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A mudança de denominação: de LER para DORT

3. O ADOECIMENTO POR LER/DORT, O PROCESSO DE REABILITAÇÃO E A REINSERÇÃO NO TRABALHO

3.2 A mudança de denominação: de LER para DORT

A partir de 1980, as LER deixam de ser só uma doença de digitadores , como eram associadas, e passam a ser diagnosticadas em trabalhadores que exerciam atividades em outros setores produtivos como indústrias, inclusive as microeletrônicas e bancos, acometendo também profissionais da saúde, do setor de serviços e outros. A seguir, serão apresentados contribuições, explicações e posicionamentos de alguns autores referentes às denominações LER e DORT.

A mudança da denominação de LER (Lesões por Esforço Repetitivo) para DORT (Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho) envolveu discussões polêmicas. Segundo Lima e Ésther (1998), a denominação LER traz a idéia de repetição e, portanto, não deveria ser retirada do conceito, porque a lesão quase sempre ocorre em um contexto de trabalho repetitivo, apesar de alguns estudiosos dessa doença acharem que essa denominação é imprópria, por designar o todo pela parte , ou seja, consideram que a repetitividade seja apenas uma parte vinculada aos fatores biomecânicos presentes na origem da doença.

Também para Dejours (1992, 2000), a repetitividade das tarefas e a pressão de tempo têm uma importância fundamental no processo de adoecimento, pois representam a realidade concreta do trabalho, acrescida pelo empobrecimento do conteúdo da tarefa, fato que provoca esvaziamento do sentido do trabalho. Esse quadro poderá gerar ansiedade, angústia e irritabilidade.

Em outra perspectiva, Alves (2004) afirma que a denominação LER ou DORT representa uma questão que está muito além de um nome para designar uma determinada patologia, porque nessa discussão estão incluídos interesses sociais, desafios e questões sobre o processo de construção da área de saúde do trabalhador. Nesse caso, as divergências quanto às concepções da doença são engendradas a partir de diferentes posicionamentos, por exemplo, os discursos médicos no embate com interesses desse campo.A mudança da nomenclatura de LER para DORT, além dos critérios de diagnósticos, também envolve aspectos mais abrangentes vinculados aos interesses de flexibilização das relações de trabalho situadas no contexto de produção de uma subjetividade de um corpo para o trabalho

cuja metáfora seria a do corpo-máquina (Alves, 2004, p. 133).

De acordo com Cruz (2001), a mudança de nomenclatura resultou de estudo do grupo de patologias e suas repercussões, tanto em nível psicológico dos seus portadores quanto sociais e organizacionais. As terminologias fazem referência às patologias e aos fatores que as desencadeiam, ou às suas causas.

Para o autor, as Lesões por Esforço Repetitivo informam que a patologia é gerada por dois fatores: o esforço e a repetitividade. Essa denominação remete à origem da patologia no mundo do trabalho, em que a relação causal e o efeito estão em relação direta. Então, a lesão de músculos, tendões, nervos e vasos, dos dedos das mãos, dos punhos, dos antebraços, dos braços, dos ombros, do pescoço e da coluna vertebral é provocada pela tarefa que exige esforço repetitivo. Por outro lado, estudos do grupo de patologias que compõem a lesão evidenciaram que o esforço repetitivo não é o único fator causal e nem o tipo de patologia decorre necessariamente de uma lesão comprovada.

De acordo com a visão de Cruz (2001), além do esforço e da repetitividade existem outras questões provenientes da organização do trabalho, como o ritmo acelerado, o prolongamento da jornada e a intensificação do tempo de trabalho. A essas questões acrescentam-se os conflitos nas relações profissionais, as condições de trabalho inadequadas e fatores que transcendem o ambiente de trabalho, como características pessoais que incluem aspectos: comportamentais, psicológicos, biológicos, sociais e culturais.

Com o acréscimo desses fatores, ampliou-se o quadro etiológico da patologia, que se tornou multifatorial. Essa característica corrobora para a manutenção da dificuldade para se estabelecer o diagnóstico da doença no seu início e o seu nexo causal com o trabalho, por causa da falta de clareza que a síndrome sugere.

Como foi sugerido por Alves (2004), a discussão em torno da divergência em relação à etiologia da referida patologia talvez esteja ancorada em diferentes interesses, não só de ordem da saúde do trabalhador, mas também de ordem política e econômica, que envolve a relação trabalho-trabalhador.

Desse modo, a mudança de denominação teve implicações na classificação do grupo de patologias associadas ao trabalho pela impossibilidade de identificação de um único e específico agente causal. De acordo com essas concepções, múltiplos fatores poderão contribuir para a manifestação da doença. Para alguns autores, a patologia tem relação imediata com as determinações da organização do trabalho; para outros, além do conflito da

relação subjetiva entre trabalhador-trabalho existem as questões relativas a um perfil mais propenso para o acometimento da doença. Há também quem considere que as condições de trabalho poderão agravar, acelerar ou exacerbar a doença, ou seja, os fatores de risco ocupacionais têm influência significativa e considerável na ocorrência de LER/DORT, mas efetivamente não são os únicos contribuintes. De qualquer modo, o consenso é que a nova nomenclatura DORT engloba a antiga LER como doença do trabalho ou relacionada ao trabalho (Cruz, 2001)

No Brasil, as diferentes denominações referem-se ao processo histórico de reconhecimento da doença e sua relação com o trabalho, da mesma forma como ocorreu em outros países. O termo Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho tem sido adotado mundialmente e marca a adesão a uma abordagem ergonômica e epidemiológica dos fatores de risco. Entre as principais nomenclaturas usadas no Brasil estão: Distúrbios do Membro Superior Relacionados ao Trabalho, Distúrbios-Músculo Esquelético Ocupacionais, Distúrbios ou Desordens por Trauma Cumulativos, Lesões de Sobrecarga Ocupacional, Síndrome de Dor Crônica do Membro Superior, Síndrome do Esforço Repetitivo, Lesões por Esforço Repetitivo, Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho e outros (Alves, 2004)

Considerando que a partir de 1998 a nomenclatura mais utilizada passou a ser LER/DORT, ou apenas DORT, no presente trabalho será adotada a denominação de LER/DORT com o intuito de contemplar as diferentes concepções conceituais presentes na denominação da patologia. Entre as diferentes concepções, firma sua adesão à idéia defendida pela Psicodinâmica do Trabalho de que a origem das LER/DORT está na organização do trabalho.