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Anexo I – Projeto 1 Imagens Utilizadas

4 CONSTRUÇÃO DA POÉTICA, PROCESSO CRIADOR E POIÉTICA

4.2 HIBRIDISMO: COEXISTENCIA ENTRE O DÍA DE LOS MUERTOS

Neste momento, é importante esclarecer que há inúmeros modos de entendimento e termos para definir os processos de interação que, embora sejam correspondentes, podem denotar diferenciações, por suas especificidades e isso foi crucial para minha escolha de autores e para o uso e emprego dos conceitos ao longo do trabalho. Portanto, apresento, através desses autores, esse distintos modos de compreensão, para esclarecer a opção feita para a argumentação nesse estudo.

Segundo Ferreira (1986, p. 1589), sincretismo “é a reunião de doutrinas diferentes, com a manutenção, embora de traços perceptíveis das doutrinas originais, e pode ser de origem filosófica, cultural ou religiosa”.

É possível encontrar o sincretismo em diversos âmbitos. Charles Stewart e Rosalind Shaw (2005b, p. 45), explicam que sincretismo cultural é o resultado do contato entre dois ou mais povos e, a partir desse contato, suas tradições começam a misturar-se. Exemplificam com a chegada dos conquistadores europeus à América e o contato com os nativos, que se produziu um sincretismo cultural a partir do encontro entre ambos os povos. Em determinados casos, o sincretismo foi mais uma assimilação forçada da cultura dominante por parte dos povos conquistados, que conseguiram manter certas características próprias.

Os autores consideram que sincretismo é um termo que não tem significado fixo, porque os sentidos atribuídos a ele foram historicamente constituídos e restituídos. Para eles, sincretismos também podem ser autênticos e não simplesmente uma sobreposição de doutrinas e lembram que multiculturalismo não é, necessariamente, antisincretismo. Stewart e Shaw (2005a, p. 264) cita que o termo sincretismo, usado desde a Antiguidade, reaparece vinculado a conceitos como hibridação cultural, como meio de capturar a dinâmica do processo global atual. Para

Stewart, “numa definição geral, sincretismo é a combinação de elementos de duas ou mais tradições religiosas diferentes dentro de uma estrutura específica”.

Stuart Hall (2006, p. 91- 97), considera que existem diversos multiculturalismos, e que estes não são algo novo. Como o sincretismo já estava presente no mundo helênico, em termos de interação entre o centro e a periferia, ele propõe o termo hibridismo no lugar dos termos tradição e modernidade, porque o termo hibridismo caracteriza culturas cada vez mais mistas, sendo que o termo hibridismo cultural está relacionado com a “combinação de elementos culturais heterogêneos em uma nova síntese – por exemplo, a ‘transculturação’”.

Para Sérgio F. Ferretti (2013, p.16), o conceito de hibridismo é considerado mais moderno e mais amplo que sincretismo, por abordar elementos culturais não especificamente religiosos. Porém, o termo continua sendo utilizado por vários pesquisadores e, segundo Ferretti (2013, p. 15) se mostra útil no estudo da religião e de outros aspectos da realidade social. Ferretti menciona que Hibridismo cultural, não é um termo novo, mas começou a ser mais utilizado pelos teóricos da pós- modernidade.

Ferretti (2013, p. 30) afirma não reconhecer grandes diferenças entre os termos sincretismo e hibridismo, embora, por definição, posam ser diferenciados e vê, no sincretismo, as vantagens de ser um termo estabelecido a mais tempo na literatura e de utilizado nos terreiros de religião de origem africana, presentes no Brasil. Mesmo que o sincretismo esteja sendo rejeitado e, na Bahia, principalmente, o Candomblé está sofrendo um processo de reafricanização. Para ele o termo representa uma forma de resistência, que permite elaborar novas culturas a partir de elementos provenientes de cada cultura e que, hoje em dia, todas as tradições culturais estão em contato, e que o hibridismo e o sincretismo são importantes fontes criativas.

Maria Elisa Cevasco (2003, p. 133), baseando-se em Nestor Canclini, ao falar de Hibridismo cultural e Globalização, afirma que falar em culturas híbridas é redundante, lugar comum, porque o transito entre culturas no mundo pós-moderno é um aspecto que quase não há como escapar na produção cultural. Porém, esse hibridismo deve ser feito de maneira que se respeito o espaço de convivência da diversidade, pluralismo cultural e diferença para não retornarmos à situação de vencedores e rendidos do sincretismo, proporcionado pela era colonial.

Octavio Paz (2014, p.94), utiliza o termo sincretismo para referir-se, não só às consequências da colonização hispânica, como aos próprios espanhóis e também à

formação do Império Asteca. Primeiro em relação aos espanhóis, que chegaram na Mesoamérica, eram fruto da união de sincretismo católico, que havia assimilado aspectos da cultura greco-latina, dos bárbaros e orientais e de um sincretismo espanhol, que havia assimilado a ideia de “missão do Islã, após anos de Cruzadas”. Segundo, que o próprio Império Asteca era sincrético, pois os Mexicas migravam, conquistavam e subjugavam outros povos, impondo e assimilando sua cultura e religião, tanto que Paz (2014, p.94) chega a dizer que a chegada dos espanhóis parece ter sido uma libertação para os povos dominados. Por mais contraditório que pareça, Paz diz que o catolicismo, apesar de religião imposta, ofereceu “refúgio aos descendentes daqueles que assistiram o extermínio de suas classes dirigentes, mas, devido à sua decadência europeia, nega-lhes toda possibilidade de expressar sua singularidade” (PAZ, 2014, p. 105).

Em fato, os mitos pré-hispânicos persistem, sendo recobertos pelo catolicismo e a volta as tradições ganha força com o zapatismo, pois Paz (2014, p. 140) considera a Revolução uma descoberta que os mexicanos fizeram de si e uma volta às origens, que ganha força com Posada e persiste até hoje. De qualquer maneira, Paz associa o termo sincretismo ao subjugo, mesmo que veja resultados positivos, já que afirma que o catolicismo foi uma maneira dos indígenas de encontrar refúgio e batizar suas crenças e deuses, o que ele chama de “catolicismo-refúgio”, que funde imagens pré- colombianas com as do ocidente, como a Virgem de Guadalupe.

Paz (2014, p.298 - 300) apresenta essa perspectiva, aparentemente não tão negativa a respeito do termo, porque afirma que, na Colonização Espanhola, por mais horrores que o povo tenha conhecido, não lhe foi negado um lugar, mesmo que na última escala social, oportunidade que os nativos não tiveram nas colônias saxônicas. O autor estabelece um paralelo que define uma situação “menos pior”, no caso da colonização espanhola, mas sempre deixa claro que o termo sincretismo sempre vai referir-se ao domínio de uma cultura sobre outra.

Nestor Canclini (1997, p.71- 72) é favorável ao hibridismo e para ele, na realidade do mundo pós-moderno não há mais dominação. Diz preferir o termo hibridação, pois considera que “Sincretismo se refere principalmente a fusões religiosas ou movimentos simbólicos tradicionais, e mestiçagem se relaciona com mesclas raciais”. Para o autor, a hibridização permite a sobrevivência das diferentes culturas. Nestor Canclini (2004, p. 188) defende o estudo do cultural, já que os contornos do nacional e do étnico tornam-se imprecisos em um contexto

mundializado. O autor ainda afirma que os intercâmbios possibilitados e favorecidos pela globalização são saudáveis e impulsionam o surgimento e crescimento de novas culturas. Para ele, o hibridismo permite a sobrevivência tanto das culturas de massa como das culturas de elite, assim como a interação entre elas, se mostrando, assim, bastante otimista em relação ao processo.

Peter Burke (2003, p. 101-103), que trabalhou sobre autores como Stuart Hall e Nestor Canclini, afirma que as formas culturais são mais ou menos híbridas e que fusão de culturas diferentes é uma consequência da globalização. Burke acredita na reconfiguração de culturas e no surgimento de novas formas de hibridismos do mundo. Dá vários exemplos do que chama de “artefatos híbridos” (BURKE, 2003, p. 26), incluindo a inserção de gravuras ocidentais na China no século XVI, que influenciaram a pintura nesse país. Para o autor, ao discutir-se as imagens hibridas, surgem processos de mistura em dois níveis:

Em primeiro lugar, há a importância dos estereótipos ou esquemas culturais na estruturação da percepção e na interpretação do mundo. No nível microcósmico, esquema tem uma função semelhante a visão de mundo ou ao estado de coisas característico de uma determinada cultura. Em segundo lugar, há a importância do que poderiam ser chamadas de "afinidades" ou "convergências" entre imagens oriundas de diferentes tradições.

Burke (2003, p. 17) destaca que, nos artefatos híbridos, é possível perceber características de inovação, pois, conhecendo-se alternativas às nossas convenções, é possível fazer inovações e libertando-se das convenções, obtemos efeitos equivalentes e assimilações fugindo da imitação pura e simples.

Em relação as terminologias, Burke (2003), faz as seguintes considerações: 1) Os termos Acomodação e Apropriação “dão maior ênfase ao agente

humano e a criatividade”. Assim como o termo tradução cultural.

2) O termo Aculturação, tem sido criticado pois “implica uma modificação completa”.

3) O termo Sincretismo também vem sofrendo críticas porque “ele sugere uma mistura deliberada”.

4) O termo Hibridismo tornou-se um termo bastante frequente no período pós- colonial, principalmente em obras como as de Edward Said (apud BURKE, 2003), que diz que "Todas as culturas estão envolvidas entre si, nenhuma delas e única e pura, todas são híbridas, heterogêneas”. Embora evoque

um observador externo, é adequado a referir-se ao à globalização e configuração do mundo atual.

5) O termo Tradução Cultural “é uma ideia cada vez mais popular, usada para descrever mecanismo, por meio do qual, encontros culturais produzem formas novas e híbridas.” Para Burke (2003), tradução tem a vantagem de ser um termo neutro. Segundo Li Wenchao (apud BURKE, 2003) "Tradução contrasta com termos carregados de valores como "mal-entendido, interpretação errônea, engano na leitura, tradução incorreta, emprego impróprio".

A reflexão sobre qual o melhor termo a associar a minha pesquisa, me levou a dois autores que fazem colocações sobre o simbolismo e sentido das palavras. Mikhail Bakhtin (2010, p. 82) coloca que “é possível dar uma análise concreta e detalhada de qualquer enunciação, entendendo-a como unidade contraditória e tensa de duas tendências da vida verbal”, ou “nas situações revolucionárias, as palavras comuns assumem sentidos opostos” (BAKHTIN apud BOURDIEU, 2008), ao que Bourdieu (2008, p. 26) completa dizendo que “de fato, não existem palavras neutras: a pesquisa mostra, por exemplo, que os adjetivos usados mais correntemente para expressar os gostos recebem, amiúde, sentidos diferentes, por vezes opostos.”

Então, analisando estes termos citados por Burke (2003) e as colocações dos autores que citei analisando os termos, conclui que:

1) Acomodação não se aplica a minha pesquisa, já que, para tal, deveria estar

in loco, no México para que o uso dele se tornasse adequado.

2) Apropriação também não se aplica, por possibilitar remeter ao uso do que apenas é adequado ao trabalho, ignorando o todo, além do fator negativo de poder ser visto como plágio.

3) Cogitei o uso de Aculturação, mas não busco modificações culturais completas, e sim interação, além do que, o termo remete a perda de traços culturais significativos, algo que não desejo em meu trabalho.

4) Sincretismo Cultural poderia ser usado, principalmente pela pesquisa envolver religião, mas, como esse não é o único ponto, e o termo remete, historicamente, a uma relação de subjugo, a cultura de um povo se impondo a cultura de outro, prefiro deixa-lo de lado nesse momento. 5) Os termos Hibridismo e Hibridação, embora evoquem um observador

mundo atual. E querendo ou não, embora me identifique com a cultura mexicana, não deixo de ser um observador externo.

6) Tradução Cultural foi um termo novo, que esta pesquisa me trouxe, como colocou Burke (2003), é um termo neutro e descreve exatamente o que quero mostrar em meu trabalho, os elementos ressignificados e reinterpretados como formas hibridas, decorrentes de um encontro cultural. Portanto, diante da discussão acima, embasando-me em Nestor Canclini, Peter Burke e Maria Elisa Cevasco, concluí que, em minha pesquisa, tanto o emprego dos termos Tradução Cultural, quanto Hibridismo/Hibridização Cultural, serão coerentes, sendo que o primeiro pode ser considerado uma variação do segundo. Mantenho os outros termos para referir-me as questões históricas e afirmações de autores, mas para referir-me diretamente ao meu trabalho, percebi ser incoerente usar termos como

Sincretismo pois, a questão da Alteridade/Identidade, é um ponto fundamental, tanto

para Marc Augé (1999), quando se refere ao outro, quanto para Octavio Paz (2014), quando fala sobre o mexicano, desde a descrição do Pachuco, passando pela retomada da identidade cultural indígena, com a Revolução Mexicana e a Catrina de Posada, até chegar ao mexicano atual. Para realizar uma pesquisa séria, devo respeitar as características de meu objeto de estudo, sem impor uma cultura a outra, mas buscando conhecer uma cultura com maior profundidade, levando-a a outras pessoas, por acreditar que merece ser apreciada.

O que busco é produzir uma troca, um fluxo de comunicação, proporcionando um processo intelectual, emocional, cultural, artístico, social e, principalmente, reflexivo e dinâmico, onde as duas culturas possam coexistir, não só através das semelhanças, mas também através do conhecimento e aceitação das diferenças entre o eu e o outro. Desse modo, é possível a relação entre as duas culturas, de maneira igualitária, com relação de respeito de uma com a outra, mantendo suas identidades, sem sobreposições, justaposições ou interpretações equivocadas.

O andamento, a dinâmica dessa pesquisa me permitiu conhecer e me introduzir na cultura do outro, de maneira que o processo hibrido, visível em meu trabalho poético, gerou mudanças no eu-pessoa e no eu-artista, por minha própria vontade, de maneira que as reinterpretações e ressignificações que busquei na pesquisa, aconteceram de maneira mais significativa na pessoa e no artista do que no trabalho artístico, e esse é o reflexo dessas mudanças, dessas ressemantizações.