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Estudos sobre as estratégias de mediação do sofrimento

2. A ABORDAGEM DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO

2.6 A contribuição de outros autores

2.6.3 Estudos sobre as estratégias de mediação do sofrimento

Várias pesquisas têm sido realizadas com o objetivo de analisar as estratégias de mediação utilizadas pelos trabalhadores no confronto com as pressões da organização de trabalho.

No estudo exploratório denominado Comportamento defensivo: uma estratégia para suportar o sofrimento no trabalho realizado com engenheiros de uma empresa de

telecomunicação Mendes (1996) identifica, com base nos pressupostos da Psicodinâmica do Trabalho, as estratégias defensivas utilizadas por esses trabalhadores para minimizar o sofrimento psíquico em face das imposições da organização do trabalho.

Mediante a análise das entrevistas foi possível identificar as estratégias de racionalização, individualismo e passividade desses trabalhadores. Nesse estudo fica evidenciado, mais uma vez, o papel paradoxal das defesas: elas permitem aos trabalhadores a convivência com o sofrimento, mas o seu uso excessivo pode levá-los à alienação e à eufemização das verdadeiras causas que os fazem sofrer.

Nessa mesma direção, Barros e Mendes (2003) investigaram as estratégias de mediações contra o sofrimento no estudo Sofrimento psíquico no trabalho e estratégias defensivas dos operários terceirizados da construção civil terceirizados de uma construtora em Brasília (DF). Participaram desse estudo 20 trabalhadores distribuídos em grupos de cinco provenientes de quatro canteiros de obras diferentes. Para a coleta dos dados foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas, com um roteiro construído a partir das seguintes categorias teóricas: organização do trabalho, condições de trabalho e relações sociais de trabalho. Os dados foram analisados de acordo com a técnica de análise de conteúdo (Bardin, 1977).

Os resultados evidenciaram que a terceirização, baseada nas premissas do modelo de produção Taylor-fordista, potencializa o sofrimento nos trabalhadores e que as vivências de desgaste físico e mental se articulam com as exigências cognitivas relativas à preocupação com erros, retrabalho e ritmo, gerando esgotamento mental. As condições de trabalho são precárias e não se coadunam com as regras rígidas determinadas pela organização do trabalho, o que implica em riscos de acidentes e aumento do sofrimento pela vivência de ansiedade, medo e insatisfação. Quanto às relações sociais de trabalho, existe o suporte social dado pelos colegas e pelas chefias e que favorece a neutralização do sofrimento proveniente da organização e da precariedade das condições de trabalho. O sofrimento também foi evidenciado pela falta de reconhecimento, manifestado pela insatisfação e descontentamento dos operários. Para enfrentar o sofrimento, os trabalhadores utilizam estratégias defensivas de negação e de controle da situação, esta geradora de sofrimento.

As análises presentes nos estudos de Mendes (1996) e Barros e Mendes (2003) colocam em evidência a afirmação de Dejours (1994, 1999, 2000, 2001) sobre a importância das estratégias de defesa utilizadas pelos trabalhadores, pois elas ajudam a manter a saúde em estado de normalidade, ou seja, o sofrimento não se torna patológico, apesar da organização do trabalho rígida e das condições precárias de trabalho.

A indicação de que as vivências de sofrimento também estão relacionadas ao serviço terceirizado, remete à atenção para as novas formas de flexibilização, ou de gestão do trabalho. Essa modalidade de gestão impede a construção de identificação com a empresa e com a tarefa que é executada e, por conseguinte, dificulta a construção do coletivo de trabalho, visto que, nessa modalidade, o trabalho é precarizado. A ausência desses requisitos inviabiliza o processo de reconhecimento e de construção da identidade, em decorrência do caráter de instabilidade e de efemeridade das relações sociais de trabalho. Portanto, trata-se de uma organização do trabalho que poderá ser favorável às vivências de sofrimento.

Ainda com essa temática, as pesquisadoras Mendes, Costa e Barros (2003) desenvolveram a pesquisa empírica, Estratégias de enfrentamento do sofrimento psíquico no trabalho bancário. A pesquisa foi realizada em três agências bancárias de Brasília (DF) e dela fizeram parte os funcionários que exerciam as funções de auxiliar administrativo, caixa e analista de processo. Os dados foram obtidos mediante entrevista coletiva que focou os aspectos referentes à organização do trabalho, às vivências de prazer-sofrimento e às estratégias de enfrentamento do sofrimento. Foram realizadas quatro entrevistas coletivas semi-estruturadas, com quatro grupos de trabalhadores: um grupo com cinco auxiliares, dois com cinco caixas em cada um deles e um grupo com cinco analistas. Os dados foram submetidos à análise de conteúdo de Bardin (1977).

Com base nos resultados, há evidência de que os trabalhadores bancários têm a sobrecarga de trabalho como a principal fonte de sofrimento. Como conseqüência, eles fazem uso de estratégias defensivas de racionalização para enfrentar essa sobrecarga e buscam alternativas fora do ambiente de trabalho, como atividade física, terapia e outros. Ainda, não houve indicação da presença de estratégias de mobilização coletiva no enfrentamento das dificuldades de trabalho.

A utilização, especificamente, das estratégias defensivas de racionalização parece evidenciar que elas são próprias da organização do trabalho bancário. Em síntese, nos casos aqui apresentados, a organização do trabalho, ao adotar o modelo taylorista para o aumento da produtividade, prima pela divisão das tarefas, do modo operatório e dos homens. Essas divisões dificultam, ou até mesmo impedem a organização do coletivo de trabalho, condição para que os trabalhadores construam as estratégias de mobilização coletiva. Estas visam o enfrentamento do sofrimento coletivamente e ainda têm como objetivo a transformação das características da organização do trabalho que são geradoras de desequilíbrio. Com a ausência dessas estratégias, em situações adversas o sofrimento é enfrentado isoladamente. Quando

isso ocorre aumentam os riscos de descompensações psíquicas, porque os trabalhadores se sentem mais fragilizados e o sofrimento poderá se tornar patogênico diante da impossibilidade de sua ressignificação.

Recentemente, outro trabalho apoiado na Psicodinâmica do Trabalho, foi realizado por Ferreira (2007). Intitulado Perdi um jeito de sorrir que eu tinha: estudo sobre trabalho, sofrimento e patologias sociais do trabalho, a pesquisa teve como objetivo a análise da influência da organização do trabalho nas vivências de sofrimento, estratégias de mediação e patologias sociais sobrecarga, violência e servidão voluntária. O estudo contemplou anistiados políticos que trabalhavam na Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) e também bancários de instituições situadas no Distrito Federal. Participaram desse estudo oito pessoas, sendo quatro da ECT que exerciam atividades de triagem e distribuição de correspondências, digitação de dados, condução de veículos e gerência de agências e quatro bancários de uma empresa de economia mista sediada no DF que trabalhavam nas tarefas de atendimento ao público, venda de produtos bancários, análise de processos e operações.

A coleta de dados ocorreu por intermédio de entrevistas. Para a análise, os dados foram, primeiramente, agrupados a partir da recorrência dos temas e tratados por meio da análise dos núcleos de sentido (ANS). Em um segundo momento, os temas foram agrupados em categorias-síntese pelos critérios de semelhança, lógica e pertinência dos conteúdos.

Os resultados das análises evidenciaram as seguintes categorias: a) divisão de trabalho tanto entre os anistiados quanto entre os bancários ficou evidente a pressão para atingir metas de trabalho, a segregação dos funcionários e a exploração da jornada de trabalho; b) relações socioprofissionais em ambos os grupos, observou-se insatisfação com as chefias, discriminações, humilhações, violências psicológicas e sonegação de informações para realizar o trabalho; c) estratégias de defesas utilizadas nos dois grupos indicaram ser pouco efetivas para mediar o sofrimento e garantir um equilíbrio psíquico mínimo que evitasse o adoecimento e fosse capaz de transformar os agentes noviços da organização do trabalho para minimizar o sofrimento.

Em relação aos dois grupos entrevistados, a organização do trabalho produziu intenso sofrimento, mediado por defesas que se tornaram, progressivamente, precarizadas e se cronificaram nas defesas patológicas de violência, sobrecarga e servidão voluntária, que desencadearam mais sofrimento e adoecimento. A partir do referencial teórico, a Psicodinâmica do Trabalho, e da discussão dos resultados da pesquisa, Ferreira (2007) propôs os conceitos de estratégias perversas da organização de trabalho e zelo perverso .

Assim, a partir da importância da mediação da saúde pelas estratégias de defesas, o próximo bloco de estudo apresentará a relação entre saúde e trabalho.