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2 O INÍCIO DA ESCOLINHA: AÇÕES E CONTEXTOS

2.5 A INSTALAÇÃO DA ESCOLINHA

“Em 6 de junho de 1957, a direção do Colégio Estadual do Paraná, na pessoa do prof. Ulisses de Mello e Silva, sentiu a necessidade de promover atividades artísticas e recreativas extraclasse, entre elas organizou a escolinha de arte. Desde o seu início, a escolinha vem dando conhecimentos práticos e teóricos dos diferentes tipos de atividades artístico-criadoras e das várias técnicas destas atividades, que permitem ao educando: A) Educar-se através da atividade criadora; B) Contribuir para sua maior atuação nos estudos do tipo intelectivo, mediante a aquisição de hábitos que harmonizem o seu comportamento geral e, ao mesmo tempo auxiliem-no a adquirir um método de trabalho próprio. Não há turmas certas, nem escolha de alunos, pois a escolinha está sempre franqueada para o aluno que quiser ou necessitar trabalhar, isento de qualquer pagamento. É frequentada pelos alunos que, por qualquer eventualidade, estejam desocupados das aulas curriculares e durante o recreio.” (ESCOLINHA DE ARTE DO COLÉGIO ESTADUAL DO PARANÁ, s.d.).

A partir desse programa/manifesto não assinado, datilografado em uma folha de papel e posteriormente recortado e colado na segunda página do dossiê intitulado

Escolinha de Arte do Colégio Estadual do Paraná, inicia-se um retorno ao passado,

uma incursão aos primeiros anos do espaço homônimo. O documento apresenta personagens e situações registradas em imagens e textos jornalísticos, narrando um período de práticas da educação pela arte no estado.

O primeiro ponto a ser sublinhado no manifesto, refere-se à atribuição da iniciativa de implantação do espaço ao diretor Ulisses de Mello e Silva. Pelo tom da descrição surge a impressão de que a nova atividade teria ocorrido de forma inconsciente ou “natural”, até mesmo pela perícia ou solidariedade do diretor, que “sentiu necessidade” de prover ações artísticas extraclasse. Contudo, como indicado anteriormente, já existiam atividades de ensino de arte, fosse em anos anteriores, com o trabalho desenvolvido pelo professor Guido Viaro ou no próprio período da implantação da EACEP, pela professora Emma Koch. A nomeação do diretor como responsável e mentor, pode ser entendido dentro de uma dimensão social, que

abrange por um lado uma consideração política, buscando enaltecer sua personalidade, e por outro, a demarcação de uma estima que poderia visar a uma ampliação de relações e trocas de favores.

O segundo ponto, destaca a utilidade da EACEP para o jovem, o qual teria uma educação por meio da atividade criativa, contribuindo na harmonização de seu comportamento geral, definido pela aquisição de método próprio de trabalho. A supervalorização da criação autônoma e a independência de imposições reverbera os principais aspetos teóricos construídos pelo movimento da Escola Renovada. Nesse sentido, torna-se possível situar o trabalho da EACEP dentro de referências que na época já poderiam ser consideradas tradicionais para o ensino de arte, mesmo envolvendo abordagens de Cizek, Read, entre outros.

Por fim, a necessidade de indicar tanto nas primeiras como nas últimas linhas, que a EACEP se tratava de uma atividade artística e recreativa extraclasse, pode ser o indício de uma caracterização e especificação do espaço, e ao mesmo tempo, uma diferenciação das ações realizadas pelas outras professoras de arte, em especial a professora Koch. Ao afirmar que eram desenvolvidas atividades extracurriculares, poderiam se originar outras concepções e possibilidades daquelas praticadas.

A falta de um autor que assine o texto converte as informações em uma declaração impessoal. Ainda assim, a mensagem sintetizada será assumida pelos educadores, e se repetirá nas várias entrevistas e reportagens de revistas e jornais realizadas nos anos seguintes sobre a EACEP.

O caráter educacional e criativo da arte, a possibilidade de aprimoramento intelectual e comportamental, e principalmente, a liberdade de ação do estudante, tornaram-se afirmações que atravessaram as descrições sobre o trabalho realizado. A associação desses temas, surgirá de forma recorrente nos periódicos, quando estes buscarão explicar a função da EACEP. Por outro lado, verificou-se no capítulo anterior que tal enunciado não era característico ou exclusivo da EACEP, constituindo-se, na verdade, como uma continuidade de trabalhos já desenvolvidos e testados por outros professores.

Não obstante, foi sob esses princípios que em 6 de junho de 1957, a EACEP foi instituída pela professora Lenir Mehl de Almeida, sendo apoiada pelo diretor do Colégio, prof. Ulisses de Mello e Silva, personagem que esteve à frente da instituição entre 1956 e 1961. As primeiras aulas envolviam a prática de desenho,

pintura e modelagem em argila. Executadas no contraturno, fora do currículo oficial, as ações foram bem aceitas pelos estudantes.48

Restrita inicialmente a uma pequena sala no subsolo do CEP, o que antes era um espaço alternativo de atividades das Colônias de Férias, ou mesmo um depósito de materiais velhos, acabou se transformando em um ambiente de educação e criação artística. As salas ganharam cadeiras, mesas, armários, tornos para modelagem e diferentes materiais que respondiam pela execução de um tipo de educação. A definição de um local próprio e amplo também se configurou como um dos fatores relevantes para o sucesso da atividade, além de marcar profundamente a identidade da EACEP, resultando em seguida na ampliação do espaço. Logo no início, a demanda e a diversificação das atividades foram responsáveis pela incorporação de outras dependências adjacentes à sala inicial. A expansão demonstrou a relevância da proposta, além da capacidade de articulação política da professora Almeida, cujo empenho angariou aquilo que era considerado relevante no aperfeiçoamento das atividades.

Em seus primórdios, as diferentes salas da EACEP, os exercícios de pintura e modelagem dos estudantes, bem como os resultados de seu trabalho, exposições e outras ações, acabaram documentadas em um amplo conjunto de fotografias e reportagens que explicavam as atividades para a sociedade. Tais registros, representam modelos sobre as práticas efetivadas, bem como a expressão visual e conceitual, enriquecendo as percepções e acepções que eram buscadas pela EACEP.

Nesse sentido, em um manuscrito assinado pela professora Almeida, intitulado simplesmente Relatório,49 foram elencados diferentes temas que buscavam explicar

a rotina e a administração do espaço. Destaca-se o item 13, que estipula as “relações entre a Escolinha e a comunidade”, informando os canais de comunicação entre a proposta e a sociedade:

48 Segundo o site do CEP “ainda, na década de 50, devido ao sucesso dos trabalhos desenvolvidos, a Escolinha de Arte passou a ministrar também as aulas curriculares de arte em suas salas ambiente orientadas por professores especialistas nas áreas e modalidades.”

Disponível em: < http://www.cep.pr.gov.br/pagina-79.html > Acesso em 13/10/2018.

49 Relatório manuscrito e não datado localizado no Setor de Memória do CEP. Destaca-se a informalidade do documento, feito em um papel simples, de forma manual. Ainda que fosse uma atividade extraclasse, torna-se questionável os motivos pelos quais não surgiu, pelo menos nesse primeiro momento, uma documentação que oficializasse a EACEP. Mesmo havendo informações que atestam a ação, ou o tipo de ensino praticado, não ficou registrado um programa oficial de ensino, atividades ou metodologia aplicada.

O esclarecimento tem sido feito atravez (sic) de exposições, pela imprensa, cinema, visitas que a Escolinha recebe com frequência, reunião de professores de vários colégios, intercâmbio com escolas de outros países (Japão – Estados Unidos – Holanda – Alemanha). (ALMEIDA, s.d., não paginado).

Havia por parte da educadora a intenção, declarada textualmente, de divulgação de suas ações. Trabalhando “no maior Colégio da América Latina”, e com a possibilidade de registrar suas atividades educativas por meio da fotografia, a educadora pôde construir a representação da transformação de uma sala com pouca relevância, para um ambiente disputado pelos estudantes. Sua presença constante ao longo do álbum, bem como a primazia nas entrevistas e eventos revelam, também, uma afirmação de personalidade, tomando para si, depois do diretor, os méritos da ação que envolveu a educação pela arte.

Bissera e Costa (2016, p. 134), lembram que a imprensa contribui com subsídios para o estudo de “aspectos do cenário socioeconômico, político e cultural do período que se pretende pesquisar”, fornecendo também meios para a compreensão e definição de questões educacionais. Desse modo, a EACEP expressou o trabalho de um segmento social, que projetava modelos ideais de educação. De acordo com Machado Júnior (2011, p. 29):

As denominadas elites e camadas médias urbanas, cuja fotografia também teve uma proximidade com a forma sobre como imaginavam a si próprias, criaram representações que podem ser interpretadas como produtos que estiveram além da concepção simplista da imagem enquanto espelho de um real.

Posteriormente reunidas, as fotografias além de terem se tornado importante indício das atividades educacionais, contribuíram na formação de percepções a respeito das formas e conteúdos que expressam, visto que “a imagem da fotografia, como a da camera oscura, não é [...] natural, nem objetiva, nem neutra, mas cultural e herdeira de técnicas, de práticas e de teorias historicamente determinadas.” (SOULAGES, 2010, p. 86, grifo do autor).

O dossiê com esse material possui um recorte temporal que apresenta o início da EACEP em 1957, além de amostras dos fundamentos norteadores de uma concepção de educação ao longo dos seus primeiros anos. Apesar do ensino de Arte ter sido oficializado no Brasil somente em 1971 por meio da Lei nº 5.692, sua

prática era exercida no CEP antes mesmo da Escolinha de Arte da professora Almeida. Contudo, em meio às fotografias e reportagens, visualizou-se um determinado momento do CEP, no qual seus educadores consideraram as possibilidades da arte e sua relação com a educação para além das normatizações curriculares, bem como em um período anterior às normatizações federais.