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Capítulo 3: A Violência e a Criminalidade Urbana

3.1. A Mortalidade Violenta Juvenil

Antes de avançarmos, cabe apontarmos a inexistência de estatísticas integradas no país - coletadas em registros policiais dos crimes reportados, em pesquisas domiciliares de vitimização e em registros dos sistemas de saúde - que incorporem informações sobre a delinqüência, o crime e a violência urbana. Resta

aos pesquisadores do tema que buscam dimensionar o crescimento ou a diminuição da violência e da criminalidade no país, os dados nacionais89 do Sistema de Informações sobre Mortalidade divulgados pelo Ministério da Saúde – a única base de dados consistente que permite a avaliação da dinâmica criminal pelos estados da federação cobrindo um período de tempo relativamente longo, abrangendo as mortes por causas externas90 extraídas dos registros oficiais de óbito91 (Adorno, 2002a; Cardia et al., 2003; Waiselfisz e Athias, 2005). Com isso, os homicídios relacionados à delinqüência, ao crime organizado e a outros crimes urbanos dificilmente podem ser diferenciados (Adorno, 2002b).

Desde 1980, os homicídios com emprego de arma de fogo e os acidentes de trânsito se destacam como as principais causas de mortes entre os jovens no país. Se na década de 1980 as mortes por causas externas eram responsáveis por 52% das mortes ocorridas entre a população de 15 a 24 anos, em 2002 representavam 72% destas mortes, sendo o homicídio o principal responsável pelo aumento desses óbitos, sintetizando um novo padrão de mortalidade para a juventude brasileira (Waiselfisz e Athias, 2005). Assim, apesar do aumento da esperança de vida da população brasileira entre 1935 e 2000 (de 41 anos para

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A dificuldade de obtenção de dados sobre a mortalidade violenta, não apenas juvenil, é patente no Brasil. Em âmbito nacional, o único dado acessível é produzido pelo Ministério da Saúde que diz respeito ao homicídio como causa da morte. A Secretaria de Segurança Pública de cada estado da federação é responsável pela produção de dados sobre crimes – tanto os violentos que envolvem estupro, homicídios, seqüestro, o tráfico de drogas etc. como os não-violentos que não implicam ameaça à vida ou à integridade física, como furtos e o estelionato. No entanto, por não haver supervisão sistemática das estatísticas criminais, a qualidade dos dados varia muito segundo o estado e o período. O balanço final é uma enorme discrepância entre os dados produzidos pelo Ministério da Saúde e os produzidos pelas Secretarias Estaduais de Segurança Pública, o que leva à construção de cenários sociais distintos, dificultando o tratamento objetivo e preciso desta questão social, a despeito dos esforços que o poder público vem realizando. A categorização desses eventos é realizada de acordo com as necessidades das respectivas fontes oficiais: as agências policiais e o Ministério da Justiça categorizam os crimes de acordo com a natureza do crime; já o Ministério da Saúde de acordo com a causa da morte; já a Ouvidoria Policial de acordo com a queixa do público. A natureza da ação que leva a morte ou a agressão; ou a natureza do grupo responsável pelo homicídio (se organizado ou espontâneo, se temporário ou permanente) não é registrado nestas fontes (Cardia et al., 2003). Para mais informações a respeito da dificuldade do tratamento dos dados fornecidos pelas fontes oficiais, consultar Cardia et al. (2003) e Waiselfisz e Athias (2005).

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As mortes por causas externas envolvem outros tipos de mortes como acidentes, afogamento, queimadura, etc..

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O sub-registro dos atestados de óbito e a qualidade dos dados obtidos nos registros de óbito indicam a necessidade de aprimoramento dos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade divulgadas pelo Ministério da Saúde. Segundo Waiselfisz e Athias (2005, p. 19), “mortes sem assistência médica, por exemplo, impedem o apontamento correto das causas e lesões da morte; há, ainda, deficiências no preenchimento adequado da certidão, apenas para citar algumas causas”.

68,6 anos graças à redução da taxa de mortalidade da população com menos de cinco anos), parte destes ganhos foi anulada pelo aumento da mortalidade juvenil (Bercovich, 2004; Waiselfisz e Athias 2005).

É importante destacarmos que desde 2000 as taxas de homicídios no Estado de São Paulo, na RMSP e no município de São Paulo vêm decaindo, mas ainda continuam expressivas. Na RMSP, se entre 1993 e 2000 a taxa de óbito por homicídio para a população total (o número de homicídios a cada 100 mil habitantes) aumenta 53,3%, alcançando a marca de 66,4 homicídios para cada 100 mil habitantes em 1999. Entre 1999 e 2003 as taxas de homicídios apresentam uma redução de 23% (passou a ser de 51,1). Mas ao dividirmos a população entre os jovens e os não-jovens, observa-se a sobre-representação da população juvenil na RMSP. Entre os jovens, a taxa de homicídios que em 1993 era de 90,5 mortes a cada 100 mil habitantes, atinge um pico de 130 homicídios em 1999, decaindo a partir de então, atingindo uma taxa de 107,7 a cada 100 mil habitantes, sendo esta quase três vezes maior do que a observada na população não-jovem no ano de 2003 na RMSP92 (Waiselfisz e Athias 2005).

A razão para a redução dos índices de violência na RMSP e no Estado de São Paulo como um todo, não é consenso entre os especialistas que estudam o fenômeno. O que procuraremos destacar ao longo deste capítulo é a sobre- representação da população juvenil nas estatísticas sobre as taxas de homicídio na RMSP, indicando que a redução da taxa de mortalidade na RMSP (e em todo o Estado) deve ser relativizada frente o contraste da taxa de mortalidade juvenil de 107,7 homicídios a cada 100 mil habitantes, em 2003, com a taxa de homicídio para o total da população da RMSP que, no mesmo ano, era de 51,1 homicídios a cada 100 mil habitantes. A mortalidade de jovens do sexo masculino, na grande maioria negros e pardos, o surgimento do Primeiro Comando da Capital (o PCC) logo após do Massacre do Carandiru e as mais recentes rebeliões e ataques promovidos pela facção explicitam a realidade de um dos piores sistemas

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Entre a população não-jovem, a taxa de homicídios em 1993 era de 32,3, atingindo um pico em 2000 (47,4 homicídios a cada 100 mil homicídios) e a partir daí uma trajetória descendente (em 2003 era de 37,2 homicídios a cada 100 mil habitantes) (Waiselfisz e Athias 2005).

prisionais do mundo e a urgência da implementação de um plano nacional de segurança pública com a coordenação de interesses e de diferentes realidades. Aprofundaremos esta discussão mais adiante.

Gráfico 3.1 - Taxas de óbito por Homicídio na População Jovem e Não- Jovem. – RMSP, 1993 - 2003 10 40 70 100 130 160 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Anos a c a da 10 0 m il ha bi ta n te s População Jovem População Não Jovem

Fonte: Dados Waiselfisz e Athias (2005). Elaboração própria.

O Gráfico 4.2 apresenta o número de homicídios na RMSP em 2003 segundo o sexo e o grupo populacional (a população jovem e não-jovem, cuja idade é maior que 24 anos), sintetizando a sobre-representação do número de óbitos de jovens do sexo masculino recorrentemente apontada nas publicações dos especialistas em violência urbana no Brasil93.

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Entre eles Bercovich (2004), Cardia et al. (2003), Dellasoppa (2003), Soares (2002, 2006), Mesquita Neto (2001), Waiselfisz e Athias (2005), Zaluar (1994, 1998, 2002b).

Gráfico 3.2 – Número de Homicídios segundo Sexo e Grupos Populacionais – RMSP, 2003 1.505 96 2.170 154 0 500 1.000 1.500 2.000 2.500 Homens Mulheres Jovens Não- Jovens

Fonte: Waiselfisz e Athias (2005)

Ao gênero e à idade das principais vítimas, soma-se a raça como variável de destaque quando o assunto é violência urbana no Brasil. Segundo dados de Sposato et al. (2005), de toda a população jovem vitimada no Brasil, os negros são 75% mais vitimados do que os brancos da mesma faixa etária (cerca de 11 mil mortes contra 6,5 mil mortes de jovens brancos).

Tabela 3.1 - Mortalidade de Jovens de 15 a 24 anos de idade, segundo cor/raça. Brasil, Grandes Regiões

Branco Negro Branco Negro Branco Negro

Norte 124 923 575.143 1.598.436 21,6 57,7 Nordeste 347 3.146 2.929.730 7.325.361 12 43 Sudeste 4.510 6.029 8.434.340 5.385.520 54 112 Rio de Janeiro 951 2.160 1.453.289 1.034.785 65 208 São Paulo 3.178 2.732 4.936.634 2.136.161 64 128 Sul 1.299 348 3.777.552 849.438 34 41 Centroeste 312 862 1.045.741 1.363.026 29,8 63,2 Brasil 6.592 11.308 16.762.506 16.521.781 39 68

Fonte: Sposato et al. (2005)

Grandes Regiões

População

A população jovem figura não apenas como vítima, mas também como autora da violência urbana. Adorno (2002a) ao comparar os dados sobre os crimes praticados por adolescentes (indivíduos de 12 a 18 anos de idade) na cidade de São Paulo, entre 1989-1991 e 1993-1996 observa uma participação, no segundo período, de 1,3% de homicídios no total das infrações cometidas, não representando um aumento estatístico expressivo da participação deste tipo de crime nestes dois períodos. Segundo dados do Ilanud94, entre junho de 2000 e abril de 2001, dos 2.100 adolescentes acusados da prática de ato infracional na cidade de São Paulo, apenas 1,4% eram acusados da prática de homicídio e 48,7% eram acusados da prática de crimes patrimoniais como o roubo (34%) e o furto (14,7%), seguidos dos crimes de lesão corporal (7%), de tráfico de drogas (5 %) e de porte de drogas (5%).

No mesmo sentido, os índices oficiais da Coordenadoria de Análise e Planejamento da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (CAP/SSP-SP) presentes no relatório do Ilanud “A criminalização das drogas e a delinqüência juvenil”, apontam que de janeiro a outubro de 2003 os menores de 18 anos foram autores de 0,97% dos casos de homicídios dolosos em todo o Estado de São Paulo. Ao contrário do que o senso comum e a mídia brasileira vêm recorrentemente apontando, nos últimos anos, este número não vem oscilando significativamente: em 2002 o índice de adolescentes autores de homicídios era 0,9% e em 2001 0,8%. Mesmo este índice sendo reduzido, o homicídio representa a modalidade de crime que mais chama a atenção da sociedade, especialmente aqueles praticados com extrema violência.

Pelos dados do Censo Penitenciário de 2002 sabe-se que grande parte da população penitenciária do Estado de São Paulo é composta de condenados por crimes violentos: 64% por roubos, 14,8% por homicídios, 3% por estupro. Sendo que 54,6% dos presos têm idade entre 20 e 29 anos e 27,8% têm idade entre 20 e 24 anos (Sposato et al., 2005). Mas o que pouco se comenta é que nesta massa

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Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente

prisional existem presos ainda não-sentenciados, ou que já cumpriram suas penas e mesmo autores de crimes que não apresentam perigo à sociedade.

Mais do que a exposição dos dados sobre a criminalidade urbana que têm como principais agentes e vítimas um determinado perfil social – jovem, do sexo masculino, negro ou pardo e pobre -, se faz necessário apontar a complexidade das dinâmicas socioeconômicas que resultam nestes números. A seguir, ao abordarmos a emergência do crime organizado, procuraremos dar um passo a diante na compreensão do fenômeno da violência urbana, ao nos focarmos em outros aspectos que não a pobreza e a desigualdade social para a compreensão deste triste cenário.

3.2. O Crime Organizado: a Consolidação do Tráfico de Drogas e de