 229); a desnecessidade de se comprovar a insolvência da pessoa jurídica, até porque esta não tem o dever de responder por atos abusivos dos sócios (nº 281); a possibilidade de aplicação inversa da teoria, com vistas a atacar bens do sócio incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica (nº 283); e a possibilidade de a pessoa jurídica invocar a teoria em seu favor, até porque, em geral, ela é vítima da ação fraudulenta dos seus membros (nº 285).

2.7. Despersonalização vs. Desconsideração

Outro ponto relevante deste estudo consiste em diferenciar despersonalização e desconsideração, esta também chamada de teoria da penetração.

Também não se pode confundir a desconsideração com as hipóteses legais de “imputação de deveres a sujeitos diversos da pessoa jurídica ou com a dissolução coativa de pessoas jurídicas” (LEONARDO, 2010, p. 73). No tocante ao primeiro caso (imputação de deveres), remete-se o leitor para a leitura dos próximos dois tópicos.

(28)

CC/2002). O caso de dissolução administrativa de Sociedades Anônimas (Art. 206, III da Lei nº 6.404/1976). Os casos de dissolução judicial, quando houver nulidade dos atos de constituição, quando a pessoa jurídica não mais puder preencher o seu fim social ou, ainda, quando houver falência (MAMEDE, 2004). Por fim, o caso do Art. 19, § 3º da recém -publicada Lei nº 12.846/20134, que trouxe inovações interessantes sobre dissolução

compulsória de pessoas jurídicas em geral, entre outros casos.

Segundo Fábio Konder Comparato, “a [despersonalização] acarreta a dissolução da pessoa jurídica ou a cassação da autorização para seu funcionamento”, enquanto na desconsideração “subsiste o princípio da autonomia subjetiva da pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios ou componentes, mas essa distinção é afastada, provisoriamente e tão -só para o caso concreto” (COMPARATO apud GONÇALVES, 2009, p.215).

Em suma, enquanto na desconsideração há um esforço para se considerar, ficticiamente e para determinado caso concreto, como inexistente a personalidade da pessoa jurídica, sabe-se que na despersonalização há, com efeito, a anulação ou negação de sua personalidade. Enquanto aquela é episódica e se refere a determinada obrigação, a segunda se refere à própria extirpação da sua identidade no mundo jurídico.

Segundo leciona Gladston Mamede (2004, p. 261):

[...] A desconsideração pode ser aplicada com ou sem a decretação da falência ou insolvência; pode até sê-lo em ação declaratória, na qual se peça ao Judiciário o

reconhecimento de que uma obrigação – ou mesmo um contrato –, pretensamente constituída pela pessoa jurídica, diz respeito a sócio, administrador ou terceiro (pessoa jurídica ou moral). [...]

[...]

Todas as demais relações jurídicas da sociedade não são afetadas pelo deferimento da desconsideração da personalidade jurídica em relação a uma ou mais obrigações; daí a indispensável necessidade de precisão dessas. Portanto, é perfeitamente possível que a sociedade mantenha sua existência (personalidade e patrimônio próprios) após o decisum. [...]

4 Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5º desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras:

[...]

III - dissolução compulsória da pessoa jurídica; [...]

§ 1º A dissolução compulsória da pessoa jurídica será determinada quando comprovado:

I - ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou

(29)

Não obstante o autor utilizar indistintamente os termos desconsideração e despersonalização, seus sentidos não podem ser sobrepostos, pois, como se disse, refletem situações completamente distintas.

Em geral, a despersonalização ocorre pela dissolução da sociedade, dissolução que pode ocorrer de pleno direito, como, por exemplo, pelo término do prazo de duração, pelos meios previstos no estatuto, por deliberação da assembleia geral, etc; por decisão judicial; ou mesmo por decisão da autoridade administrativa, nos casos outrora citados.

Por sua vez, a desconsideração deve ocorrer nos moldes do Art. 50 do CC/2002, limitando-se a estender os efeitos de “certas e determinadas relações de obrigações” aos bens particulares dos administradores ou sócios.

2.8. Desconsideração vs. Responsabilidade civil

A desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional, que deve ser invocada em casos específicos, não passíveis de solução pelos meios ordinários de imputação direta de responsabilidade, nesta última compreendida a teoria ultra vires societatis, que pode ser entendida como uma responsabilidade civil contratual ou extracontratual (aquiliana, legal).

Assim, a imputação direta de responsabilidade decorrente da prática de atos ilícitos é hipótese que dispensa a aplicação da teoria da penetração, já que nesse caso “o próprio ordenamento jurídico já estabelece a sua [dos sócios] responsabilização pessoal e direta pelas obrigações decorrentes desses atos. A desconsideração nesses casos, pois, é completamente desnecessária” (RAMOS, 2010, p. 343-344).

(30)

Finalmente, a teoria dos atos ultra vires, assim denominados por serem praticados pelo administrador com excesso de poderes – logo, atos ilícitos, antijurídicos ou contrários ao Direito –, deve ser enquadrada como mais um caso de imputação direta de responsabilidade e, por conseguinte, de verdadeira responsabilidade civil.

A propósito, quanto aos atos ultra vires, aqueles, como foi dito, praticados para além das forças contratualmente conferidas ao sócio ou administrador, o CC/2002 prescreve a irresponsabilidade da pessoa jurídica perante os terceiros prejudicados, pois se está diante de atos próprios do agente, e não da empresa, pelos quais o próprio sócio ou administrador deverá responder direta e pessoalmente.

Como afirma Mamede (2004), a ultra vires doctrine tem amparo no Código Civil, a partir da interpretação a contrario sensu do Art. 475, combinada com a regra do Art. 6626,

ambos do CC/2002.

Além desses, cite-se o Art. 665 do mesmo diploma, que dispõe que “O mandatário que exceder os poderes do mandato, ou proceder contra eles, será considerado mero gestor de negócios, enquanto o mandante lhe não ratificar os atos” (negritou-se). Por seu turno, o Art. 861, que trata da gestão de negócios, assim dispõe: “Aquele que, sem autorização do interessado, intervém na gestão de negócio alheio, dirigi-lo-á segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono, ficando responsável a este e às pessoas com que tratar.” (negritou-se). Finalmente, o Art. 1.015 do CC/2002 tratará das isenções de responsabilidade do administrador diante de terceiros, ainda quando tenha procedido com excesso7.

Assim, analisando o caso concreto, resta saber se despontaram, em verdade, fatos ensejadores da desconsideração ou, ao contrário, fatos que reclamam simplesmente responsabilidade civil, com imputação direta de responsabilidade.

Com efeito, Santa Cruz Ramos (2010, p. 343) afirma que:

5 Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes

definidos no ato constitutivo. (negritou-se);

6 Art. 662. Os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar. (negritou-se);

7

Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; [...].

Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:

I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; II - provando-se que era conhecida do terceiro;

(31)

[...] nos casos de aplicação da teoria da desconsideração não se está diante, em princípio, de nenhuma ilicitude típica, mas apenas de situações em que a personalidade jurídica, por exemplo, encobre possíveis artimanhas dos sócios com aparência de legalidade (negritou-se).

Portanto, havendo indícios de ilícito civil, deve-se, em primeiro plano, averiguar a responsabilidade do agente por meio da prática de atos ultra vires, que ultrapassaram sua órbita de poder, ou a partir de outra ilicitude motivadora de responsabilidade civil.

Excluída, pois, a hipótese de prática de ilícitos, praticados por culpa ou dolo, contra a lei, contrato ou estatuto, incluindo-se aí os atos ultra vires, então se poderá cogitar da aplicação da disregard doctrine, com a prova do abuso da personalidade jurídica, seja pela confusão patrimonial, seja pelo desvio de finalidade.

2.9. Institutos similares na CLT e no CTN

Alguns autores chegaram a apontar o Art. 2º, § 2º do Decreto-lei nº 5.452/1943 (Consolidação das Leis Trabalhistas), como o diploma pioneiro na previsão da teoria da desconsideração. Eis o dispositivo em seu inteiro teor:

§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas,

personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

Autores como Amador Paes de Almeida (2007) e Suzy Koury (2011) defendem tal entendimento. Por outro lado – e com eles devemos concordar –, autores como André Luiz Santa Cruz Ramos (2010) e Thereza Christina Nahas (2004) afirmam que o dispositivo da CLT não se refere, seguramente, a qualquer caso de desconsideração da personalidade jurídica.

Na verdade, o legislador de 1943 editou, a partir do Art. 2º, § 2º da CLT, uma norma que atribui responsabilidade solidária – não relacionada necessariamente a casos de abuso, embora assim o possa – a sociedades integrantes de um mesmo grupo econômico, no âmbito da relação de emprego, a fim de melhor proteger o empregado. Tal instituto, como se vê, não se confunde com o da desconsideração, em seus contornos originais.

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2º, § 2º da CLT, em que se prescinde da má-fé por parte do empregador (pessoa jurídica). Ademais, na aplicação da regra celetista, diferentemente do CC/2002, a personalidade das sociedades permanece intacta, tanto a da empregadora, quanto a das corresponsáveis, preservando-se o princípio da autonomia e separação patrimoniais em relação a cada uma delas, o qual é sempre posto de lado nos casos de desconsideração.

Assim, os dois institutos até podem ter, intuitivamente, uma mesma finalidade, qual seja, a de coibir a inadimplência do crédito, seja ele trabalhista ou comercial, e a ocorrência de injustiças sociais e econômicas daí decorrentes. Contudo, partem de pressupostos diversos e têm consequências distintas.

Igualmente, a Lei nº 5.172/1966 (Código Tributário Nacional), prevê em seu Art. 135, II e III que: “São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: [...] II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”.

Trata-se, do mesmo modo, de caso de imputação direta e pessoal de responsabilidade aos agentes acima mencionados, e não de desconsideração da personalidade jurídica.

2.10.Finalidades do instituto da Desconsideração

Quanto às finalidades a que se presta o instituto, várias podem ser enumeradas. Em sentido jurídico, ele concorre para a garantia da segurança jurídica e da pacificação social. Em matéria consumerista, serve como forma de proteção dos consumidores, naturalmente hipossuficientes, diante do desequilíbrio contratual ocasionado pelo poder econômico presumidamente superior das empresas fornecedoras de bens ou serviços; também, por via oblíqua, tem servido, quase que irrestritamente, como medida punitiva das mais variadas ilicitudes perpetradas em nome dessas empresas por seus sócios, uma vez que a previsão do § 5º do Art. 28 do CDC, um tanto genérica e elástica, tem sido utilizada como uma licença-geral para imputar-lhes responsabilidade.

(33)

Em matéria ambiental, como forma de conferir máxima efetividade à proteção do Art. 225 da Constituição da República, garantindo um Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, considerado “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida” e um direito fundamental de terceira dimensão.

O instituto da desconsideração possui fins análogos aos de outros remédios jurídicos, que com ele não se confundem, tais como a imputação direta de responsabilidade aos sócios (CTN8) e de imputação de responsabilidade solidária a sociedades integrantes do mesmo

grupo econômico (CLT9).

Em matéria tributária, por exemplo, o propósito último da imputação direta de responsabilidade do Art. 135, III do CTN é o de proteger o crédito tributário e, por consequência, as finanças públicas. Já em matéria trabalhista, a cláusula de responsabilidade solidária do Art. 2º, § 2º da CLT visa proteger, de modo especial, os salários dos empregados, dada a sua natureza alimentar, e, conseguintemente, assegurar o direito à dignidade da pessoa do obreiro e de sua família, além de outros direitos sociais previstos na Constituição da República.

8O CTN, em seu art. 135, III, prevê: “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a

obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: [...] II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”;

9A CLT, em seu art. 2º, § 2º, prevê: “§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas,

(34)

3.

OS TRIBUNAIS DE CONTAS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Os Tribunais de Contas são uma instituição com existência um tanto remota nos anais da história das Constituições brasileiras. O Tribunal de Contas da União (TCU), por exemplo, recebeu tratamento constitucional já quando da edição da Constituição de 1891, em seu Art. 89, embora já houvesse sido criado, meses antes, pelo Decreto n° 966-A, de 7 de novembro de 1890 (MASCARENHAS, 2010).

Desde então, todas as Constituições brasileiras têm se ocupado de tão relevante instituição, embora em algumas cartas políticas, como as Constituições de 1937 e de 1967, além da Emenda Constitucional nº 1 de 1969, o constituinte, por razões históricas, tenha-lhe limitado diversos poderes e competências (COSTA, 2006).

3.1. Breves notas sobre a função de controle

A atividade de controle externo corresponde a apenas uma das inúmeras formas de expressão do sistema de “freios e contrapesos”, tônica da forma republicana de governo, e apresenta como razão maior para sua formulação a soberania popular.

A instituição pela Carta Magna de um controle entrecruzado ou recíproco dos Poderes da República visa anular as tentativas de suplantação de um deles pelos outros, o que seria capaz de difundir distorções na Democracia e desvirtuar, por completo, a vontade soberana do povo, do qual eles emanam e em representação de quem eles devem ser exercitados.

A essência do controle consiste em suprimir, portanto, as oportunidades para o fenômeno da centralização do poder, o que ensejaria descompassos na ordem política interna e, eventualmente, o surgimento de regimes antidemocráticos.

Todavia, importante notar que, se, por um lado, esse modelo de República Democrática não tolera a ingerência de um Poder sobre os demais, o que implica uma postura de autocontenção política por parte de cada um deles, por outro lado, exige-se que cada um deles proceda ao controle sobre os demais, nos limites, é claro, ofertados pela Carta Política.

(35)

Como bem definiu Hely Lopes Meirelles (2012, p. 731), o controle externo, em sentido amplo, se caracteriza como:

[...] o que se realiza por um Poder ou órgão constitucional independente funcionalmente sobre a atividade administrativa de outro Poder estranho à Administração responsável pelo ato controlado, como, p. ex., a apreciação das contas do Executivo e do Judiciário pelo Legislativo; a auditoria do Tribunal de Contas sobre a efetivação de determinada despesa do Executivo; a anulação de um ato do Executivo por decisão do Judiciário; a sustação de ato normativo do Executivo pelo Legislativo (CF, Art. 49, V); a instauração de inquérito civil pelo Ministério Público sobre determinado ato ou contrato administrativo, ou a recomendação, por ele feita, “visando à melhoria dos serviços públicos”, fixando “prazo razoável para a adoção das providências cabíveis” (art. 6º, XX, da Lei Complementar 75, de 2.5.93). (negritou-se)

No mesmo sentido, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (2008, p. 99) assim o define:

O sistema de controle externo pode ser conceituado como o conjunto de ações de controle desenvolvidas por uma estrutura organizacional, com procedimentos, atividades e recursos próprios, não integrados na estrutura controlada, visando fiscalização, verificação e correção de atos.

Assim, ao contrário do que se poderia concluir com a leitura açodada do Art. 71 da CF, de que “o controle externo, a cargo do Congresso Nacional...” seria faculdade exclusiva do Legislativo, conclui-se, na verdade, que não só este, mas também os outros Poderes da República e determinadas instituições, como o Ministério Público (Art. 129, VII da CF10) e os

próprios Tribunais de Contas, podem e devem exercer a função de controle externo, nos termos da Constituição, por óbvio. Eis a definição de controle externo em sentido lato.

Por outro lado, o sentido mais corriqueiramente empregado ao termo relaciona-se ao controle financeiro exercido pelo Legislativo, como se depreende dos Arts. 31, 70, 71 e 74 da Constituição Federal e do Art. 16 do ADCT.

Vale ressaltar, ainda, que o controle externo, quer em sentido amplo, quer estrito, é uma forma exógena, por ser realizado por órgão estranho ao Poder no qual se insere o órgão ou entidade controlados, coexistindo com ele formas endógenas ou internas de controle, feitas por órgãos da própria estrutura do Poder, geralmente denominados de controladorias, coordenadorias, secretarias de controle interno, entre outras nomenclaturas. A Controladoria Geral da União (CGU), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) são exemplos de órgãos que realizam controle administrativo ou interno, no âmbito dos respectivos Poderes em que se acham inseridos.

(36)

A par do controle endógeno, interno ou administrativo, há o poder de autotutela da Administração, que antecede tanto o controle interno quanto o externo, por afigurar-se um autocontrole do próprio órgão, enquanto “centro de competência”, como define-o Meirelles (2012, p. 68). Assim, no desempenho da atividade administrativa, que é típica dos órgãos do Executivo, mas que se revela presente, de maneira atípica, nos órgãos judiciários e legislativos, os órgãos detêm o poder-dever de autotutela, de modo a corrigir suas próprias falhas internas e evitar que tais irregularidades possam ocasionar prejuízos aos administrados, com lesão a direitos subjetivos.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF) editou os verbetes das Súmulas 346 e 473, in verbis:

Súmula 346: A Administração Pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos.

Súmula 473: A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de

conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

Afora os controles interno e externo e o poder de autotutela, a doutrina costuma fazer outras classificações relativamente às várias formas de controle existentes.

A primeira delas – quanto ao Poder que controla – elenca três espécies: administrativo, legislativo e judicial, a depender do Poder que o realiza: se o Executivo, o Legislativo ou o Judiciário, respectivamente.

Outra classificação – quanto à oportunidade ou momento em que se efetua –, prescreve três espécies de controle: prévio, preventivo ou a priori; concomitante ou sucessivo; e posterior, subsequente ou corretivo, conforme assevera Fernandes (2008). O primeiro alcança o ato antes de sua formação ou da produção de seus efeitos; o segundo acompanha o ato durante sua execução e possui natureza supervisora, contínua, ininterrupta; o terceiro consiste no julgamento a posteriori da atividade desempenhada, conferindo a validade dos atos então produzidos.

Como exemplo de controle preventivo, cite-se o Art. 49, incisos II, XV a XVII da CF11, que elenca situações que dependem de autorização ou aprovação prévias do Congresso

11“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: [...] II - autorizar o Presidente da República a

(37)

para que o ato do Poder Executivo possa produzir efeitos; de controle concomitante, cite-se o Art. 71, IV, VI, IX a XI da CF12, que lista situações que podem ser prontamente corrigidas

pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no exercício de seu poder-dever de fiscalizar; de controle posterior ou corretivo, por fim, cite-se o Art. 71, I-III, V e VIII,13 que trata de situações em que o TCU aprecia e julga as contas, respectivamente, do Presidente da República e dos administradores e demais responsáveis por recursos públicos, emitindo parecer em relação às primeiras e aplicando eventuais sanções, como multa e imputação de débito, no tocante às segundas.

Adiante-se que, no tocante aos Tribunais de Contas, ao exercerem o controle externo, sua atuação dá-se, quase sempre, concomitante ou posteriormente ao ato fiscalizado, numa postura eminentemente repressora, e pouco preventiva.

Por razões históricas, adotou-se essa sistemática ortodoxa no Brasil, diferentemente do modelo adotado na Itália e Bélgica, em que o Tribunal de Contas tem o poder de emitir veto prévio à despesa, com o condão de proibir ou suspender o ato avaliado (FERNANDES, 2008, p.161). Na Inglaterra, por exemplo, a Câmara dos Comuns realiza um controle financeiro tanto preventivo quanto concomitante sobre as ordens do Tesouro, por meio da figura do seu Controlador e Auditor Geral, segundo ensina Luiz Bernardo Dias Costa (2006).

permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar; [...] XV - autorizar referendo e convocar plebiscito; XVI - autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais; XVII - aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares.”;

12“Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de

Contas da União, ao qual compete: [...] IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II; [...] VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município; [...] IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal; XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados”. (negritou-se);

13“Art. 71. [...]: I

- apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento; [...] III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório; [...] V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo; [...] VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa

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