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Capítulo 3: A Violência e a Criminalidade Urbana

3.4. Os Limites do Sistema de Justiça Criminal

3.4.4. O sistema prisional

As prisões brasileiras hoje estão superlotadas. Entre os presos há uma sobre-representação de negros e pardos e de jovens refletindo as condutas policiais e as sanções penais que alcançam, preferencialmente, esta população.

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A baixa escolarização dos delinqüentes é apontada por Adorno (1996), não porque sejam criminosos, mas porque o nível de escolaridade média da população urbana é baixo.

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Ramos, 2001, p. 38-39 157

O estado de São Paulo concentra 40% dos presos do país, cerca de 125 mil presos, distribuídos em 144 unidades prisionais sobre responsabilidade da Secretaria de Administração Penitenciária e 17.700 sob responsabilidade dos distritos policiais (SAP, 2006). Mesmo com a construção de muitos estabelecimentos prisionais nos anos 90, em 2006 o déficit do sistema penitenciário paulista ainda é expressivo, cerca de 49 mil vagas (Macaulay, 2006).

Tabela 3.3.

População Carcerária e o Número de Funcionários nos Presídios, ESP

1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

População

carcerária 31.842 31.993 33.777 36.624 42.134 53.117 59.867 67.649 83.033 99.026 109.163 121.408 125.523

Funcionários 14.702 14.152 13.598 13.229 17.734 18.528 19.923 20.012 22.535 23.881 24.072 24.999 25.172

Fonte: Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo

Cabe notar que não apenas os investimentos em segurança pública se concentraram na construção de novos presídios como, infelizmente, os benefícios previstos na Lei de Execução Penal não acompanharam a expansão do número de presídios. Segundo essa lei, nos estabelecimentos prisionais se faz necessário a provisão de serviços e assistência médica e jurídica158 da instituição para que os indivíduos que cometeram crimes, foram julgados, sentenciados e estão sob a tutela do Estado, cumpram suas penas – que é a da restrição da liberdade e não inclui a tortura, os maus-tratos e violência por outros detentos e pelos funcionários. Uma pena voltada para a ressocialização dos presos que, para ter alguma possibilidade de se concretizar, exige a garantia de assistência médica, jurídica, de trabalho e estudo para os presos por parte do Estado.

Do total de presos no Brasil, 32% são provisórios e 68% condenados. O mais grave é que milhares de presos condenados cumprem suas penas em delegacias ou cadeias públicas, desrespeitando a Lei de Execução Penal. Cerca

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Com a criação da mais recente Defensoria Pública no país no Estado de São Paulo voltada também para a prestação de assistência jurídica gratuita ao preso poder-se-ia esperar que os presos condenados poderiam ser informados sobre a duração da pena e as condições de sua execução (que podem incluir a progressão de regime penitenciário, o livramento condicional e a remição de penas pelo trabalho) (Gonçalves, 2006).

de 11% dos presos estudam e menos da metade trabalha159, “contrariando” a legislação que determina que todos os presos trabalhem (Lemgruber, 2002). O caos penitenciário sintetiza mais uma faceta da crise do Estado brasileiro.

Se a curto prazo a construção de novas prisões se faz necessária, em uma perspectiva de médio e longo prazo esta proposta não mais deveria figurar entre as prioridades na política de segurança pública, tomando o exemplo norte- americano, ou melhor, de suas pesquisas já mencionadas anteriormente que alimentam o debate sobre a ineficácia do aumento das taxas de encarceramento sobre a redução das taxas de criminalidade.

Um outro ponto a ser mencionado sobre a crise do sistema prisional não diz respeito apenas a superlotação dos estabelecimentos prisionais. Enquanto a população carcerária praticamente quadruplicou no Brasil, o número de funcionários dos estabelecimentos prisionais não acompanhou esta tendência. Os funcionários que em 1982 eram 14 mil, passaram a ser 25 mil em 2006, evidenciando uma clara ausência de uma mão-de-obra para lidar de forma adequada com os presos, sendo também mal remunerada (Tabela 3.2).

“(...) a existência de um Estado de Direito exige que o Estado seja forte, não no sentido de violento, mas que seja capaz de impor o interesse público sobre o dos grupos privados, da presidência da República à delegacia de polícia”160

Segundo dados do Censo Penitenciário de 2002, a população penitenciária do Estado de São Paulo é composta, em grande parte, por condenados por crimes violentos (64% por roubos, 14,8% por homicídios, 3% por estupro). Ao lado do tráfico de drogas, a condenação destes crimes importa o cumprimento de pena em regime fechado (Sposato et al., 2005). Mas um ponto importante levantado por Macaulay (2006) e outros especialistas é a política vigente de aprisionamento dos criminosos primários ou não-violentos, aos quais as penas alternativas à prisão seriam mais apropriadas, assim como dos usuários de drogas ou de indivíduos

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A cada três dias trabalhados, um dia da pena é descontado. 160

envolvidos em disputas de pensão alimentícia, por exemplo, atualmente tratados na esfera criminal e não civil.

A compensação à vítima pelo dano causado, a perda de bens e de valores, a prestação de serviços à comunidade, entre outras, figuram na legislação brasileira como penas alternativas à prisão que podem ser utilizadas por juízes quando o crime em questão não for violento e o réu for primário. Mas infelizmente são alternativas pouco utilizadas pelos juízes, especialmente no estado de São Paulo. As penas alternativas não apenas custam menos ao Estado do que as penas prisionais, como proporcionam outros benefícios como a integração do infrator ao invés da exclusão, permitindo que este desenvolva atividades remuneradas, sustentando a si mesmo e a sua família (Lemgruber, 2002).

Ao lado da insistência nas penas de prisão para infratores de baixa periculosidade, a superlotação carcerária, o estado lamentável das unidades prisionais, o déficit de funcionários e a ineficiência na identificação dos criminosos mais perigosos (os verdadeiros responsáveis pela distribuição de drogas no país, por exemplo) são apontados por Zaluar (1994) e Macaulay (2006) como fatores que fortalecem a estrutura do crime organizado e reforçam o “comportamento desviante da punição”. A prisão ao invés de propiciar a volta do indivíduo após ter cumprido sua pena à sociedade, atua como um excelente centro de recrutamento e de formação dos novos quadros do crime organizado. Jovens que poderiam se regenerar convivem com bandidos cuja carreira de crimes é extensa e não lhes permite voltar atrás. A lógica da reincidência (a taxa de reincidência161 é muito elevada no estado de São Paulo, cerca de 60%, segundo dados da Revista Caros Amigos (2006)) e do crime organizado frente à fragilidade do Estado brasileiro atual agravam, ainda mais, a conjuntura das instituições ligadas às leis.

Segundo Rolim162, consultor da área de segurança pública, São Paulo foi o estado brasileiro que mais seguiu a risca a receita de uma atuação policial mais

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Esta taxa diz respeito ao número de criminosos que voltam a delinqüir, em relação ao número dos indivíduos que foram presos e processados em um intervalo de tempo de três anos a partir da data de sua soltura (Macaulay, 2006).

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Em entrevista ao Jornal Folha de São Paulo, em 21 de maio de 2006, logo após a onda de ataques do PCC à cidade de São Paulo e outras do interior paulista. Caderno Mais!

dura, de leis penais mais severas, de construção de mais presídios e de endurecimento do tratamento dos condenados nas prisões. Mas foi uma seqüência de rigor que produziu mais violência, sendo na sua opinião, o que gerou o PCC.

“A sedução dos encarcerados se dá pela esperança que o PCC suscita de lhes dar proteção e assistência, fundamentada na certeza de que, ao fazer parte da corporação e aceitar suas regras, estará seguro para cumprir a pena sem sobressaltos, apesar dos péssimos serviços oferecidos aos detentos pelos órgãos penitenciários – da superlotação nos presídios à insuficiente assistência jurídica, da precariedade das instalações físicas à falta de auxílio às famílias dos condenados (...) A construção dessa sociedade criminosa foi inspirada nos valores da opressão e violência. Primeiro, assumiu o papel do Estado no sistema: acabou com o estupro e agressões entre os presos, regulamentou o comportamento, incutiu novas regras que todos devem seguir para manter a paz entre seus correligionários, normas, aliás, monitoradas por um exército de criminosos cujas funções específicas de cada um, estão claramente definidas dentro de

uma hierarquia militar”163.

Pela força, o PCC se impôs como a organização criminosa mais temida nos cárceres paulistas. As contribuições à facção que antes eram para ajudar os “presos pobres”, hoje financia armamentos pesados, o tráfico de drogas e outras atividades ilícitas. O dinheiro se sobrepôs à bandeira da solidariedade entre os presos. O acerto de contas entre seus integrantes se dá, uma vez autorizado pelos chefes da facção, pela pena de morte (Revista Caros Amigos, 2006). O ápice do número de suicídios dentro das prisões paulistas, entre 2003 e 2004, parece corroborar com esta conturbada realidade, uma vez que muitos presos parecem “preferir” “morrer como homens (suicidando-se) do que como vermes retalhados por estiletes, após horas de sofrimento”164.

163

Depoimento de Márcio Sérgio Christino, do extinto órgão da promotoria de Justiça, o Serviços Auxiliares e de Informação, à Revista Caros Amigos (2006, p. 8).

164

A crise do Estado brasileiro instaurou assim um quadro bastante peculiar no sistema prisional: ao invés das prisões brasileiras desmantelarem o crime, é de lá que partem o comando para eles. O depoimento de um preso à Revista Caros Amigos (2006) sintetiza bem o caos que se instaurou no sistema prisional paulista com o fortalecimento do PCC:

“Esse sistema maldito onde nos jogam só serve como escola de graduação criminal. Colocam meninos de 18 anos, às vezes quase inocentes, que praticaram crimes leves (como os vendedores de CDs piratas) e os misturam com criminosos da pesada. Passam a conviver com as facções organizadas. O garoto convive, admira, aprende e, tempos depois, já está assaltando a mão armada. Um dia ele chega a professor. Estará recepcionando e reconhecendo futuros discípulos (...) eles não se limitam a dizer, como professores do 15.3.3., que ‘o bagulho é cadeia’. Esses monstros, sob a bandeira nefasta de oferecer proteção, organizam uma engenhoca de produzir criminosos lamentáveis. Depois batem no peito para dizer que, depois deles, o sistema está moralizado. O que eles conseguiram foi se organizar para bradarem: ‘a cadeia é nossa, quem manda somos nós’. Do lado de fora, bem, o lado de fora é muito longe. E ninguém é culpado do que

não vê”165

Não apenas no Brasil, mas em todas as sociedades onde prevalece uma grande disparidade de distribuição de renda e riqueza observa-se uma divisão entre os cidadãos de “primeira classe” - os sujeitos plenos de direitos - e os cidadãos de “segunda classe”, vistos como ameaças aos detentores da maioria dos recursos. Nestas sociedades a resposta do poder público ao problema da criminalidade e da violência não se concretiza pelo equacionamento da questão social, da melhoria da qualidade da formação dos policiais, do Ministério Público e do Judiciário (Vieira, 1999). No país, a resposta do poder público, de uma maneira geral, ainda se concretiza pelo uso repressivo das forças policiais e pelo arbítrio no uso das leis, expressando, como vimos ao longo deste capítulo, um perverso e ineficiente método de “controle” social. Os trabalhos de pesquisadores do tema agregam importantes informações e idéias criativas para o enfrentamento da

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questão reconhecendo, de uma maneira geral, a complexidade da questão da criminalidade violenta e reafirmando a necessidade de prevenção socioeconômica paralelamente às modificações no sistema de justiça criminal desassociado do tripé polícia- justiça- prisão e voltado às ações preventivas.