• Nenhum resultado encontrado

A morte nas culturas pré-hispânicas – o prolongamento da vida

Anexo I – Projeto 1 Imagens Utilizadas

2 CONSIDERAÇÕES ESSENCIAIS

2.2 MORTE – VIDA: INCÔMODA COEXISTENCIA

2.2.2 A morte nas culturas pré-hispânicas – o prolongamento da vida

Para compreender a religiosidade e a visão do mexicano atual a respeito da Morte, é necessário conhecer os elementos provenientes de sua ancestralidade pré- hispânica, ou pré-Cortez. Octávio Paz (2014, p. 91) e Rafael Villassenor e Maria Helena Villas boas Concone (2012, p. 39), explicam que vários povos compuseram a população da Mesoamérica, Maias, Nahuas, Purepechas, Totonacas, Toltecas, Nāhuatl ou Mexicas ou Astecas, como os conhecemos atualmente, e tantos outros, todos eles impregnados de religião e com elementos em comum como agricultura, sacrifícios humanos, e mitos solares, que teriam origem ao sul, sendo assimiladas pelas imigrações vindas do norte. Paz (2014, p. 91) cita que, dentre esses imigrantes, destacaram-se como conquistadores, os Astecas, últimos a se estabelecer no Vale do México e que, pela similaridade das cerimonias e ritos de sua religião com a dos povos dominados, promovia uma unificação, não somente religiosa, mas também política, já que se tratava de uma sociedade teocrática. Eram politeístas e tinham, nos deuses, a base do ciclo da natureza.

A religião e o destino regiam suas vidas, por isso tinham práticas adivinhatórias para tentar entender as vontades dos deuses e não acreditavam ser “sua vida, no sentido cristão da palavra” (PAZ, 2014, p. 56), assim como sua morte também não

lhes pertencia, por isso, os sacrifícios tinham sentido impessoal. Também acreditavam que não eram responsáveis por seus atos.

Ao contrário dos cristãos, os mesoamericanos não viam morte e vida como opostos mas como a morte sendo um prolongamento da vida e vice versa, sendo elas “as duas faces da mesma realidade”(PAZ, 2014, p. 57). Segundo Paz (2014, p. 55 e 260), através dos sacrifícios, chegavam ao ato criador, pagando a dívida com os deuses e alimentavam a vida cósmica e social, mantendo o Sol em movimento através do alimento sagrado, com o sangue oferecido, por isso esses sacrifícios eram renovados de tempos em tempos, fazendo parte do calendário ritual. Vida e Morte faziam parte de um ciclo infinito, onde a Vida se alimenta constantemente da Morte, sem jamais ficar saciada e, esse ciclo permitia que a morte fosse vista como uma maneira de participar da regeneração constante das forças criadoras, servindo o sangue de alimento sagrado, impedindo que essas forças desaparecessem.

Paz (2014, p. 95), explica que isso se deve ao fato de que, para os Astecas, o tempo não era abstrato. Era algo concreto, que se desgasta, gasta e consome, e os ritos e sacrifícios, eram necessários para renovar as forças do tempo, pois um tempo acabava e reiniciava outro. Assim, foi vista a chegada dos espanhóis como o fim do tempo cósmico, de uns deuses, e início de outro tempo, de outros deuses.

O entendimento da dualidade Vida-Morte por esses povos foi fundamental, pois regia, a partir dos ciclos fundamentais para a agricultura, todo o ciclo vital Asteca, já que a partir do calendário dos ciclos das chuvas e secas, plantios e colheitas, foi determinado o calendário religioso, ritual, que é basicamente um calendário solar. Neste calendário, pelo menos dois meses eram dedicados aos mortos, além de todos os ritos sacrificais dedicados aos deuses (ALVES, 2015, p. 85-88). Então, a celebração dos mortos era totalmente ligada ao calendário agrícola, realizada na época da colheita (VILLASENOR e CONCONE, 2012, p. 39), e ocorria no nono mês desse calendário, por volta do mês de agosto.

Esses rituais, realizados para celebrar os ancestrais, ocorreram por pelo menos 3000 anos na forma de um festival. Os rituais eram presididos por Mictecacíhuatl (Figura 24), a deusa conhecida como a Dama da Morte, que atualmente corresponde à Catrina, na concepção de José Guadalupe Posada, e ocorria o sacrifício de um grande número de homens em homenagem a deusa e seu esposo (RUÍZ et al, 1995, p. 17).

Figura 24 – Representações de Mictecacíhuatl e Mictlantecuhtli

Fonte: (OLVERA. s/d)

Dedicado a celebrar as crianças, os parentes falecidos, montavam altares com oferendas e era prática comum preservar os crânios, muitas vezes decorados com joias e pinturas, como troféus e mostra-los nos rituais, simbolizando a morte e o renascimento, como maneira de preservar a memória não só dos entes queridos, como dos inimigos que respeitavam, dos indivíduos de valor (Figura 25).

Figura 25 – Calavera Votiva Mexica – Museo Nacional de Antropología

As culturas pré-colombianas acreditavam na imortalidade da alma, sendo que a morte não era o fim da existência e sim, uma mudança de lugar. Por isso, nos ritos funerários, o defunto era acompanhado de dois tipos de objetos: os que tinha utilizado em vida e os que poderia necessitar na viagem (VILLASENOR, 2015, p. 6). Os objetos eram escolhidos de acordo com o tipo de morte, a personalidade e a classe social do morto e era tradição beber, comer, cantar no decorrer da cerimônia. Em algumas culturas da Mesoamérica, faziam uso de máscaras mortuárias que tinham por finalidade ajudar o morto a encontrar o caminho para a vida após a morte e permitir que se retivesse a imagem do rosto morto no mundo dos vivos, funções que serão exercidas pela fotografia posteriormente. Juan Luiz De León Azcárate (2000, p. 211- 222), diz que os astecas tinham o hábito de enterrar ou incinerar o morto, dependendo do estrato social a que pertenciam. Se fosse enterrado iria acompanhado de seus objetos, se fosse cremado, seriam, as cinzas, colocados num porte de barro com joias ou outros pertences. De qualquer modo, em ambos os casos, os restos mortais eram enterrados em túmulos comuns ou nos fundos das residências.

Rafael Villasenor (2015, p. 5) narra que se desprendendo de seu corpo físico, a alma imortal inicia, então, sua nova jornada para um dos muitos mundos que os pré- colombianos acreditavam existir no além-morte e o lugar para onde iam dependia de como morressem. Guerreiros e mulheres que morriam ao dar a luz iam para

Omeyocan, o paraíso luminoso e amplo do deus da guerra Huiizilopochtli, onde se

celebrava o Sol com canto, dança e música. Os que morriam de causas relacionadas à água iam para Tlalocan o paraíso de descanso e abundância do deus da chuva.

Chichihuacuauhco, era o nada, o vazio para onde iam os recém-nascidos, mortos no

parto.

A maioria ia para Mictlan, o Mundo dos Mortos, morada do senhor e da senhora da morte Mictlantecuhtli e Mictecacihuatl. Ele, tido como um dos deuses mais assustadores, habitava a camada mais profunda, representado por uma caveira com dentes salientes ou um esqueleto. Ela, zela pelos ossos dos mortos e preside os festivais dedicados a estes, na atualidade seu culto se confunde ao da Santa Muerte (Figuras 26 e 27).

Figuras 26 e 27 – Culto à Santa Muerte

Fonte: (ARQUIVO. s/d)/(Mundo Tentacular. 2014)

Deve-se lembrar que a ideia de Inferno dos pré-colombianos é diferente da ideia dos católicos, para eles, o Inferno é o lugar onde se depositam os ossos das pessoas mortas. Eduardo Matos Moctezuma (2014, p. 63 -78) relaciona os nove níveis de Mictlan com o ciclo menstrual e a gestação. Para ele, o morto experimenta um retorno ao ventre materno, representado pela mãe Terra, onde surgiu a Vida e ele relaciona com a agricultura, pois na Terra é onde tudo nasce e é onde encontra-se o binômio Vida-Morte: o ciclo vital pré-colombiano. Por isso, dentre as práticas fúnebres, estava o costume de colocar o cadáver com as pernas dobradas, encolhidas em posição fetal, e regava-se o corpo com água.

Matos Moctezuma (2014, p. 51) afirma que, com Mictlan, ainda podemos relacionar dois fenômenos. O primeiro, é que Mictlan, lugar escuro e sem janelas de onde não é possível sair, é composto de nove níveis. Jacques Soustelle (1959, p. 142) escreveu que em Mictlan

o morto experimenta uma longa viagem na qual será submetido a uma variedade de provas: deve passar por um estreito entre montanhas, seguir um caminho guardado por serpentes e bestas, atravessar estepes, lutar contra o vento glacial que soprava facas que raspavam a carne e, por fim, deve passar pelos nove rios de sangue com temíveis onças. No momento em que chega ao nono nível do inferno, o morto se dissolve em nada e deixa de existir.

O segundo, é o mito da criação do primeiro homem pelo deus Quetzalcóatl, (Figuras 28 e 29) a serpente emplumada. Nesse mito, está o princípio da visão dos Astecas com relação a vida após a morte O céu estava estagnado e Quetzalcóatl vai a Mictlan, alcança Mictlanteuctli e Mictlancíhuatl e pede os ossos guardados por eles.

Indagado sobre o que iria fazer, explica que iria fazer quem mora na Terra. Voltou com os ossos, separou os do homem de um lado, da mulher de outro, colocou numa bacia e derramou seu sangue e depois os outros deuses também o fizeram, criando os que chamaram de “vassalos dos deuses”. Syntia Alves (2015, p. 62) chama a atenção para o fato de que este mito

além de relacionar vida e morte, nos sinaliza algo fundamental: a presença de restos mortais como símbolo importante desta relação, em especial os ossos – em especial o crânio humano que será popularizado na iconografia da morte, tanto mexica, quanto cristã.

Figuras 28 e 29 – Quetzalcóatl, a Serpente Emplumada

Fonte: (CISNEROS.2018) / (ORE BELSUZARRI. 2015)

A narrativa desse mito demonstra a visão dos mexicas de que estavam submetidos a vontade dos deuses e viviam para servi-los. Pode-se dizer que não viam a vida como algo alegre, mas a suportavam como um sofrimento inevitável, pois sabiam que era transitória, sendo esse seu principal mérito. E a recompensa era a Morte, e a passagem para uma nova jornada.