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A METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO-ACÇÃO

APRESENTAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO

4.2 A METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO-ACÇÃO

Vamos agora deter-nos sobre as duas estratégias investigativas que enformam o nosso estudo. Para a condução de todo o processo, envolvimento

dos sujeitos participantes e procedimentos sequenciais, apoiamo-nos na investigação-acção, uma vez que é uma estratégia que, aplicada à Educação, tem em vista melhorá-la através da mudança (Gordon, 2001), encorajando os professores a consciencializarem-se das suas práticas, a serem críticos e reflexivos e predispostos a alterá-las. É um tipo de investigação com os professores mais do que sobre eles (McNiff, 1988). É investigação de intervenção social e de um questionamento sistemático (Abrantes, 1997 b; Vieira, 1999).

Mas a mudança gera angústias e sentimentos contraditórios e este reconhecimento leva os colaboradores de Kurt Lewin (1940, citado em Lopes da Silva, 1996) a considerá-la metaforicamente como um abismo para o qual se olha (Looking into the abyss).

Kurt Lewin está ligado à investigação-acção por ter pela primeira vez utilizado o termo em 1940 (Gold, 1999). No entanto, há quem veja na investigação-acção influências aristotélicas. O conceito aristotélico de

prudência que se define como “disposição acompanhada de razão e verdade orientada para a acção” (Lopes da Silva,1996, p. 248) parece inspirar o retorno

ao grande mestre da antiguidade. Carr e Kemmis (1984) são dois dos nomes de referência na investigação-acção que evocam Aristóteles.

Já nos nossos dias, é na Escola de Frankfurt que alguns teóricos da investigação-acção vão fundamentar as suas posições, nomeadamente em Habermas (1971, citado em Coutinho, 2000).

O objectivo central da teoria crítica, de que Jurgen Habermas é provavelmente o representante mais divulgado e estudado, é o de emancipar o indivíduo e a sociedade revisitando a teoria Marxista, sem, contudo, a seguir cegamente. Para Habermas (op.cit.) as teorias científicas propiciam um saber teoricamente explorável, mas que não orienta a acção, tornando-se por isso imprescindível desenvolver uma nova teoria que revele o mundo de outro modo, podendo simultaneamente libertar o Homem das desigualdades sociais, impulsionando-o à mudança (Lopes da Silva, 1996; Miedema e Wardekker, 1999; Moreira, 2001).

Inspirados em Habermas, Carr e Kemmis (1984) consideram a existência de três interesses diferentes do conhecimento - o técnico, o prático, e o

emancipatório - e aplicam à investigação-acção estas designações,

defendendo que é possível produzir conhecimento emancipatório através dela. Estes três tipos de interesses originaram também três níveis de reflexão (Van Manen,1977, mais tarde convertidas em quatro,1991), ligados aos três tipos diferentes de investigação-acção.

A Investigação-acção técnica caracteriza-se por ser instrumental e

preocupada com a eficácia das práticas; os participantes estão dependentes do facilitador/investigador, levando a que seja um tipo de investigação bastante controlado hierarquicamente; tem a vantagem de estimular a mudança, promover a reflexão e o desenvolvimento profissional, mas, por ser excessivamente dependente do investigador, pode obrigar os professores a investigarem problemas que não são exactamente os seus.

Na investigação-acção prática são os professores que seleccionam os

problemas que pretendem investigar, monitorizando-se a si próprios. O facilitador promove diálogos socráticos e proporciona o desenrolar das diferentes fases e ciclos, bem como o feedback sistemático, numa atitude colaborativa e crítica.

Finalmente, na Investigação-acção emancipatória a responsabilidade é totalmente assumida pelos participantes que têm a capacidade de se envolver num raciocínio crítico, revelando um conhecimento rigoroso do sistema de ensino e dos constrangimentos que ele impõe. Assumem-se predispostos à mudança das suas próprias práticas e dos condicionalismos inibidores de justiça social no sistema de ensino.

Os autores que temos vindo a seguir de perto (Carr e Kemmis,1984) consideram a existência de quatro fases na Investigação-acção:

1) Planificação 2) Acção 3) Observação 4) Reflexão.

As primeiras duas caracterizam-se por uma dinâmica de construção enquanto que as duas últimas são reconstrutivas.

As fases não existem isoladamente, sobrepondo-se por vezes umas às outras. “Através do discurso entre os participantes, a reflexão conduz à

reconstrução das situações constituindo base de reformulação da planificação inicial” (Moreira,2001, p. 40).

Sue Atkinson (1994), seguidora da linha de Stenhouse (1975), considera existirem dificuldades na acumulação dos papéis de investigador e professor. Se o investigador precisa de questionar permanentemente tudo, o professor tem de actuar e decidir rapidamente quais as soluções mais adequadas. A investigação requer muita concentração em poucas coisas, enquanto que o ensino exige que o professor actue num número elevado de frentes desenvolvendo, o que a autora denomina de butterfly mind. A investigação analisa e separa as coisas, enquanto que o ensino faz uma espécie de síntese de tudo para se focalizar nas necessidades individuais dos alunos. O ensino resolve problemas, a investigação levanta questões; a investigação é lenta, o investigador precisa de tempo para pensar, enquanto que o professor precisa de respostas imediatas.

Também as linguagens de uns e outros são diferentes e se os professores interiorizam uma linguagem mais conotada com a linguagem da investigação, podem sofrer discriminação por parte dos seus colegas que poderão considerá- los elitistas. Araújo e Sá (1999) diz-nos que “o discurso de investigação é

essencialmente um discurso sobre o objecto, enquanto que o discurso de ensino é um discurso constituidor do objecto” (op. cit., p. 512).

Os constrangimentos de tempo sentidos pelos professores, o acesso a bibliotecas e outras questões práticas são diferentes das dos investigadores.

Finalmente, o tipo de pensamento exigido pelo ensino e pela investigação é também distinto. Sendo ambas duas actividades altamente exigentes, uma caracteriza-se por exigir juízos rápidos e intuitivos, enquanto que a outra análises explícitas e racionais. Atkinson (1994) interroga-se então qual deverá ser o tipo de raciocínio necessário à investigação-acção. Esta autora também considera que existem quatro fases na investigação-acção, admitindo claramente a sobreposição entre elas e mesmo a possibilidade de poderem coexistir em simultâneo, contrariando em certa medida a organização de Kemmis (1998), Elliott (1991) ou Ebbutt (1985).

Um outro nome reconhecido como influente na investigação-acção é o de Bronfenbrenner (1979) e a sua teoria do desenvolvimento humano, vista numa

perspectiva ecológica de interacção permanente entre os diversos contextos em que o homem se projecta.

Jennings e Graham (1996) são duas investigadoras de investigação-acção que pretendem estabelecer ligações hipotéticas entre esta e o pós- modernismo. As autoras interrogam-se se será possível manter a reflexão-

sobre-a-acção, no meio do pluralismo pós-moderno. Na perspectiva pós-

moderna, a verdade é relativa e a acção humana menos importante. O sujeito já não é visto como um ego racional, mas como sujeito que ocupa diferentes posições nas práticas discursivas (tal como defendem os analistas críticos do discurso) posições essas que são produzidas pela relação entre o poder e o conhecimento. Assim, .o sujeito existe em processo (op. cit.). Para os pós- modernistas, o poder não anda só associado às forças da exploração e da repressão, ele é omnipresente e existe mesmo nas forças de libertação. Os conceitos de igualdade, liberdade e justiça são meras peças de um jogo. Esta posição um tanto niilista, leva a que interpretemos o desejo de justiça dos oprimidos, como um pretexto para eles próprios exercerem o poder e leva ainda a que reequacionemos o conceito de poder na investigação-acção, dado que esta se assume como emancipatória na sua versão mais pura.

Uma ideia central à investigação-acção, que os pós-modernistas não negam, é a de acção social, mas rejeitam os grandes slogans como o de emancipação do sujeito, por não considerarem a existência de conceitos universais. Pensam ainda que, vivendo numa sociedade virtual como aquela que os mass media nos impõem, à semelhança da que os meios de produção impuseram à Idade Moderna, o real não existe, apenas a sua simulação. Questionam, deste modo, uma série de conceitos essenciais à investigação- acção, bem como qualquer conceptualização que considerem estática, ligada a ela.

Jennings e Graham (1996) esperam que o pós-modernismo levante mais questões que possam revitalizar o processo de investigação-acção, uma vez que o diálogo entre os dois poderá vir a resultar no fortalecer dos aspectos positivos de ambos.

Quer nos inclinemos mais a admitir que a investigação-acção é influenciada pelo pós-modernismo, pela Escola de Frankfurt (Callewaert, 1999), por Aristóteles, Kurt Lewin ou os autores que se lhes seguiram, o certo é que ela se

assume como o tipo de investigação que produz conhecimento a partir da prática, podendo enriquecer campos conceptuais diversos (Lopes da Silva,1996; Stringer, 1999). É uma estratégia ecléctica e transdisciplinar, com as vantagens e desvantagens inerentes a essa condição.

O fim último que a sustenta – a melhoria do ensino-aprendizagem – está presente em qualquer dos macro-tipos, quer se trate de investigação-acção colaborativa, em que as Escolas e Universidades se unem para desenvolver projectos (Elliott, 1990 a; Pollard e Tann, 1987; Zeichner, 1995), quer se trate de investigação-acção feita exclusivamente pelos professores naquele que ficou conhecido por movimento do professor-investigador (Alrichter et al., 1993; Kemmis e McTaggart, 1988; Vieira, 1992). Sendo a Educação uma prática, só os práticos estão em condições de a realizar, devendo ser ela uma componente essencial da prática profissional dos professores (Carr e Kemmis, 1984; Elliott, 1985; Stenhouse, 1975).

Apesar dos problemas que a investigação-acção levanta (Reason e Bradbury (2001), das suas contradições e instabilidade, tem sido considerada pelos seus defensores como impulsionadora de mudanças sociais, chegando mesmo a ser comparada a uma utopia.

Os temas que atravessam os discursos sobre a Investigação-acção surgem noutras utopias sociais. Assim, por exemplo, a noção de comunidade e a perspectiva de desenvolvimento, que fundamentam a Investigação-acção, são sem dúvida utópicas, mas têm um sentido de orientação dos processos de mudança. O pensamento utópico é um momento indispensável na mutação social e cultural (Lopes da Silva, 1996, p. 264).