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Algumas Considerações sobre a Dinâmica Interna das Escolas Públicas

Capítulo 2: Mercado de Trabalho Juvenil – Um Panorama da RMSP

2.4. A Qualidade Educação Básica e o Mercado de Trabalho

2.4.1. Algumas Considerações sobre a Dinâmica Interna das Escolas Públicas

Há um consenso entre os especialistas em educação básica de que a crise qualitativa do sistema educacional brasileiro vai além da questão da acessibilidade das instituições de ensino, da construção de mais escola, de mais salas de aula e de mais qualificação do magistério. Todas estas são condições necessárias, mas não suficientes para a superação do atual quadro de fracasso escolar brasileiro. É justamente neste ponto que os trabalhos de Dayrell (2003), de Madeira (1999) e de Sposito (1998) têm a acrescentar. Trabalhos voltados para a dinâmica interna da escola que destacam a importância de se “propiciar a possibilidade de outra convivência e de novos significados para um presente democrático no interior da vida escolar capaz de sinalizar algum valor positivo para crianças, adolescentes e jovens”63.

As escolas brasileiras, de uma maneira geral, pouco conhecem os jovens que as freqüentam – as suas visões de mundo, os seus desejos, o que fazem com o tempo livre, com quais expressões culturais se envolvem. Com a ampliação do acesso escolar às camadas populares e com a adoção do sistema de ciclos e progressão continuada, a diversidade sociocultural dos alunos vem sendo

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acentuada, exigindo uma flexibilidade a qual o atual sistema educacional não responde (Dayrell, 2003). A estrutura escolar e os projetos pedagógicos dominantes nas escolas não respondem também aos desafios postos a educação contemporânea, expostos anteriormente.

Madeira (1999), comparando informações relativas à opinião dos professores e das diretorias das escolas a respeito de jovens que combinavam escola e trabalho no início da década de 1980 com informações colhidas em 1997, observa que poucos avanços qualitativos foram observados. Nos anos 80, em uma escola particular de classe média intelectualizada, que oferecia cursos noturnos a situação era a seguinte:

“A equipe pedagógica, através da experiência acumulada de trabalho com adolescentes, defendia a idéia de que a única forma de garantir a adesão do jovem à escola e ao conteúdo da grade curricular era trabalhando a escola como um espaço privilegiado de sociabilidade, desenvolvendo com força o sentido da associação entre estar naquela escola e o “pertencimento” a um grupo, proposta sempre fundamental quando se trata do relacionamento com adolescentes e jovens. O aluno não podia ser um número, ele era alguém, de preferência identificado com algum dos diferentes grupos que se organizavam no colégio de acordo com interesses. Os grupos, segundo a equipe da escola, manifestavam-se externamente por um visual mais ou menos agressivo, mas o fundamental era entender o jovem, sobretudo quando ele era agressivo, pois, freqüentemente, o visual estava completamente descolado das características de personalidade do

adolescente”64.

Já em uma escola pública da Zona Sul de São Paulo onde a diretora pretendia extinguir os cursos noturnos a situação era bem diferente.

“A diretora relatou, com muita seriedade e a convicção de quem está cumprindo fielmente seu papel de servidora dos interesses do Estado, que estava extinguido o curso noturno porque os alunos que trabalhavam durante o dia não freqüentam a escola para aprender, para estudar. Eles não têm, o

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que segundo ela seria o “natural”, aquela responsabilidade de quem precisa ajudar a família; o que eles querem mesmo é se divertir – encontrar amigos, namorar, ouvir música e até, quem diria, ocupar a escola nos fins de semana para jogar basquete e organizar o time de futebol. Além disso, é claro, a escola estava sendo tomada por “elementos” perigosos, estes sempre

descritos pelo seu visual, pela forma de se vestir ou se comportar”65

Pelo conteúdo dos dois depoimentos, observa-se que é explicita a dificuldade que os professores e a direção da escola têm para compreender o jovem pobre. O que é considerado natural pela diretoria da escola em relação aos jovens de classe média é traduzido como desvio ou transgressão quando se trata de jovens pobres (Madeira, 1999). Uma contradição assentada no preconceito, construída sobre as expectativas de “como “deveria ser um jovem pobre ideal” ou “sobre como a mídia trata os jovens e suas famílias” do que a aproximação do que é o “jovem real” (...) É como se dissessem: sabemos tratar com adolescentes, mas pobres não têm direito à adolescência”66.

Esta forte contradição entre as duas situações se manteve ao longo dos 14 anos seguintes, a despeito da democratização do acesso ao ensino médio. Madeira (1999) aponta uma pesquisa realizada pelo Cenpec67 que buscava “conhecer melhor a distância que se estabelece entre o tipo de jovem que a escola pública supõe ser seu aluno e o jovem que de fato está lá”68. É interessante notar como os discursos dos professores coletados por esta pesquisa se sobrepõem aos discursos coletados por Dayrell69 (2003). Não se pode ignorar que aos 65 Madeira, 1999, p. 58 66 Madeira, 1999, p. 58 67

Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). 1999.

Pertencer: subjetividade, socialização e saber. São Paulo, v.3, (Coleção Jovens e Escola Pública).

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Cenpec, 1999 apud Madeira, 1999, p. 59 69

Na pesquisa realizada por Dayrell (2003) com professores da rede pública da cidade de São Paulo, estes descrevem e levantam vários aspectos negativos sobre os alunos. “Os jovens não têm limites, estão desiludidos, apáticos, não têm valores e responsabilidade. Não demonstram objetivos claros quanto à realização de suas potencialidades e são rebeldes, petulantes, atrevidos, acomodados, carentes e irreverentes (....) não respeitam regras e valores. Vivem sob a lei do mais forte, são preguiçosos, não se preocupam com os estudos, são imediatistas, desmotivados, despreocupados, desesperançosos e sem perspectivas de vida. Não tem noção do certo e do errado, banalizam a violência, estão presos a imagens, não aproveitam as oportunidades, são carentes, insatisfeitos, não têm rumo, utopias, sonhos” (Dayrell, 2003, p. 180). Enfim, nota-se um claro predomínio das representações negativas e preconceituosas em relação à juventude que não

professores, as dificuldades institucionais (de péssima remuneração, de condições de trabalho nas escolas, etc.) presentes em suas rotinas escolares tendem a fragilizar a relação destes com os alunos, acentuando a tensão e os conflitos entre esses atores. Muitas vezes, alunos de faixa etária e de origem social distintas da do professor que se apresentam com “comportamentos e valores pertencentes a um mundo adulto e juvenil diferente do seu”70.

“Os educadores têm dificuldades de perceber o que os jovens são, o que eles fazem e o que pensam: aparecem como sujeitos vazios ou problemáticos (...) se o processo educativo é essencialmente uma relação, como é possível educar se o Outro é visto na sua negatividade? Essa realidade torna-se ainda mais preocupante quando se constata que esta postura não é apenas da escola, mas também de outras instituições do mundo adulto, como o trabalho. (...) que espaços e situações a juventude tem encontrado para dialogar com o mundo adulto, para aprofundar a compreensão de si mesmo e da sociedade e para definir seus projetos de vida?”71.

As mudanças no perfil dos alunos do ensino básico, com realidades e culturas diferentes é uma realidade que ainda não foi assimilada pelo sistema educacional como um todo (com exceção de algumas experiências educacionais isoladas), o que se apresenta como uma verdadeira barreira à conquista da educação com qualidade. Pode-se responsabilizar assim, não de maneira exclusiva, as características do próprio sistema educacional básico pelas deficiências escolares cuja superação é complexa, mas necessária. Uma complexidade que responde pela necessidade de “enfrentar o corporativismo, os privilégios, os preconceitos, além de mexer com a auto-estima de professores e o cotidiano das famílias”72.

Como bem aponta Madeira e Rodrigues (1998), este é um argumento bem diferente daquele que tem a questão do trabalho infanto-juvenil como objeto de apenas dificulta o diálogo entre professores e alunos, como alimenta a desmotivação e o desinteresse dos jovens com a escola.

70 Madeira, 1999, p. 60 71 Dayrell, 2003, p. 106 72 Madeira e Rodrigues, 1998, p. 449

análise para justificar o “fracasso escolar". Dois fenômenos independentes, cujas origens e dinâmicas são diferentes, mas que estão presentes no cotidiano de grande parte das crianças e os jovens pobres que freqüentam a escola pública.