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4 ESCOLINHA DE ARTE E SOCIEDADE: IMAGENS, ENUNCIADOS E OS

4.1 A ESCOLINHA FORA DA ESCOLA

Após a implantação formal da EACEP em 6 de junho de 1957, o trabalho da professora Almeida como organizadora e promotora extravasou sua atuação para fora dos muros do CEP. Com o apoio de elementos da administração pública, seu projeto de divulgação foi bem-sucedido, ao constarem dezenas de reportagens sobre o espaço nos anos seguintes.

O professor Roda lembra que, quando estudante e posteriormente professor da EACEP nas décadas de 1950 e 1960, havia festas todos os anos para comemorar aniversários, exposições ou acontecimentos diversos. O registro desses eventos, era feito por fotógrafos e repórteres convidados pela professora Almeida, cultivando, desse modo, a promoção pública da Escolinha.62

As fotografias reunidas no álbum/dossiê, nesse sentido, fariam parte de uma estratégia institucional. Elaboradas no interior da EACEP, elas possuiriam relevante papel como difusoras dos princípios e objetivos que envolviam a educação pela arte. Do mesmo modo, os artigos escritos e publicados nos jornais, contendo depoimentos da professora, juntamente com a percepção de repórteres e outros articulistas, responderiam pelos argumentos e premissas que expressavam as ideias a respeito do espaço. O conjunto texto-foto compõe imagens conceituais que por sua recorrência nas matérias, foram julgadas fundamentais para o sucesso da proposta.

Verificou-se também que o governo, ao incentivar e patrocinar a divulgação das ações, demonstrava interesses políticos. A publicidade de um tipo de educação

62 Existia desde a década de 1940, uma tradição na cobertura pela imprensa das exposições infantis. Segundo Osinski (2014), percebe-se dois temas recorrentes na imprensa curitibana no ano de 1943: a atenção à criança e a prática de exposições infantis. Já Osinski e Simão (2014) indicam que pela quantidade de matérias sobre as exposições infantis organizadas por Emma Koch entre 1949 e 1952, constata-se que os eventos gozavam de ampla visibilidade na sociedade curitibana e paranaense.

“inovadora”,63 capaz de transformar e moldar os indivíduos por meio da arte,

formaria uma propaganda positiva para o estado. De fato, Oliveira et al (2017, p. 40) argumenta que “os jornais carregam em suas páginas indícios de práticas e pensamentos considerados relevantes por um grupo social, em determinado tempo e contexto.”

Com isso, a construção e difusão do trabalho e das concepções desenvolvidas na Escolinha surgem especialmente significativas no ano de 1958. A “novidade” do modelo educacional resultou na elaboração de 22 reportagens, dividindo-se basicamente em três momentos. O primeiro, ocorrido no mês de junho, aparece com 4 escritos, concentrados na promoção da ação educativa, dando a conhecer as práticas, bem como a festa de comemoração do primeiro ano de funcionamento. Em outubro, outros 4 artigos seguiram o mesmo padrão de abordagem entre si. A divisão dos textos discute fundamentalmente três temas: objetivos da Escolinha, atividades realizadas e descrição do corpo docente, caracterizando a apresentação do espaço, no qual o enunciado que o define, encontra-se completo e detalhado. Por fim, em novembro, uma exposição dos trabalhos realizados pelos estudantes ao longo do ano resultou em 18 matérias que consolidaram a noção do tipo de educação pela arte exercida.

Durante o primeiro ano de funcionamento houve uma ampla fabricação de peças em cerâmica, desenhos e pinturas, cujos processos foram registrados principalmente por meio de fotografias. A reportagem da revista Panorama trazida no capítulo anterior foi publicada em setembro de 1957, apenas dois meses após a implantação da EACEP, e já trazia, além dos argumentos defendidos pela professora Almeida, diferentes imagens de pinturas e esculturas.

As atividades artísticas do CEP tiveram, com o estabelecimento da EACEP, um espaço específico e diferenciado para o desenvolvimento da educação pela arte, o que possibilitou a criação de um conjunto de artefatos que expressava o modelo. O que se observa nas fotografias, define-se pelo acúmulo do tempo da ação. Para que a festa de um ano do espaço pudesse ter sido realizada, foi necessário estabelecer marcos com início e fim de períodos variados. Nesse caso, a contagem do tempo foi

63 É preciso lembrar mais uma vez que a EACEP surge referenciada em trabalhos e propostas anteriores, como o programa de reforma do ensino artístico, formulada por Emma Koch. Dentre os planos, havia o de implementar escolinhas de arte nos grupos escolares do Paraná, tendo por objetivo desenvolver o talento e a capacidade artística dos estudantes, incentivar o convívio social das crianças e a colaboração entre as escolas primárias (OSINSKI; SIMÃO, 2014).

um dos fatores que permitiram a produção da festa, a reunião das personalidades e estudantes e o posicionamento do fotógrafo que captou as imagens.

Tal intervalo de tempo, foi preenchido com dinâmicas legitimadoras para a EACEP, justificando parcialmente sua função. Desse modo, a imagem foi um dos resultados de um longo processo da ação educacional, envolvendo não somente o caráter institucional ou pedagógico da Escolinha, mas também uma ampla movimentação anterior, incluindo as experiências das Colônias de Férias, e a preparação e a ação de educadores e estudantes, mediante a aplicação metodológica das propostas. Para além da ordem formal ou legal, há um arranjo simbólico, que se apropria das ações dos agentes educacionais naquele momento.

A reportagem do jornal Gazeta do Povo, de 17 de junho de 195864 (FIGURA

25), torna-se um exemplo no qual a imagem acaba, mais uma vez, relacionando-se

64 INTERESSE e entusiasmo suscitados em escola de arte: campo amplo no Colégio Estadual do Paraná para mais completa formação dos alunos. Gazeta do Povo, Curitiba, 17 jun. 1958. Interesse e entusiasmo suscitados em escola de arte: campo amplo no Colégio Estadual do Paraná para mais completa formação dos alunos: O método moderno de educação não mais se limita ao ensinamento teórico das matérias. Seu campo é mais amplo, procurando dar ao estudante, nas mais variadas formas de atividades, sentido mais completo de sua formação. Desta maneira, hoje em dia, os esportes, os trabalhos manuais, os folguedos, as artes plásticas são imprescindíveis no regime escolar primário e secundário. Escola de arte: No Colégio Estadual do Paraná, educandário modêlo, foi criado, há um ano, pelo professor Ulisses de Melo e Silva, diretor do estabelecimento, atividade inteiramente nova em nosso Estado, de largo e profundo alcance: a Escola de Arte, que funciona sob a orientação da professora Lenir Mehl e que tem propiciado resultados excelentes na vida estudantil daquele educandário. Atividades desenvolvidas: A Escola de Arte é uma instituição, ao Colégio Estadual, de frequência facultativa, que funciona durante todo o período de aulas. Durante os recreios, os alunos que têm gôsto pelas artes, podem dirigir-se [erro de diagramação] a qualquer atividade artística: pintura, escultura, decoração, etc. Há inteira liberdade na especialidade e nos temas escolhidos pelos estudantes. Ali não há discriminação de sexo nem de idade. Basta querer frequentar. Revelações artísticas: Nêstes trabalhos são descobertos autênticas revelações artísticas. Jovens que nunca, anteriormente, haviam segurado um pincel ou cinzelador, demonstram seus pendores, em belos e perfeitos quadros ou esculturas. Encontram-se, nessa oportunidade, consigo mesmo, artisticamente falando. O interêsse pela escola tem sido grande, aumentando, dia a dia, o número dos que aproveitam sua folga para dedicar-se aos trabalhos. Orientação: A escolha da especialidade e dos temas, como já dissemos, é completamente livre. Os professores, sómente, durante a execução das obras, dão orientação técnica necessária, nunca, entretanto, no sentido de desviar a tendência artística, mas, unicamente, para aperfeiçoá-las. Trabalhos: Trabalhos dos mais diversos são executados na Escola. A pintura, por exemplo, parece ser a preferida pelos estudantes, uma vez que é bem grande o número dos que procuram no pincel e nas tintas dar expansão e materializar sua imaginação. Cerâmica: As obras de cerâmica são feitura excepcionalmente boa. Existem peças de grande valor artístico e de perfeição, em estilo primitivo tradicional e moderno, de muito bom gôsto. São executados pelos rapazes geralmente. Já as alunas preferem os desenhos em porcelana, por serviço mais delicado, e, por isso mesmo, de mais afinidade com o sexo. Os desenhos, igualmente, são representativos dos sonhos das meninas-moças: lindas paisagens, vestidos de baile, formosos rostos, etc., tudo que se relacione com os desejos das adolescentes. Estudo psicológico: por outro lado, vem sendo sentido um grande desenvolvimento no setor psicológico. Recebendo uma oportunidade de exteriorizar seus sentimentos, através da arte, o aluno adquire maior auto-confiança, possibilitando melhor aproveitamento em todo os setores do ensino. A arte, no caso, age como elementos de extravazamento de recalques e inibições, permitindo ao professor a leitura e o conhecimento do próprio ego e possibilitando uma mudança de orientação educacional casos que assim o exigirem. A experiência que está sendo feita no Colégio Estadual do

com o aspecto teórico. O conjunto de elementos, envolvendo o enunciado, a prática, e a figura dos objetos em cerâmica, convertem-se em uma forma de comunicação corrente sobre o trabalho da EACEP.

FIGURA 25 - INTERESSE E ENTUSIASMO SUSCITADOS EM ESCOLA DE ARTE

FONTE: Jornal Gazeta do Povo, Curitiba, 17 jun. 1958.

No texto escrito, surge novamente a questão da liberdade do estudante como princípio fundamental da metodologia:

A Escola de Arte é uma instituição, ao Colégio Estadual, de frequência facultativa, que funciona durante todo o período de aulas (...). Há inteira liberdade na especialidade e nos temas escolhidos pelos estudantes. Ali não há discriminação de sexo nem de idade. Basta querer frequentar (GAZETA DO POVO, 17/06/1958).

Contudo, o enunciado contradiz o dossiê, ao comentar a inexistência de discriminação dos sexos. Como visto anteriormente, basta percorrer as páginas do álbum de fotografias para perceber que, ao menos no período inicial, como reflexo

Paraná permitirá a seu corpo docente recolher preciosos elementos para o aperfeiçoamento dos

das políticas educacionais da época, havia sim, uma separação de meninos e meninas, ainda que os exercícios de pintura ou modelagem fossem os mesmos.

Sobre a produção dos educandos, especificamente os artefatos em cerâmica, o texto informa que “são feitura excepcionalmente boa. Existem peças de grande valor artístico e de perfeição, em estilo primitivo tradicional e moderno, de muito bom gôsto.” (GAZETA DO POVO, 17/06/1958).

Ao folhear o álbum, percebe-se que houve uma preocupação especial em registrar os procedimentos envolvendo a escultura. No conjunto, 34 fotografias mostram estudantes modelando ou pintando as peças, diferentes objetos em argila ou cerâmica, a organização das dependências onde ocorria as tarefas, e as exposições internas ou externas ao CEP. Essa preocupação se refletiu nos enunciados, nos quais o tema surge em 11 matérias.

Ilustrando a matéria da Gazeta, duas fotografias foram inseridas logo abaixo do título. Apesar de não constarem no álbum, elas também atribuem formas às principais atividades desenvolvidas. Na imagem superior um grupo de meninos realiza pintura em cavalete, enquanto na inferior, observa-se um conjunto de máscaras em cerâmica.

As imagens são reconhecidas como um duplo testemunho, produtor de referências visuais, independentemente do conhecimento de seu contexto de produção. No primeiro, surge o processo educativo em si, colocado em prática pela forma de apresentação dos meninos. As mãos levantadas, olhos atentos, pincéis em ação atrás dos cavaletes, podendo representar qualquer aula de pintura. Entretanto, sabe-se que se trata uma aula da EACEP nos anos 1950. Da mesma maneira, as máscaras simbolizam uma realização individual, antes mesmo de serem máscaras. Elas se tornam a força e o entendimento dos estudantes materializado nos objetos, cuja aparência, o espectador pode perceber e confirmar.

Por outro lado, o texto jornalístico que acompanha essas imagens, fornece a contextualização e a explicação necessária para que elas possam ser testemunhas dos processos. Esse aspecto precisa ser enfatizado pois a foto, ao apresentar somente a aparência do acontecimento registrado, deixou de lado outra importante informação que é a conjuntura de sua produção. Tornou-se necessário indicar que a imagem se refere à EACEP, podendo assim produzir o efeito de divulgação pretendido.

A localização privilegiada da Escolinha, instalada no maior colégio público do Paraná, poderia, por si só, atrair atenção para seus projetos. As ações que ali se desenvolviam, acabavam por referenciar outras atividades no restante das instituições educacionais, tanto públicas como privadas. De fato, a visualidade e os escritos a respeito da EACEP, podem ser considerados modos de comunicação que fixam territórios e paradigmas, e ao mesmo tempo, atestam as formas de seus processos educacionais.