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4. OS TRIBUNAIS DE CONTAS: PRINCIPAIS COMPETÊNCIAS E PODER DE

4.4. Competência julgadora ou judicante

A função judicante, nos termos do Art. 71, II da CF, diz respeito ao julgamento das contas dos administradores públicos e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluindo as fundações e as sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, bem como das contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário.

Registre-se que ao julgamento das contas pode ou não se seguir o exercício da função sancionadora, com a aplicação de sanções aos jurisdicionados, como multa e imputação de débito. Aliás, para ser mais correto, o julgamento das contas sempre será acompanhado de sanções, sejam punitivas (negativas), sejam premiais (positivas), haja vista que em Ciência Jurídica a expressão é conceituada como atribuição de consequências a determinado fato jurídico.

Nos termos da Lei nº 8.443/1992 (LOTCU), três são as consequências impostas aos jurisdicionados, a depender da situação das contas apresentadas:

Art. 17. Quando julgar as contas regulares, o Tribunal dará quitação plena ao responsável.

Art. 18. Quando julgar as contas regulares com ressalva, o Tribunal dará quitação ao responsável e lhe determinará, ou a quem lhe haja sucedido, a adoção de medidas necessárias à correção das impropriedades ou faltas identificadas, de modo a prevenir a ocorrência de outras semelhantes.

28“§ 2º Nas hipóteses do inciso III, alíneas c e d deste artigo, o Tribunal, ao julgar irregulares as contas, fixará a responsabilidade solidária: a) do agente público que praticou o ato irregular, e b) do terceiro que, como contratante ou parte interessada na prática do mesmo ato, de qualquer modo haja concorrido para o cometimento do dano apurado.” (negritou-se)

Por seu turno, as alíneas “c” e “d” do inciso III do Art. 16 dispõem: “Art. 16. As contas serão julgadas: I - omissis; II - omissis; III - irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências: a) omissis; b) omissis; c) dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico; d) desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos” (negritou-se);

Art. 19. Quando julgar as contas irregulares, havendo débito, o Tribunal condenará o responsável ao pagamento da dívida atualizada monetariamente, acrescida dos juros de mora devidos, podendo, ainda, aplicar-lhe a multa prevista no art. 57 desta Lei, sendo o instrumento da decisão considerado título executivo para fundamentar a respectiva ação de execução.

Parágrafo único. Não havendo débito, mas comprovada qualquer das ocorrências previstas nas alíneas a, b e c do inciso III, do art. 16, o Tribunal aplicará ao responsável a multa prevista no inciso I do art. 58, desta Lei.

Eis as sanções aplicadas aos administradores. As situações que ensejam o julgamento de um ou de outro modo estão enunciadas no Art. 16 da mesma lei:

Art. 16. As contas serão julgadas:

I - regulares, quando expressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis, a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos de gestão do responsável;

II - regulares com ressalva, quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra falta de natureza formal de que não resulte dano ao Erário;

III - irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências: a) omissão no dever de prestar contas;

b) prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico, ou infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial;

c) dano ao Erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ao antieconômico; d) desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos.

§ 1° O Tribunal poderá julgar irregulares as contas no caso de reincidência no descumprimento de determinação de que o responsável tenha tido ciência, feita em processo de tomada ou prestarão de contas. (sem grifos no original)

Ainda a respeito da função julgadora, há, na doutrina publicista, uma polêmica discussão acerca da natureza, profundidade e mutabilidade das decisões proferidas pelos Tribunais de Contas.

Que tais cortes não são órgãos integrantes do Poder Judiciário é questão vencida, conforme outrora elucidado no tópico Natureza jurídica, independência e autonomia do capítulo anterior, contudo não é pacífico se eles exercem ou não atividade jurisdicional, ou seja, se suas decisões são acobertadas ou não pelo manto da coisa julgada, quando do exercício da competência do Art. 71, II da CF.

De ambos os lados, os argumentos são contundentes, ora negando, ora defendendo a existência de jurisdição no desempenho da atividade dessas cortes, o que implica dizer, em outras palavras, que ou suas decisões são suscetíveis de revisão pelo Judiciário ou, doutra sorte, estão amparadas pelo caráter de imutabilidade própria da coisa julgada.

Sérgio Salustiano (2006) afirma, com propriedade, que há posições extremas e intermediárias sobre a existência ou não de jurisdição nesses tribunais. Segundo ele,

doutrinadores como Oswaldo Aranha Bandeira de Mello29, José Cretella Júnior30, Lúcia Valle

Figueiredo31, Daniel Blume Pereira de Almeida32, Odete Medauar e Ferreira Custódio negam,

peremptoriamente, a qualidade jurisdicional de sua decisões.

Outros, por seu turno, afirmam haver uma jurisdição própria dos Tribunais de Contas, a exemplo de Seabra Fagundes33, Pontes de Miranda34, Jorge U. Jacoby Fernandes,

Carlos Casimiro Costa e Rodolfo Mancuso35. Odete Medauar (1990) ainda acrescenta a estes

Jarbas Maranhão36, Aécio Mennucci37 e Carlos Schmidt de Barros Júnior.

29 Afirma Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (1969 apud FURTADO, 2007, p. 76) que: “o Tribunal de Contas

só possui função administrativa de acompanhar a execução orçamentária e apreciar as contas dos responsáveis por dinheiros ou bens públicos. Não teve o texto em causa o objetivo de investi-la no exercício de função judicante, quando se expressou que lhe caberia julgar as referidas contas. Visou apenas lhe conferir a competência final na ordem administrativa sobre o assunto. Se tidas como bem prestadas, estaria encerrado o trabalho pertinente à sua apuração, com a quitação que mandaria passar a favor dos que as ofereceram. Ao contrário, se entendesse caracterizado alcance relativo a dinheiro ou bem público, no exercício dessa função, determinaria que pagassem o considerado devido, dentro do prazo por ele fixado, e, não satisfeita a determinação, lhe caberia proceder contra eles na forma de direito”;

30 Afirma José Cretella Júnior (1986 apud FURTADO, 2007, p. 76) que: “somente quem confunde ‘administração’ com ‘jurisdição’ e ‘função administrativa’ com ‘função jurisdicional’ poderá sustentar que as decisões dos Tribunais de Contas do Brasil são de natureza judicante [...]”. “Nenhuma das tarefas ou atividades do Tribunal de Contas configura atividade jurisdicional, pois não se vê, no desempenho dessa Corte de Contas, nem autor, nem réu, nem propositura de ação, nem provocação para obter prestação jurisdicional, nem inércia inicial, nem existência de órgão integrante do Poder Judiciário, nem julgamento de crimes contra a administração”;

31 Afirma Lúcia Valle Figueiredo (1995 apud CICCO FILHO, 2007, p. 180-181): “Considerando-se o monopólio

de jurisdição pelo Judiciário, o correto seria dizer apreciar para homologar, rejeitar ou sancionar. Ocorre, pois, que julgar não pode denotar atividade excludente da apreciação do Poder Judiciário. Pode significar que, exercida a competência, há preclusão administrativa. É dizer, após o julgamento, que não poderá mais a Administração ou órgão fiscalizador se voltar sobre as despesas, inquinando-as de ilegais”;

32 Afirma Daniel Blume Pereira de Almeida (2001, p. 229-231) que as características da jurisdição, apontadas por Carnelutti e Chiovenda, a saber, “a) caráter substitutivo, pois o Estado, exercendo a jurisdição, substitui [...] as atividades daqueles que estão envolvidos no conflito [...]; b) [...] a atuação (cumprimento, realização) das normas de direito substancial (direito objetivo); c) lide [...], querela a ser resolvida pelo Judiciário; d) inércia vez que o órgão jurisdicional não pode dar início ao processo de ofício [...]; e e) definitividade, formação da coisa julgada judicial”, não estão presentes nos pronunciamentos dos Tribunais de Contas, exceto pela atuação/realização do direito objetivo no caso concreto;

33 Afirma Miguel Seabra Fagundes (1957 apud MASCARENHAS, 2011, p. 194) que os Tribunais de Contas foram investidos no “parcial exercício da função judicante” e que entender de outro modo, aceitando uma nova apreciação da regularidade das contas pelo Poder Judiciário, tornaria o pronunciamento daquelas cortes “mero e inútil formalismo”. Para Seabra, os órgãos do Poder Judiciário careceriam de jurisdição para proceder a novo exame;

34 Pontes de Miranda sustentava, na vigência da Constituição de 1946 – o que permanece válido sob a ótica da

atual Constituição –, que “desde 1934, a função de julgar as contas está claríssima no texto constitucional. Não havemos de interpretar que o Tribunal de Contas julgue e outro juiz as rejulgue depois. Tratar-se-ia de absurdo bis in idem [...] a Constituição de 1946 teve o Tribunal de Contas como órgão (auxiliar) do Poder Legislativo. Mas a função de julgar ficou-lhe. No plano material, era corpo judiciário; no formal, corpo auxiliar do Congresso Nacional” (apud FERNANDES, 1999, on-line);

35 Afirma Rodolfo de Camargo Mancuso (1997 apud CICCO FILHO, 2007, p. 179) que : “Conquanto as Cortes

de Contas não figurem no rol dos órgãos componentes do Poder Judiciário (CF, art. 92, I a VII), é indisputável que elas exercem com independência, autonomia e exclusividade o segmento específico da Jurisdição em matéria de fiscalização ‘contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial’ (art. 70), como órgão de controle externo, acoplado ao Legislativo (art. 71). A circunstância de suas decisões poderem, eventualmente, ser

Por fim, Maria Sylvia Di Pietro e Hely Lopes possuem posições intermediárias, conforme anota Salustiano (2006).

Para Maria Sylvia Di Pietro (2005, p. 656), as decisões do TCU não teriam caráter jurisdicional, mas também não seriam puramente administrativas, pois têm fundamento constitucional e são impositivas para toda a Administração:

[...] apesar das semelhanças com a função administrativa, não se pode colocar a decisão proferida pelo Tribunal de Contas no mesmo nível que uma decisão proferida por órgão integrado na Administração Pública. Não teria sentido que os atos controlados tivessem a mesma força dos atos de controle. Pode-se afirmar que

a decisão do Tribunal de Contas, se não se iguala à decisão jurisdicional, porque está também sujeita a controle pelo Poder Judiciário, também não se identifica com a função puramente administrativa. Ela se coloca a meio caminho

entre uma e outra. Ela tem fundamento constitucional e se sobrepõe à decisão das autoridades administrativas qualquer que seja o nível em que se insiram na hierarquia da Administração Pública, mesmo no nível máximo da Chefia do Poder Executivo. (sem grifos no original)

objeto de contraste ulterior pelo Poder Judiciário [...] não enfraquece o caráter coercitivo de seus julgamentos, porque, de um lado, aquele contraste advém por outra razão, a saber, a inafastabilidade do controle jurisdicional (dito princípio da ubiqüidade da Justiça: CF, art. 5º, XXXV); de outro lado, sendo certo que impende preservar a desejável harmonia entre as competências constitucionalmente estabelecidas, é forçoso admitir que aquela revisão judicial não se dá necessariamente, e quando ocorra, não poderá implicar uma singela ‘substituição’ dos critérios adotados pelo juiz de contas, por aqueles que acodem o juiz togado”.

Mancuso (2009, p. 18) parece ter modificado, mais tarde, seu entendimento, ao afirmar que: “Assim, os órgãos decisórios parajurisdicionais são, por exclusão, instâncias administrativas, em sentido largo, já que não integram a estrutura do Judiciário (v.g., a Justiça de Paz – CF, art. 98, II), nem a do Legislativo (com refração especial para os Tribunais de Contas, que são órgão de auxílio técnico desse Poder – CF, art. 71)”;

36 Afirma Jarbas Maranhão (1990, p. 99-101): “José Cretella Júnior nega-lhe que exerça atividade jurisdicional e

diz que a sua natureza jurídica é de corporação administrativa autônoma, delegado do Legislativo e, até, auxiliar do Judiciário, nunca, porém, Corte Judicante ou Corte de Justiça. Seabra Fagundes tem uma visão mais ampla a respeito, e expondo que a projeção das Cortes de Contas, cumprindo papel controlador sobre todos os poderes estatais e participando de atividades Legislativas, Executivas e Judiciárias, comunica-lhe um certo hibridismo e suscita controvérsias quanto à sua posição constitucional. [...] Creio que o conceito que melhor define a índole do Tribunal de Contas está nas palavras de Rui Barbosa: ‘Convém levantar entre o poder que autoriza periodicamente a despesa e o poder que cotidianamente a executa, um mediador independente, auxiliar de um e de outro, que, comunicando com a Legislatura e intervindo na Administração, seja não só o vigia, como a mão forte da primeira sobre a segunda, obstando a perpetração de infrações orçamentárias por um veto oportuno aos atos do Executivo, que, direta ou indireta, próxima ou remotamente, discrepem das linhas rigorosas das leis de finanças... O Tribunal de Contas, corpo de magistratura intermediária à administração e à legislatura, que, colocado em posição autônoma, com atribuições de revisão e julgamento , cercado de garantias contra quaisquer ameaças, possa exercer as suas funções vitais no organismo constitucional’”;

37 Afirma Aécio Mennucci (1984, p. 62-63): “[...] para encerrar estas considerações, nada melhor que

transcrever, neste epílogo, aquilo que o prof. Carlos Costa, atual vice-presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, após asseverar que ‘a função jurisdicional não é exclusiva do Poder judiciário, nem entre nós, e tampouco em outros países. (...) A jurisdição sobre as contas é, inegavelmente, atribuída ao Tribunal de Contas pela Constituição Federal. Tal jurisdição é plena, absoluta, compreendendo não só as contas e seus agentes, mas, também, todos os aspectos civis e administrativos conexos, dentro das contingências legais e constitucionais’, proclama, com sabedoria: ‘É esse o nosso entendimento sobre a jurisdição do Tribunal de Contas e que se assim fosse exercitada, sem percalços, lhe aproximaria bem mais do necessário controle axiológico, reclamado pela consciência do povo. Controle com motivações morais, pelo qual o exame dos atos e fatos administrativos se fizesse dentre os espaços e balizamentos legais, mas também e sobretudo, em face de doutrinas éticas, a cujas refrações deve submeter-se a atividade administrativa’”;

Hely Lopes Meirelles (2012, p. 746), por sua vez, não utiliza o termo jurisdição com o mesmo sentido que lhe empresta a maioria da doutrina processualista. Confere-lhe uma conotação mais genérica, que compreenderia a jurisdição administrativa e a jurisdição judicial, sendo esta a única capaz de produzir a coisa julgada:

[...] a denominada coisa julgada administrativa, que, na verdade, é apenas uma preclusão de efeitos internos, não tem o alcance da coisa julgada judicial, porque o ato jurisdicional da Administração não deixa de ser um simples ato administrativo decisório, sem a força conclusiva do ato jurisdicional do Poder Judiciário. Falta ao ato jurisdicional administrativo aquilo que os publicistas norte-americanos chamam the final enforcing power e que se traduz livremente como o poder conclusivo da Justiça Comum. Esse poder, nos sistemas constitucionais que não adotam o

contencioso administrativo, é privativo das decisões judiciais [...]

Realmente, o que ocorre nas decisões administrativas finais é, apenas, preclusão administrativa, ou a irretratabilidade do ato perante a própria Administração.

[...] (sem negritos no original)

Na verdade, os dois autores não se distanciam daqueles que negam a existência da coisa julgada no âmbito dos Tribunais de Contas, já que acabam por admitir a revisão dos pronunciamentos dessas cortes pelo Poder Judiciário.

Oportunamente, Carlos Ayres Britto (2007 apud FURTADO, 2007, p. 77) refuta a tese de que os Tribunais de Contas exerceriam função jurisdicional nas matérias de sua competência:

[...] os Tribunais de Contas não exercem a chamada função jurisdicional do

Estado. Esta é exclusiva do Poder Judiciário e é por isso que as Cortes de Contas:

a) não fazem parte da relação dos órgãos componenciais desse Poder (o Judiciário), como se vê da simples leitura do art. 92 da Lex Legun; b) também não se integram no rol das instituições que foram categorizadas como instituições essenciais a tal função (a jurisdicional), a partir do art. 127 do mesmo Código político de 1988.

Note-se que os julgamentos a cargo dos Tribunais de Contas não se caracterizam pelo impulso externo ou non-ex-officio. Deles não participam advogados, necessariamente, porque a indispensabilidade dessa participação apenas se dá no âmbito do processo judiciário (art. 133 da CF). Inexiste a figura

dos ‘litigantes’ a que se refere o inciso LV do art. 5º da Constituição. E o ‘devido processo legal’ que os informa somente ganha os contornos de um devido processo legal (ou seja, com as vestes do contraditório e da ampla defesa), se alguém passa à condição de sujeito passivo ou acusado, propriamente. (negritou-se)

Por outro lado, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (1999, on-line), defendendo o caráter

jurisdicional dos provimentos dos Tribunais de Contas, propugna:

- o Poder Judiciário não tem competência para a ampla revisibilidade dos atos não-

judiciais estritos. Arrimando-se no art. 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal, os menos atentos pretendem erigir o princípio da revisibilidade judicial como norma absoluta. A simples leitura desse dispositivo, demonstra que é vedado à Lei

excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão, mas não à Constituição. De fato, a interpretação sistemática dos preceitos constitucionais revelam que, em alguns casos, o próprio Estatuto Político delineia a

competência para outros órgãos procederem ao julgamento de determinadas questões, tal como ocorre com o julgamento do impeachment e dos Tribunais de Contas, que Seabra Fagundes classifica como exceções ao monopólio do Poder

Judiciário. De outra parte, admitindo-se, ad argumentandum, que a deliberação

das Cortes de Contas fosse mero ato administrativo e não judicante, mesmo assim, não poderia o Poder Judiciário adentrar ao exame de mérito desse ato, ficando restrito ao exame da legalidade formal. [...]

Ao contrário do que sustentavam Chiovenda e Adolf Wach, que só entendiam a jurisdição como a "atividade do Estado dirigida à atuação do Direito objetivo, mediante a aplicação da norma geral ao caso concreto e mediante a realização forçada da própria norma geral", esse segundo elemento, na moderna processualística, necessita existir apenas potencialmente e sua efetivação, quando necessária, poderá ocorrer com o auxílio de outros órgãos. [...] Nesse contexto evolutivo, situam-se as manifestações do próprio Judiciário em sede de jurisdição voluntária ou graciosa e a homologação e execução de sentença estrangeira. Na primeira, por inexistir de forma imediata a realização forçada; no segundo, porque há interferência, para a força coativa da sentença, de órgão diverso do prolator da sentença.

As decisões das Cortes de Contas, no Brasil, são expressões da jurisdição; não jurisdição "especial" ou seguida de qualquer adjetivação que pretenda diminuir sua força. Mas, apenas jurisdição, à qual se pode, em homenagem ao órgão prolator, referir-se como jurisdição de contas.

[...]

[...] Esgotados os recursos ou os prazos para a interposição, a decisão é

definitiva e, em matéria de contas especiais, não sujeita à revisibilidade de mérito pelo Poder Judiciário, conforme o magistério dos doutrinadores referidos. Assim, sem laivo de dúvida, algumas funções das Cortes de Contas se inserem como judicantes, inibindo o reexame pelo Judiciário quanto ao mérito.

Nesse sentido já se pronunciou a Justiça Federal: "o TCU só formalmente não é órgão do Poder Judiciário. Suas decisões transitam em julgado e têm, portanto, natureza prejudicial para o juízo não especializado". (negritou-se)

A jurisprudência da Justiça Federal mencionada pelo autor consiste na Apelação Cível nº 89.01.23993 - 0/MG, da relatoria do juiz Adhemar Maciel, da 3ª Turma do TRF da 1ª Região, publicada no DJU em 14.09.92. Naquela ocasião o magistrado relatou em seu voto o que se transcreve:

VOTO

O Excelentíssimo Senhor Juiz ADHEMAR MACIEL:

A primeira observação a ser feita é quanto à decisão do TCU. Tem ou não força de res judicata? O TCU, em acórdão proferido em 13/04/82 (fls. 21/22), ao julgar

as contas da ECT, agência postal de Nanuque, MG, teve por irregulares e em débito AUREMIR MENDES PEREIRA, balconista, e HUGO COUY (nas pessoas de seus herdeiros), supervisor postal, pela quantia de Cr$ 153.505,40 [...].

Tenho para mim que é inquestionável a força do julgado do TCU. Sua natureza é de prejudicialidade. Daí ensinar Pontes de Miranda: “As questões decididas pelo

Tribunal de Contas, no julgamento das contas dos responsáveis pelos dinheiros ou bens públicos, não são simples QUESTÕES PRÉVIAS; são QUESTÕES PREJUDICIAIS, constituem o prius lógico-jurídico de um crime, ou, pelo menos, de circunstância material desse. É elemento indispensável à repressão do crime de peculato, por parte do juiz comum, o julgamento das contas dos responsáveis, e esse julgamento somente pode ser feito pelo Tribunal de Contas. Quando o juiz comum despreza o julgado do Tribunal de Contas, infringindo-o, ou modificando-o, ou tendo-o por desnecessário, usurpa funções do Tribunal de Conta ...” etc (Comentários à Constituição Federal de 1946, Borsoi, 1963, III/27).

Ora, como se viu do relatório, houve trânsito em julgado. Os apelantes não recorreram da decisão do TCU. Assim, não nos cabe mais discutir quanto ao acerto

ou não das contas. Os apelantes, por outro lado, não pagaram o débito. Assim, bem agiu o juiz a quo em não acolher a prescrição bienal do art. 11 da CLT. O débito não tem origem trabalhista.

Por tais motivos, confirmo a douta sentença. Nego provimento às apelações.

No tocante ao entendimento das Cortes Superiores, a jurisprudência é escassa quanto à discussão sobre a natureza jurisdicional das decisões emanadas dos Tribunais de Contas. Consta julgado isolado do STF que confirmou na íntegra acórdão recorrido do Tribunal de