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Anexo I – Projeto 1 Imagens Utilizadas

2 CONSIDERAÇÕES ESSENCIAIS

2.2 MORTE – VIDA: INCÔMODA COEXISTENCIA

2.2.1 A morte na cultura ocidental

O homem sempre lutou contra a morte por considerar-se imortal e segundo Philipe Ariès (2017, p. 96) a partir da Idade Média, o Ocidente passou a considerar a morte um acontecimento fora do comum e por isso foge dela. O filósofo Michel Serres (2003, p. 213) explica a origem do paganismo e sua forma de agir, pensar e sentir. Segundo ele, na Antiguidade Greco-Romana costumava-se enterrar o ancestral ou ente querido que morria no pagus (campo de lavoura), nas terras da família, assegurando que fosse um local dos ritos realizados por essa família. Enterrar seus entes queridos tornava a terra sagrada e ao devolver à terra, os corpos dos ancestrais tornavam-se sagrados também, já que acreditavam que o homem nascia da terra. Por esse motivo tinham os túmulos ao lado das casas, pois entendiam morte e vida como intimamente ligadas.

Com o Cristianismo, um novo conceito foi introduzido: a vida como algo sagrado, um dom concedido por Deus e que deveria ser preservado. Com a celebração da Ressurreição de Cristo, muda-se a maneira de perceber a morte, pregando-se que essa seja esquecida e que se viva já que a morte seria apenas uma passagem para a vida verdadeira (vida eterna). Porém, é na modernidade que se apresenta vida e morte como opostos, reforça-se dualismos já existentes, como bem e mal e cria-se novos como homem e mundo, alma e corpo (SERRES,2003, p. 214).

Juan Luis de León Azcárate, diz, na introdução de La Muerte y su imaginário

em la Historia de las religiones (2000, p. 13) que desde que o homem alcançou a

capacidade de refletir sobre si mesmo, não existe uma cultura ou período histórico em que a morte não tenha sido uma fonte de reflexão e até de inspiração. A Morte irremediável e um destino obscuro por trás dela, povoou o imaginário e suscitou questionamentos que levaram o homem, através das várias religiões, a buscar, descobrir ou criar em torno de uma rica imaginação que serviu para esclarecer, ou pelo menos tentar esclarecer, o significado da Vida e da Morte.

Como modo de expressar sua interpretação, o homem elaborou inúmeras alegorias, representando seus pensamentos e ideias sob forma figurada, sendo, a caveira, o elemento mais recorrente. Porém, independente, da alegoria onde está presente, a caveira é o símbolo da morte, que representa uma forma de o homem pensar a sua existência, e as ideias e os conceitos a respeito dela foram se alterando com o passar dos séculos (WITECK, 2012, p. 20). Seus significados variam de cultura para cultura, banal para umas e aterradora para outras, mas, à medida que o homem percebeu que a morte é inevitável, se tornou mais sensível e começou a buscar meios de burlá-la, passando a deixar vestígios da sua existência, como monumentos, sepulcros, esculturas, ritos. Esse é o modo que encontrou de manter sua Imortalidade (MARTON, 2015, p.4).

Deve-se lembrar, porém, que a figura da caveira como representação da finitude humana e fugacidade da vida, não surgiu na Idade Média. Desde a pré-história até os dias atuais, a caveira serve como dispositivo de memória, primeiro como forma de recordação dos que morreram e, posteriormente, como representação da finitude humana e fugacidade da vida (WITECK, 2012, p. 20).

Nessa busca pela Imortalidade, a morte foi representada em inúmeras fases da existência humana. O homem fez uso da figura do esqueleto e da caveira como representação da finitude humana e fugacidade da vida, desde que se reconheceu como indivíduo. O fascínio que a caveira exerce sobre o homem produziu uma iconografia muito rica, não só na Europa, como no Oriente e Mesoamérica, com inúmeras perspectivas culturais (LEITE, 2012, p. 19), onde podemos citar os crânios modelados encontrados em Jericó (Figura 11), e a obra do pintor mexicano Diego Rivera (Figura 12).

Figura 11 – A caveira original (Homem de Jericó ou Crânio de Jericó) (Período Neolítico), crânio remodelado coberto por gesso e conchas

Fonte: (Brisith Museum, 2017)

Figura 12 – Diego Rivera - Detalhe do mural Sonho de um domingo à tarde da

alameda (1947)

Fonte: (GUZMÁN. 1947-1949)

Começando na pré-história, com os crânios remodelados, passando pelos povos antigos, como Gregos e Romanos, foi na Idade Média, a partir do Atlas de Anatomia de Vesalius, que o simbolismo da caveira ganhou força, principalmente com as Vanitas, voltando a tomar fôlego a partir do Romantismo e movimentos de vanguarda, e chegando à arte contemporânea (WITECK, 2012, p. 20). Uma das peças mais conhecidas das grandes civilizações europeias da Antiguidade é um mosaico de Pompéia do século I d.C. (Figura 13), que foi apresentado na exposição C’est La Vie!

Vanités de Caravage à Damien Hirst, em 2010, no Museu Maillol, em Paris (CULTURA

IPSILON, 2010, 2-3). O mosaico policromado, com a representação de uma caveira ladeada por roupas de pobres e ricos, a roda da fortuna e um esquadro que representa a justa medida, é uma alegoria que traz o lema estoico, Memento mori, do latim, traduzido por lembra-te que vais morrer.

Figura 13 – Memento mori – Mosaico de Pompéia do século I d.C., Museu Arqueológico Nacional de Nápoles

Fonte: (MUSSET. 2014)

A partir da expansão do Cristianismo no Ocidente, a iconografia macabra tomou força, e nela os ossos, em especial a caveira, é um lembrete da inevitabilidade da morte, assim como da finitude e transitoriedade humana, sendo o tema tornado ainda mais popular pelas guerras e a peste negra. A Morte, é então, abordada pelas representações e alegorias da Gisants e Transis, Dança Macabra, Triunfo da Morte,

Ars Moriendi, e Vanitas. Com exceção das Ars Moriendi, o crânio, a caveira, é o

elemento recorrente, como personificação da Morte, com os inúmeros significados que carrega, sendo que, de certa maneira, todas têm significado de Memento Mori ou

Carpe Diem (aproveita o momento) (LEITE, 2012, p. 19). Ainda podem ser citados,

outros temas e gêneros análogos onde a Morte está presente, como O Juízo Final e Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse (LEITE, 2012, p. 22).

A Dança Macabra é citada por Umberto Eco (2014, p 67), como uma forma popular de celebração da morte, que surgiu como uma forma de amenizar o terror da espera difundido nas pregações, uma maneira de exorcizar o medo e ficar mais próximo do momento final. Frequentemente reproduzida em gravuras, em especial

nas xilogravuras de Hans Holbein (1523-1526) (Figura 14), a Dança Macabra apresenta pessoas de todas as classes sociais, juntas, guiadas por esqueletos celebrando a decadência da vida e o nivelamento de qualquer tipo de diferenças, numa espécie de memento mori.

As Vanitas, interpretadas como Vaidades, são baseadas no versículo Eclesiastes 12:8, do Antigo Testamento da Bíblia, “Vaidade de vaidades, diz o pregador, tudo é vaidade” (BIBLIA, 1993, p. 825). São representações da Morte, presentes em um gênero de pintura associada à natureza morta, e foram tema recorrente na arte, durante o período Barroco em especial, tendo provável início como gênero independente no norte da Europa e dos Países Baixos, nos séculos XVI e XVII. Aqui, a caveira é o elemento mais frequente, representando a efemeridade da vida e a inevitabilidade da finitude. Nas Vanitas (Figura 15), em especial, as caveiras eram representadas com outros elementos simbólicos, que também referiam a passagem do tempo e a fugacidade da vida, como velas, ampulhetas, relógios, flores, frutas. Outros objetos, que podemos citar, são os elementos de representação da vida terrena espiritual, como livros, escrituras, e da vida terrena materialista como armas, joias e espelhos (WITECK, 2012, p. 27).

Figura 14 – Hans Holbein - A Dança Macabra-Dama Recém-casada (1523-1526), Xilogravura

Figura 15 – Pieter Claesz - Vanitas (1625), pintura a óleo, Frans Hals Museum

Fonte: (LEITE. 2015)

A caveira também foi associada ao profano, como na gravura de Hans Sebald Beham (Figura 16), como alegoria dos prazeres mundanos, dando ênfase aos gozos humanos. Algumas representações do tema “A Morte e a Donzela” atravessou séculos, passando por diversas leituras, como por exemplo na gravura de Edward Munch (Figura 17) (LEITE, 2012, p. 33).

Figura 16 – Hans Sebald Beham – A morte e seu par indecente (1529), gravura, Museu Britânico

Figura 17 – Edward Munch - A morte e a donzela (entre 1894-1902), gravura em metal, Familia Epstein, Munch Museum

Fonte: (FINE ARTS PRINT ON DEMAND. 2017)

Pode-se considerar o Barroco como o auge das Vanitas e do uso da caveira nas representações da morte e da efemeridade humana. Após esse período, perdeu parte de seu brilho assim como o sentido, acompanhando o processo de secularização da arte (processo através do qual a religião perde a sua influência sobre as variadas esferas da vida social). Caveiras e esqueletos voltam a ganhar força a partir do Romantismo, e posteriormente com movimentos artísticos de vanguarda como o Expressionismo (CULTURA IPSILON, 2010, 3-5).

O Expressionismo Alemão surgiu após a I Guerra Mundial, e os artistas pertencentes a esse movimento buscavam a representação interior humana, suas angústias, sonhos e fantasias. Considerado sombrio e pessimista, tornou-se a estética perfeita para a realidade do entre guerras, onde a morte despertou sentimentos de horror, derrota e desespero, remontando, nas devidas proporções, ao assolamento sofrido na Europa durante a Peste Negra e as guerras, durante a Idade Média. Alguns artistas desse movimento foram voluntários de guerra, entre eles Otto Dix, que representou em gravuras, através da figura do esqueleto, os horrores dos campos de batalha. Através da caveira, com seu sorriso permanente, sintetizou a fragilidade e

finitude humanas. Produziu uma série intitulada A Guerra, composta de dez gravuras em metal (Figura 18) (LEITE, 2012, p. 55).

Figura 18 – Otto Dix - Tote in der Nähe der Verteidigungsposition Tahure (1924), da série A Guerra (Krieg), gravura em metal

Fonte: (DEMING. 2017)

Neste movimento podemos citar Alfred Kubin, sendo, a caveira, em seu trabalho, uma presença constante em suas fantasias obscuras, espectrais e simbólicas e na temática frequente da Guerra, muitas vezes tendo a morte representada com ironia, como em O Final das Guerras (Figura 19), onde a morte, vencedora, descansa tranquilamente com seu eterno sorriso (LEITE, 2012, p. 56).

Figura 19 – Alfred Kubin – Das Ende des Krieges (1920), nanquim e aquarela

O brasileiro Oswaldo Goeldi também fazia uso da caveira em suas obras. Goeldi serviu na Suíça durante a Primeira Guerra, podendo presenciar o desprezo pela vida das pessoas, um dos aspectos mais melancólicos da Guerra, e esse contato foi determinante na produção do artista, onde a violência e o horror apareceram posteriormente (LEITE, 2012, p. 55). O contato com Kubin, também foi determinante na maneira como Goeldi representava suas angustias e seus esqueletos e caveiras, frequentemente inseridos nas cidades, nas ruas. Sua morte é mais humanizada e atemporal, inserida no contexto no qual o artista vive. Ele retrata a solidão de indivíduos que vagam um tanto sem destino, perseguidos pelo destino de todos: vida e morte e, independentemente de como são apresentadas, a Morte é inerente a ambas, tem elementos que não podem ser ignorados e o principal deles é a sua inevitabilidade (ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL, 2017, s/p) (Figura 20).

Figura 20 – Oswaldo Goeldi – Grã-Finos, s/d, nanquim sobre papel.

Fonte: (FONSECA. 2012)

Andy Warhol quando produziu sua série, Skulls (Figura 21), em 1976, declarou que “A morte pode realmente fazer de si uma estrela” e, das representações tradicionais, passamos a ver o tema original apresentado de maneira pouco ou nada ortodoxa (CULTURA IPSILON 2010, p.5).

Figura 21 – Andy Warhol - Skulls (1976), Tate, serigrafia.

Fonte: (TATE. 2017)

Em 2010, no Museu Maillol, em Paris, aconteceu a exposição C’est La Vie!

Vanités de Caravage à Damien Hirst, que reuniu 160 obras entre fotografias, pinturas,

esculturas, vídeos e ourivesarias. Sua expografia foi concebida de maneira não- cronológica, com um evidente enfoque na atualidade, nas chamadas Vanitas Contemporâneas, e depois fazia o percurso pela história da arte, no sentido inverso (CULTURA ÍPSILON, 2010, 5-6). Os visitantes eram recepcionados pela frase

Memento Mori (Lembre-se de que vai morrer), e entravam em contato com uma nova

perspectiva da morte, o que passou foi um processo de dessacralização e virou espetáculo, sensação. Nessa exposição podemos ver, entre outras, as obras Diamond Skull (For the love of God) (Figura 22) de Damien Hirst e C.B.1 (Figura 23), de Subodh Gupta, que embora muito diferentes, fazem uso da mesma estratégia de causar furor, provocar as mais variadas reações (CULTURA ÍPSILON, 2010,p. 6-7).

Figuras 22 e 23 – Damien Hirst - Diamond Skull (For the love of God) (2007) e Subodh Gupta - C.B.1 (2009)

Fontes: (HIRST. 2007) / (CYCLUS. 2017)