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As Forças de Mercado e as Decisões Ordem Pública no Desenho da “Cidade

Capítulo 4: A Desigualdade Urbana

4.1. As Forças de Mercado e as Decisões Ordem Pública no Desenho da “Cidade

A desigualdade explícita do uso do solo urbano é orquestrada pelos mecanismos de mercado fundiário e imobiliário e pela própria crise geral dos serviços sociais públicos: das políticas habitacionais, de transporte, de serviços de infra-estrutura, de atendimento de saúde, de educação e de lazer (Maricato, 1999,

2003; M. Santos, 2002; Rolnik, 1999; Torres et al. 2003; Véras, 1999 e 2001). São processos imbricados que se desenrolam em uma sociedade extremamente desigual e historicamente marcada pela privatização da esfera pública a favor de uma minoria, detentora de grande parte da renda e da riqueza do país, e que foram exacerbados nos últimos 26 anos, quando as baixas taxas de crescimento econômico, a ausência de mobilidade social e a desestruturação industrial acentuaram a desigualdade e a exclusão social no país.

Pautada pela lógica microeconômica de valorização da terra, a dinâmica do capital imobiliário busca “controlar as melhores localizações, especular com a terra desocupada e lucrar com mudanças na utilização das propriedades e suas redondezas”174. Estes mecanismos são capazes de alocar grupos sociais e atividades econômicas ao determinarem inflacionadas ofertas de uso e locação do solo, forçando os grupos sociais que não podem arcar com tais ofertas a migrarem para outras regiões não-valorizadas pelo capital.

O estreito mercado residencial privado do país ainda apresenta-se como uma expressão da “modernização” brasileira para poucos privilegiados, associado à cidade “legal”, que tem na produção habitacional “à margem da lei, sem financiamento público e sem o concurso de profissionais arquitetos e engenheiros”175 a sua contrapartida mais dramática. Nas áreas rejeitadas pelo mercado imobiliário privado e nas áreas públicas de regiões desvalorizadas uma parcela expressiva da população pobre das grandes metrópoles se instala. Na beira de córregos, em encostas dos morros, em terrenos sujeitos a enchentes ou outros tipos de riscos, em regiões poluídas e/ou em áreas de proteção ambiental - cuja desvalorização é definida pela vigência da legislação de proteção e pela ausência de fiscalização (Maricato, 2003).

“A população que aí se instala (em áreas de proteção ambiental ou demais áreas públicas) não compromete apenas os recursos que são fundamentais a todos os moradores da cidade, como é o caso dos mananciais de água. Mas ela se instala sem contar com qualquer serviço público ou obras de

174

Torres et al, 2003, p.101 175

infra-estrutura urbana. Em muitos casos, os problemas de drenagem, risco de vida por desmoronamentos, obstáculos à instalação de rede de água e

esgotos torna inviável ou extremamente cara a urbanização futura”176

Além dos problemas legais, os moradores destas áreas estão sujeitos aos riscos de acidentes naturais em função das características naturais do terreno (Rodrigues, 2005). Maricato (2003) continua:

“Quando a localização de uma terra ocupada por favelas é valorizada pelo mercado imobiliário, a lei se impõe. Lei de mercado, e não norma jurídica, determina o cumprimento da lei. Não é por outra razão que as áreas ambientalmente frágeis, objeto de legislação preservacionista, “sobram” para o assentamento residencial da população pobre. Nessas localizações, a lei impede a ocupação imobiliária: margens dos córregos, áreas de mangues, áreas de proteção ambiental, reservas. Mesmo quando se trata de áreas públicas, priorizadas nos assentamentos de favelas, sua proteção contra a ocupação depende de sua localização em relação aos bairros onde atua o

mercado imobiliário, legal, privado”177

A orientação de investimentos públicos de acordo com interesses privados, particularmente das empreiteiras e dos agentes do mercado imobiliário, contribuem para muitos dos processos excludentes. Revela “um histórico comprometimento com a captação da renda imobiliária gerada pelas obras (em geral, viárias), beneficiando grupos vinculados ao prefeito de plantão”178. Assim, através da gestão urbana o Estado atua “amplificando” ou mesmo produzindo desigualdades e a segregação espacial de maneira direta, reforçando sua histórica trajetória de atuação como mantenedor de privilégios de uma ínfima população detentora de grande parte da riqueza e renda deste país (Maricato, 1999, 2003; Rolnik, 1999; Torres et al., 2003; Véras, 1999, 2001; Villaça, 1999).

O que se observa é a localização da infra-estrutura urbana, principalmente o sistema viário voltado ao uso dos automóveis e/ou atendendo a região que concentra os bairros da classe dominante. Assim como a localização dos 176 Maricato, 2003, p. 158 177 Idem p. 159 178 Ibidem, p. 158

aparelhos do Estado subordinada aos interesses das classes dominantes, vide na cidade de São Paulo o número crescente de prédios de órgãos públicos que se transferiram para a região da Av. Paulista ou para a região que se localiza entre esta avenida e o rio Pinheiros. A legislação urbanística também é um instrumento do controle do Estado sobre o espaço urbano, sendo também deturpada pelos interesses urbanísticos da classe dominante179 (Villaça, 1999).

As periferias da RMSP retratam a falta de investimentos em habitação, em infra-estrutura pública urbana, em saúde, educação, etc. Uma opção política que torna quase inacessível às populações que moram nestas regiões os centros de poder, de justiça, de lazer e cultura, apenas para citar alguns equipamentos.

179

“A legislação visa predominantemente atender aos requisitos urbanísticos dos lotes, recuos, usos e até mesmo códigos de obras – desejados e viáveis pelas e para as camadas de mais alta renda. Invariavelmente, tal legislação coloca na clandestinidade, no mínimo, 60% dos bairros, ruas e edificações de nossas metrópoles. No tocante ao zoneamento, também é clara a tendência deste definir usos, recuos, gabaritos, etc., visando unicamente à paisagem dos bairros de alta renda e aos padrões de mercado que neles vigoram” (Villaça, 1999, p. 231).