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1 ARTE E EDUCAÇÃO NO SÉCULO XX: EUROPA, ESTADOS UNIDOS E

1.3 A MOBILIZAÇÃO AMPLIADA: HERBERT READ E VIKTOR LOWENFELD

Concomitante ao trabalho de Dewey, despontam os nomes do britânico Herbert Read, e de outro austríaco, Viktor Lowenfeld, cujos conceitos e propostas, da mesma forma, configuraram o pensamento a respeito da relação entre arte e educação no século XX.

Read possui uma ampla produção teórica que relaciona arte e educação. Contudo, é no seu livro mais famoso, A educação pela arte, de 1943, no qual sua noção de que a arte deveria ser a base da educação em sua totalidade se desenvolve. Para o autor, as rígidas fronteiras entre as diferentes formas de conhecimento seriam erros dentro do sistema educacional, tendo a educação pela arte o papel de unificar a totalidade orgânica do homem (BARBOSA, 1998).

A proposta do educador, apresentada logo nas primeiras páginas da referida obra, busca analisar uma tese elaborada por Platão, na qual a arte funcionaria como a base para a educação. Entretanto, Read observa que ao longo do tempo, essa prática teria sido mal compreendida, ou nem mesmo efetivada (READ, 2001).

O estudioso descreve duas hipóteses que expressam seu entendimento a respeito do modelo de educação. Em uma, o indivíduo deveria ser educado objetivando se tornar o que é, desenvolvendo potencialidades em uma sociedade liberal o suficiente para permitir variações; em outra, o indivíduo deveria ser educado para se tornar o que não é, adaptando ou erradicando caraterísticas para sua inserção social (READ, 2001).

Nesse sentido, o objetivo da educação envolveria o aprimoramento da consciência social ou reciprocidade do indivíduo, bem como a promoção de sua individualidade. Em seu desdobramento, a singularidade se transformaria em um

valor diante da comunidade, pois contribuiria para a variedade da vida, ao apresentar formas de pensar que poderiam ser úteis a todos. Individualização e integração seriam modos de efetivar tal propósito (READ, 2001).

A liberdade para Read, responderia por um estado do ser permeado de características positivas, sendo desenvolvidas em toda sua autossuficiência, resultando no distanciamento do indivíduo de impulsos egoístas ou antissociais. A consciência, a inteligência e o julgamento, constituiriam os fundamentos de uma educação estética ou educação dos sentidos, envolvendo a autoexpressão, a fala, por meio da literatura e poesia, e o musical ou “auricular”. A integração da personalidade seria estabelecida pela harmonia desses sentidos em relação ao mundo externo, ou seja, a educação estética deveria prezar pelo ajustamento do indivíduo ao seu meio ambiente (READ, 2001).

Desse modo, o autor diferencia a “livre expressão” na criança, da “expressão artística”, pois a primeira envolveria uma diversidade de atividades físicas e processos mentais, nas quais a brincadeira se destaca como principal expressão infantil.

O autor apresenta a “espontaneidade” como o inverso de contenção, ou seja, realizar uma ação ou expressão sem restrições, ou uma ausência de obstáculos entre o desejo interno da criança e o mundo exterior. Já a inspiração, um conceito menos objetivo, mas que vez ou outra surgiria nas definições de educação pela arte, poderia ser o resultado de um acúmulo de tensão mental, que sob determinadas condições, como a reflexão de fatos ou a resolução de um problema, acabariam exteriorizadas. Contudo, Read aceita em parte tal definição. A expressão livre ou espontânea, responderia na verdade pela exteriorização de um conjunto de atividades mentais envolvendo o pensamento, o sentimento, a sensação e a intuição. Quando um estado de tensão se desenvolve e por algum motivo ela acaba liberada, a expressão se tornaria uma inspiração (READ, 2001).

Até aqui, percebe-se que os conceitos de livre expressão e não-intervenção, derivados do pensamento de Cizek e Richardson, de certa forma, permaneceram em seus escritos. Contudo, o diferencial de Read foi a ampliação dos conceitos, a partir da inserção de diferentes linguagens. Sua definição de educação, também abrange um processo de crescimento, revelado por meio da expressão de signos e símbolos visuais ou sonoros. O homem se tornaria bem educado pelo aperfeiçoamento da

produção eficiente de sons, imagens, movimentos, ferramentas e utensílios (READ, 2001).

Ao lado de Read, distingue-se a figura de Viktor Lowenfeld, outro dos principais intelectuais do ensino de arte do século XX (BARBOSA, 2015). Seus escritos se difundiram por toda a América Latina, tornando-se referência para amplo conjunto de trabalhos que situam o autor no pioneirismo desse campo de estudos.14

Lowenfeld foi um educador que se utilizou da arte como processo educativo, pesquisando questões sobre o desenvolvimento da capacidade criadora e da consciência estética do indivíduo. Sob a perspectiva que aborda a autonomia e a liberdade, o estudante deveria encontrar as respostas para seus questionamentos por si mesmo (BARBOSA, 1998). Os princípios defendidos pelo autor envolviam a “livre expressão artística”, bem como o desenvolvimento das possibilidades criativas da criança, que deveriam ser incentivadas sem interferência dos adultos. Do mesmo modo que o psicólogo francês Georges-Henri Luquet (1876-1965), Lowenfeld concebeu a noção de que os estudantes percorriam fases distintas em seu desenvolvimento, justificando a expressão do “eu” como a tônica do processo educativo (IAVELBERG, 2018).

A obra de Lowenfeld passou por um conjunto de transformações que contribuíram para melhorar a compreensão e divulgação de suas ideias. A complexidade de seus primeiros escritos acabou por se diluir com o passar do tempo, revelando trabalhos que se tornaram impactantes para o ensino de arte, ao difundir e sistematizar sua prática (BARBOSA, 2015).

Publicado em 1938 na Inglaterra, o livro The nature of creative activity, antecedeu outro escrito que foi mais bem aceito pelo público, intitulado Creative and

mental growth. Posterior a ambos, surge A criança e sua arte, publicada pela

primeira vez no Brasil em 1976 (BARBOSA, 2015).

Lowenfeld iniciou seus estudos na Academia de Arte de Viena, considerada por ele como “seca” e “acadêmica”, transferindo-se para a Kuntgewerbeschule, uma espécie de Bauhaus de Viena (LOWENFELD apud BARBOSA, 2015). Vale comentar que Lowenfeld, mesmo sendo 38 anos mais novo, foi colega de academia de Franz

14 Entre as publicações de Lowenfeld, a obra A criança e sua arte, publicada no Brasil pela editora Mestre Jou (1977), acabou sendo uma das mais estudadas por sintetizar suas ideias que haviam sido apresentadas em publicações anteriores.

Cizek, conhecendo os métodos e abordagens deste, trocando experiências e aprendizados.

Na Áustria, os primeiros passos do autor com o ensino de arte ocorreram por volta de 1924. No Instituto dos Cegos, trabalhou a técnica da modelagem com os estudantes, fato que o marcou profundamente, refletindo em seu pensamento anos depois.15 Entretanto, foi somente a partir de 1926 que seu interesse se voltou

completamente para o ensino de arte (LOWENFELD apud BARBOSA, 2015).

Depois de trabalhar com Cizek, absorvendo muitas de suas ideias, em 1938, o educador foge dos nazistas em direção aos Estados Unidos, passando primeiramente pela Inglaterra. Após uma fase inicial de dificuldades, acaba lecionando por breve período em Harvard, e já na América do Norte, aceita se tornar o primeiro diretor do departamento de arte do Hampton Institute, voltado ao ensino superior dos afro-americanos (LOWENFELD apud BARBOSA, 2015).

Posteriormente, ao comentar o título de seu livro, Criatividade e

desenvolvimento mental, o autor busca definir sua contribuição para o ensino de

arte. Segundo ele, “é importante relacionar a criança como um indivíduo ao seu esforço criador.” (LOWENFELD apud BARBOSA, 2015, p. 445). Lowenfeld compreende que a relação entre o status ou a mentalidade de um artista como Mondrian e sua obra em si seria insignificante, já no ensino de arte a criatividade e o desenvolvimento mental seriam inseparáveis (LOWENFELD apud BARBOSA, 2015). Considerando tanto os aspectos cognitivos, bem como os sentimentos e percepções das crianças, Lowenfeld referenciou suas ações naquelas já realizadas por Cizek em anos anteriores. Assim como este, sua preocupação foi deixar que a criança expressasse suas experiências de forma livre, sem referências do mundo dos adultos (IAVELBERG; MENEZES, 2013).

1.4 EDUCAÇÃO PELA ARTE NO BRASIL: REFERÊNCIAS ESTRANGEIRAS E